Mais de 100 organizações assinam manifesto para que União Europeia deixe de exportar ao mundo produtos banidos na própria Europa por questões de segurança. Só em 2018, a UE exportou cerca de 100 mil toneladas de pesticidas que contêm substâncias banidas no bloco econômico
Em abril de 2021, agrotóxicos lançados por um avião sobre casas de uma comunidade rural ocasionaram sintomas de intoxicação nos moradores, entre os quais André Lucas, à época com 7 anos de idade, segundo informações da Repórter Brasil. Entre os agrotóxicos pulverizados pelo avião, encontravam-se substâncias proibidas na UE, mas fabricadas por empresas com origem no bloco econômico.
O caso ilustra o relatório “Toxic Double Standards: How Europe sells products deemed too dangerous for Europeans to the rest of the world” (“Duplos Padrões Tóxicos: Como a Europa vende produtos considerados perigosos demais para os europeus ao resto do mundo”, em tradução livre) para que a União Europeia (UE) encerre o que chamam de “brechas hipócritas, cruéis, injustas e intoleráveis”, que permitem que empresas na UE exportem produtos tóxicos para outras partes do mundo, especialmente os países do Sul Global, mesmo quando esses itens foram proibidos na Europa por questões de segurança.
Fazem parte dessa lista pesticidas, plásticos descartáveis, brinquedos que apresentam riscos à saúde das crianças, desenvolvidos com materiais tóxicos, e sistemas intrusivos de inteligência artificial. Os signatários denunciam o “duplo padrão” na atuação do bloco uma vez que veda os produtos internamente, mas exporta os mesmos produtos que considera perigosos para o consumo de seus habitantes.
A história de André Lucas é um exemplo evidente de violação ao princípio da não-discriminação contra crianças e adolescentes disposto na Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, o tratado de direitos humanos mais aceito na história, tendo em vista o menor nível de proteção a que estão sujeitas as crianças e adolescentes que não vivem na UE, segundo o Instituto Alana, uma das organizações signatárias do manifesto.
“Essas pesquisas revelam o duplo padrão de atuação dos governos e empresas da Europa para a proteção e garantia de direitos das crianças, especialmente as do Sul Global e, em particular, as do Brasil. Nós estamos atuando para que as crianças brasileiras tenham suas necessidades atendidas da mesma forma que as crianças europeias”, afirma Pedro Hartung, diretor de Políticas e Direitos das Crianças do Instituto Alana.
Uma série de estudos e pesquisas motivou o posicionamento do grupo de organizações que aderiram ao manifesto. De acordo com a Public Eye, só em 2018, a UE exportou mais de 80 mil toneladas de pesticidas contendo substâncias proibidas na Europa. Estima-se que, no mundo, ocorram 385 milhões de casos de intoxicações agudas por ano.
Em 2023, uma investigação do Greenpeace Alemanha revelou que pesticidas tóxicos exportados da UE para países não pertencentes ao bloco estavam voltando para a Europa em produtos agrícolas, trazendo toxinas potencialmente perigosas para a saúde dos consumidores europeus. Já a Agência Europeia de Produtos Químicos revelou que, em 2020, mais de 660 mil toneladas de produtos químicos perigosos, proibidos ou severamente restritos na UE foram exportados para outros países.
O relatório também apresenta como essas brechas comerciais aparecem nas normas e leis atuais e propostas na UE, incluindo:
- Regulamento REACH de 2006 (produtos químicos)
- Regulamento de Pesticidas de 2009
- Diretiva de Brinquedos Infantis de 2009
- Diretiva de Plásticos de Uso Único de 2019
- Regulamento de Ecodesign para Produtos Sustentáveis de 2023
- Proposta de Regulamento de Segurança de Brinquedos de 2023
- Lei de IA de 2024
O documento, cuja versão em inglês está sendo lançada globalmente hoje, 26 de setembro, também traz exemplos de legislações vigentes na UE em que essas brechas não aparecem, fornecendo precedentes para que substâncias banidas na Europa também sejam proibidas nos outros países do mundo. Por exemplo, os regulamentos sobre mercúrio e os que proíbem mercadorias produzidas com trabalho forçado, incluem a vedação às exportações da UE para países que não integram o bloco.