Esbarraram num encontro da elite do Terceiro Setor. Dispensaram o café aguado e as bolachas do coffee break e ficaram num canto, pastas e papelada equilibradas embaixo do sovaco. Foi fulminante, uma brasa ardente. Gerou tanto carbono que ela teve de estudar alguma forma de compensação. Como diria ele, estavam mais cegos que o empresariado, imerso nos seus balanços, ignorando a comunidade do entorno e os direitos dos trabalhadores.
Quando não abraçava o namorado, ela abraçava árvores. Reciclava tudo – o bilhete de amor de hoje é a cúpula de abajur de amanhã. Encomendou um vestido de noiva de algodão orgânico e um véu de renda feita com garrafas PET.
Ele torcia o nariz – era das antigas. Brincava que ia estrangular o último mico-leão com as tripas do último panda gigante. Preocupação ambiental, para ele, era coisa para sueco ou para quem come três vezes ao dia. Quando proseava, abria a conversa falando de inclusão social e fechava com a exclusão digital.
Na estante, era fácil saber qual lado era dele, qual era dela. As capas dos livros da moça variavam as matizes de azul e verde. Exibiam florestas e gotas d’água. Os dele alternavam cores fortes, violentas, uma mistura caótica de preto, vermelho e amarelo. Outras vezes eram tão cinza que davam desânimo.
Um dia tiveram uma briga feia. Ninguém sabe como começou, nem eles. O certo é que ela, furiosa, o acusou de massa de manobra, pelego e outros impropérios que ela sabia que ofenderiam, mas que deveriam ter ficado trancados nos anos 70. Ele retrucava, dizendo que ela era uma ecochata de galochas e que fosse trabalhar de bicicleta, se era assim tão virtuosa. Pior: despejou um quilo de mata-baratas na horta dela, que retaliou. Queimou um original autografado do Paulo Freire.
Cancelaram o casamento, dividiram os cds. Ela ficou com tudo o que era new age e música de elevador. E, claro, o Sá e Gurabyra. Ele guardou o Paul Simon, a Joan Baez, a música africana e o rap.
É aí que o terceiro pé do tripé da sustentabilidade entra na história: a grana. Ela foi chamada a trabalhar na área de sustentabilidade de uma multinacional do setor automobilístico. Ele dava consultoria ao sindicato da categoria. Época de negociação salarial, versão trabalhista da dança anual de acasalamento de espécies exóticas.
Agora sim estavam em lados opostos e isso apimenta relação ainda mais que adultério. O aumento aprovado foi mixuruca, mas não importa. Isto foi no fim dos anos 90, mas eles estão juntos até hoje. Tomam um cuidado desgraçado para não falar de trabalho nem de militância à mesa. Na cama pode, porque ajuda a criar um clima.