A duas quadras da Avenida Paulista, próximo à rua São Carlos do Pinhal, existe um terreno baldio. Por trás do muro com trilhas de musgo, avistam-se também taiobas, plantas que acusam a presença de umidade. Ali é a nascente do rio Anhangabaú.
Quando o arquiteto José Bueno me contou essa história eu quase caí para trás. No coração do cosmopolitismo paulistano existe uma nascente de rio. E como ela, muitos outros corpos d’água, no total de 1.500 quilômetros, estão espalhados pela cidade, ocultos em galerias submersas e lotes aparentemente abandonados.
“A gente está sendo induzido a achar que os rios acabaram, mas eles continuam correndo longe dos nossos olhos”, diz Bueno. Realmente, dá o que pensar: que tipo de processo histórico deve a sua própria viabilidade à fartura de água e mais tarde esconde esses recursos como um segredo, como uma vergonha subterrânea, oculta em terrenos sinistros? E o mais espantoso é que esse trabalho é tão bem feito que a gente até se esquece que eles existem.
Conheça o projeto Rios e Ruas, idealizado pelo geógrafo Luiz de Campos Júnior e encampado por Bueno e seu Instituto Harmonia. Começou com um passeio de bicicleta por esse misterioso mapa fluvial. “Fazer do pedalar um reconhecimento da cidade invisível”, conforme explica Bueno (conheça o processo no primeiro vídeo ao lado). A proposta daqui pra frente é devolver o mapa de rios para a cidade, criar visibilidade, lembrar que eles existem, e em última instância rediscutir essa escolha de enterrá-los vivos.
Não estamos falando apenas de valor emocional. A cobertura de asfalto por sobre rios e riachos é uma das cauas das enchentes. “Se desenterrássemos esses cursos d’água, a chuva voltaria a ter por onde correr”, diz o jornalista Denis Russo, no segundo vídeo (ao lado), produzido para o site !sso não é Normal, do Estadão. Esse problema é tão nítido que até em escritórios de governo a retomada do equilíbrio original do território ganha força. A proposta atende pelo nome técnico de “renaturalização’.
No último domingo, a turma participou da Expedição Rio Pinheiros Vivo, um apanhado de percursos e atividades com cerca de mil pessoas interessadas em reconhecer e revisitar o caráter lúdico que o rio um dia teve. A iniciativa é da Associação Águas Claras do Rio Pinheiros, formada por oito empresas cujas sedes estão às margens do Pinheiros.
Bueno ainda prometeu dar duas festas este ano em algumas dessas nascentes escondidas pela cidade. E assim, com criatividade e leveza, a gente vai se lembrando e quem sabe recuperando a conexão com a natureza permanente de São Paulo. Essa festa eu não vou querer perder!