Em países onde a água encanada é própria para o consumo, o sucesso é a alternativa engarrafada. Em seu rastro vem o alto consumo energético, a poluição e o paradoxo de exportar água de onde os nativos padecem de sede
A água que sai das torneiras dos americanos é quase sempre potável, agradável e barata. No entanto, eles gastam US$ 12,5 bilhões anuais em água mineral – a um custo superior ao da gasolina. Os EUA consomem mais água mineral – um produto virtualmente inexistente no início dos anos 70 – do que leite, café ou cerveja. Analistas desse mercado avaliam até mesmo que suas vendas vão ultrapassar, nos próximos anos, as das colas e outros refrigerantes.
Por trás dessa decisão de compra está um misto de conveniência, esnobismo e excesso de zelo. O boom das águas engarrafadas é a prova definitiva de que os bambas do marketing conseguem mesmo vender gelo para esquimós. Uma bebida de luxo para quem poderia obter a genérica quase de graça.
Essa tendência tem gerado críticas cada vez mais acirradas por parte dos ativistas ambientais. “As empresas não deveriam cobrar por um direito essencial”, diz Gigi Kellett, diretora da Corporate Accountability International, ONG que lidera a luta contra essa indústria. “Mas, já que cobram, deveriam pelo menos informar que estão cobrando 1.000% a mais por uma água que vem da torneira.”
O comentário se deve ao fato de que muitas companhias industrializam água encanada- embora outras extraiam suas águas de nascentes remotas e intocadas. A Pepsi, por exemplo, admitiu em 2007 que a sua marca Aquafina, líder de mercado nos EUA, emprega água proveniente de reservatórios públicos.
A vice-líder, Dasani, produzida pela Coca-Cola, tem a mesma origem. Um estudo realizado pela Universidade de Genebra e promovido pelo WWF em 2001 indicou que águas industrializadas não são necessariamente mais seguras ou saudáveis, porque a água distribuída pela rede pública sofreria uma fiscalização mais rígida que o controle exercido sobre o produto engarrafado.
As críticas à água industrializada também ressaltam o seu alto consumo energético, as emissões de poluentes associadas ao seu transporte, o lixo proveniente do descarte das embalagens, os riscos de se privatizar a água e o paradoxo de exportar águas de qualidade, enquanto as populações locais não têm acesso à água potável.
Uma das marcas mais badaladas dos Estados Unidos, a Fiji, ilustra bem esses problemas. Seu produto vem do Pacífico Sul, a um ritmo de um milhão de garrafas por dia, e viaja mais de 3 mil quilômetros até o ponto de venda. Mata a sede dos americanos, enquanto metade da população das Ilhas Fiji não dispõe de água potável. Tanto que, em 2007, uma das ilhas registrou diversos casos de febre tifoide. Além disso, a fábrica emprega três geradores a diesel, porque precisa de energia que o arquipélago não consegue fornecer.
As empresas contra-argumentam, primeiro, que injetam dinheiro nas economias das áreas de onde extraem a água e que muitas vezes, como no caso de Fiji, investem do próprio bolso para aprimorar o saneamento local. Dizem, também, que a água mineral é uma boa alternativa aos refrigerantes e que nem todos os mercados dispõem de água encanada de qualidade – como é o caso do brasileiro.
Mesmo assim, os ambientalistas reuniram argumentos sólidos o bastante para que sua campanha acumulasse vitórias no Hemisfério Norte. Governos estaduais e locais, como os das cidades americanas de Los Angeles e San Francisco, estão vetando a compra da bebida. Também tem crescido o número de restaurantes, escolas e grupos religiosos que declaram publicamente que decidiram rejeitar a água mineral.
É o caso da Igreja Unida do Canadá, que resolveu boicotá-la por razões morais e prega a seus quase 600 mil membros que sigam o seu exemplo. O mesmo se passou nas escolas de Berkeley, na Califórnia, que já não oferecem água engarrafada em seus refeitórios.
Movimento semelhante pode ser observado em várias partes da Europa. O governo britânico decidiu banir a água mineral de suas reuniões. O prefeito Bertrand Delanoë serve água encanada em eventos promovidos na capital mundial da gastronomia, Paris. A cidade também distribuiu milhares de garrafas, desenhadas pelo estilista Pierre Cardin, para estimular os parisienses a carregarem consigo água de torneira.
Para convencer as massas, a Corporate Accountability International e outras ONGs têm promovido degustações “às escuras” – o consumidor é convidado a experimentar a água de vários copos, tentando adivinhar qual é mineral. Poucos acertam.
* Jornalista especializada em meio ambiente e colunista de Página 22[:en]Em países onde a água encanada é própria para o consumo, o sucesso é a alternativa engarrafada. Em seu rastro vem o alto consumo energético, a poluição e o paradoxo de exportar água de onde os nativos padecem de sede
A água que sai das torneiras dos americanos é quase sempre potável, agradável e barata. No entanto, eles gastam US$ 12,5 bilhões anuais em água mineral – a um custo superior ao da gasolina. Os EUA consomem mais água mineral – um produto virtualmente inexistente no início dos anos 70 – do que leite, café ou cerveja. Analistas desse mercado avaliam até mesmo que suas vendas vão ultrapassar, nos próximos anos, as das colas e outros refrigerantes.
Por trás dessa decisão de compra está um misto de conveniência, esnobismo e excesso de zelo. O boom das águas engarrafadas é a prova definitiva de que os bambas do marketing conseguem mesmo vender gelo para esquimós. Uma bebida de luxo para quem poderia obter a genérica quase de graça.
Essa tendência tem gerado críticas cada vez mais acirradas por parte dos ativistas ambientais. “As empresas não deveriam cobrar por um direito essencial”, diz Gigi Kellett, diretora da Corporate Accountability International, ONG que lidera a luta contra essa indústria. “Mas, já que cobram, deveriam pelo menos informar que estão cobrando 1.000% a mais por uma água que vem da torneira.”
O comentário se deve ao fato de que muitas companhias industrializam água encanada- embora outras extraiam suas águas de nascentes remotas e intocadas. A Pepsi, por exemplo, admitiu em 2007 que a sua marca Aquafina, líder de mercado nos EUA, emprega água proveniente de reservatórios públicos.
A vice-líder, Dasani, produzida pela Coca-Cola, tem a mesma origem. Um estudo realizado pela Universidade de Genebra e promovido pelo WWF em 2001 indicou que águas industrializadas não são necessariamente mais seguras ou saudáveis, porque a água distribuída pela rede pública sofreria uma fiscalização mais rígida que o controle exercido sobre o produto engarrafado.
As críticas à água industrializada também ressaltam o seu alto consumo energético, as emissões de poluentes associadas ao seu transporte, o lixo proveniente do descarte das embalagens, os riscos de se privatizar a água e o paradoxo de exportar águas de qualidade, enquanto as populações locais não têm acesso à água potável.
Uma das marcas mais badaladas dos Estados Unidos, a Fiji, ilustra bem esses problemas. Seu produto vem do Pacífico Sul, a um ritmo de um milhão de garrafas por dia, e viaja mais de 3 mil quilômetros até o ponto de venda. Mata a sede dos americanos, enquanto metade da população das Ilhas Fiji não dispõe de água potável. Tanto que, em 2007, uma das ilhas registrou diversos casos de febre tifoide. Além disso, a fábrica emprega três geradores a diesel, porque precisa de energia que o arquipélago não consegue fornecer.
As empresas contra-argumentam, primeiro, que injetam dinheiro nas economias das áreas de onde extraem a água e que muitas vezes, como no caso de Fiji, investem do próprio bolso para aprimorar o saneamento local. Dizem, também, que a água mineral é uma boa alternativa aos refrigerantes e que nem todos os mercados dispõem de água encanada de qualidade – como é o caso do brasileiro.
Mesmo assim, os ambientalistas reuniram argumentos sólidos o bastante para que sua campanha acumulasse vitórias no Hemisfério Norte. Governos estaduais e locais, como os das cidades americanas de Los Angeles e San Francisco, estão vetando a compra da bebida. Também tem crescido o número de restaurantes, escolas e grupos religiosos que declaram publicamente que decidiram rejeitar a água mineral.
É o caso da Igreja Unida do Canadá, que resolveu boicotá-la por razões morais e prega a seus quase 600 mil membros que sigam o seu exemplo. O mesmo se passou nas escolas de Berkeley, na Califórnia, que já não oferecem água engarrafada em seus refeitórios.
Movimento semelhante pode ser observado em várias partes da Europa. O governo britânico decidiu banir a água mineral de suas reuniões. O prefeito Bertrand Delanoë serve água encanada em eventos promovidos na capital mundial da gastronomia, Paris. A cidade também distribuiu milhares de garrafas, desenhadas pelo estilista Pierre Cardin, para estimular os parisienses a carregarem consigo água de torneira.
Para convencer as massas, a Corporate Accountability International e outras ONGs têm promovido degustações “às escuras” – o consumidor é convidado a experimentar a água de vários copos, tentando adivinhar qual é mineral. Poucos acertam.
* Jornalista especializada em meio ambiente e colunista de Página 22