Em florestas, desertos ou mares, o mundo coleciona significativos exemplos para melhorar a produção de alimentos e de energia, sem prejudicar o ambiente
Por Ignacy Sachs
A revolução verde dos meados do século passado trouxe um avanço significativo da produtividade agrícola, graças a uma combinação de sementes selecionadas com quantidades cada vez maiores de adubos e pesticidas (com impactos ambientais negativos) e aos progressos da irrigação. Vale dizer que ela favoreceu em escala mundial a minoria dos produtores que dispunham de recursos financeiros próprios e de subsídios públicos para adquirir os insumos, marginalizando as populações rurais pobres, sobretudo as dos países do Sul. Várias nações industrializadas passaram a produzir alimentos em quantidade bem superior às suas necessidades internas, exportando o excedente a preços altamente subsidiados, arruinando assim os produtores dos países periféricos.
O conceito de revolução duplamente verde, assim chamada por pesquisadores franceses, surgiu em oposição à primeira revolução verde, buscando maior harmonia com a natureza e adequação das tecnologias às possibilidades do pequeno agricultor familiar. Esta revolução dupla está em marcha. No entanto, convém acelerála e adequá-la às urgências do momento para fazer face ao duplo desafio das mudanças climáticas deletérias, iminentes e em parte irreversíveis, e ao déficit agudo de oportunidades de trabalho decente. Devemos enfatizar a necessidade urgente de parar todo e qualquer desmatamento e encorajar o plantio de mais árvores – a melhor maneira de sequestrar e armazenar o carbono nas plantas e no subsolo: reabilitando as matas ciliares, restaurando os ecossistemas florestais nas áreas de proteção ambiental, ampliando as plantações arbóreas de espécies úteis (chamadas de “florestas plantadas” impropriamente, por não terem a biodiversidade das florestas), adensando as florestas nativas com espécies úteis, plantando ao longo das estradas e ruas árvores de sombreamento e ornamentais, sem esquecer o sombreamento dos pastos.
Ao mesmo tempo, devemos envidar esforços para aproveitar para fins produtivos os espaços desérticos, de maneira a reduzir a pressão sobre os solos agricultáveis e a floresta. À primeira vista, trata-se de uma tarefa difícil. No entanto, nos últimos anos, surgiram vários projetos espetaculares visando o aproveitamento dos espaços desérticos para a produção da energia solar e eólica, a exemplo do Desertec, pilotado pela União Europeia, um conjunto de usinas solares no Saara que pretende produzir eletricidade para abastecer a Europa, instalando, ao custo de 400 bilhões de euros, uma capacidade de 100 gigawatts, o suficiente para abastecer o Brasil por seis meses (Veja, de 22 de julho). Segundo certas estimativas, uma área de 84 mil quilômetros quadrados de usinas de energia solar fototérmica daria para abastecer o mundo.
A China também está pensando grande, com a instalação de enormes unidades eólicas no Deserto de Gobi. Neste momento, estão sendo implantados seis gigantescos projetos de energia eólica, cada um com capacidade superior a 16 grandes usinas termoelétricas a carvão (The New York Times/Le Monde, de 1º de agosto).
Vale a pena lembrar ainda o projeto chamado The Sahara Forest Project – um conjunto de estufas que produz biomassa ao captar os gases dos poços de petróleo e utilizar água de mar dessalinizada com energia solar. Segundo a revista Dinheiro Rural, de julho de 2009, a Syngenta, um gigante do agronegócio, acaba de criar um centro de pesquisas na região desértica de Arica, no Chile, para trabalhar, entre outros projetos, com espécies de plantas adaptadas ao estresse hídrico. Outra fronteira para avançar, sempre com o propósito de diminuir a pressão sobre os solos agricultáveis, são os espaços marinhos, a complementação da revolução duplamente verde com uma revolução azul. Continuamos ainda a depender excessivamente da pesca (ou seja, da caça a animais aquáticos) e não da criação de peixes, moluscos e crustáceos. A sobrepesca resultou no massacre de algumas espécies.
Porém, dispomos ainda de um grande potencial de criação de animais aquáticos em condições sustentáveis, se forem respeitadas regras ambientais de manejo. As experiências altamente negativas de criação em grande escala de camarões nas Filipinas e no Equador, e ultimamente em fazendas de salmão no Chile, devem servir de lição. O aproveitamento de algas para fins energéticos é mais uma vertente da revolução azul com perspectivas brilhantes a médio prazo. Certas algas dobram a sua biomassa em um dia e têm um alto teor de óleo, podendo produzir cem vezes mais óleo por hectare ao ano do que a soja e dez vezes mais do que o dendê.