Ladislau Dowbor e Ricardo Abramovay abrem em São Paulo, série de encontros sobre crises civilizatórias e suas saídas
Certos momentos parecem grávidos de questionamento e tempestade. No último domingo, cerca de 20 mil pessoas – a maioria muito jovem – tomaram a Praça Roosevelt, em São Paulo, numa manifestação simbólica de crítica aos limites de nossa democracia raquítica. Extremamente pacífico (e amoroso…), o ato não foi, por isso, menos rebelde. Ao ocuparem a praça, vencendo inclusive ameaças da prefeitura, e ao inundá-la com práticas anti-sistêmicas (compartilhamento, gratuidade, colaboração, reciclagem, não-violência ativa etc), os manifestantes enviaram algumas mensagens. Não se conformam com uma sociedade consumista e alienada, que devasta a natureza e estimula, entre os seres humanos, egoísmo, ostentação, desigualdade. Estão dispostos a confrontar estas lógicas; a identificar outras tribos que resistem; a conspirar com elas.
Porém, conspirar para quê? Num mundo em que tanto parece tão fútil e insano, por onde começar mudanças mais profundas? Outras Palavras alegra-se por participar de um grupo de entidades – composto pela revista Página22, Matilha Cultural, Escola de Ativismo e Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) – que lança hoje uma nova iniciativa, para dialogar sobre esta questão essencial. Chama-se Primaveras [veja página no Facebook], uma referência óbvia às primeiras grandes revoluções desta década. Valoriza as mudanças pessoais de atitude, esta nova forma de ação política que remete à autonomia. Mas procura somar a elas outros desafios: identificar brechas e pontos frágeis do sistema; aprender a explorá-las; multiplicar os espaços nos quais podem florescer lógicas contra-hegemônicas.
Este objetivo fica claro já na primeira sessão de Primaveras. Nesta quarta-feira (24/10), Ladislau Dowbor e Ricardo Abramovay estimularão um diálogo, em formato não convencional, sobre A dimensão política das crises civilizatórias. É um tema decisivo, por pelo menos dois motivos.
Primeiro, os sistemas de poder que prevalecem (Ladislau costuma chamá-los de formas de “governança”) perpetuam, em inércia infinita, algumas das lógicas sociais que mais ameaçam as sociedades e a natureza. Todos sabemos dos riscos representados pelo aquecimento global, mas a quase totalidade dos governos hesita em enfrentá-los, porque se curva a lobbies com enorme poder nos parlamentos – as indústrias automobilísticas ou as petroleiras privadas, por exemplo. Mais de 1,5 mil novos carros entram em circulação (circulam?) a cada dia, em cidades como São Paulo, mas a mídia ataca ferozmente as propostas para restringir seu uso. Ou, pior, trata como “inviáveis” as tentativas de construir redes de metrô extensas no Brasil. Sem mudar a “governança”, alerta Ladislau, não será possível enfrentar nem o aquecimento global, nem a ditadura do automóvel.
A segunda razão tem sinal positivo. Em todo o mundo, cresce a sensação de desconforto com o sequestro da política, promovido pelos supostos “representantes do povo”. Uma parcela cada vez mais ampla da opinião pública percebe como é absurdo e pequeno, na era da internet, reduzir a democracia a um voto, uma vez a cada dois anos. As instituições tradicionais parecem incapazes de se renovar. Parasitadas pelo poder econômico e pelo interesse de auto-preservação da “classe política”, elas sentem-se, diante das reivindicações por transparência – e, sobretudo, por participação horizontal – como vampiros em face da luz.
Não haverá, nesta crítica generalizada da sociedade a seus “representantes”, sementes de reviravolta? Que falta para criar vastos movimentos em favor de uma nova democracia, em que a representação conviva (e ceda espaço) à participação direta dos cidadãos nos terrenos que dizem respeito a seu futuro coletivo?
Falta, por exemplo, traduzir o desconforto com o sistema e o desejo de autonomia e horizontalidade em propostas concretas, viáveis, seguras num certo sentido. Nenhuma grande mudança ocorre enquanto permanece aspiração de um grupo minoritário de descontentes. É preciso, como na ocupação da Praça Roosevelt, neutralizar o discurso do medo, brandido pelo poder; demonstrar que as novas lógicas oferecem uma vida mais humana, estimulante e prazerosa a todos – não apenas aos que conspiram… Formular propostas capazes de tal mágica é árduo e complexo mas (talvez exatamente por isso…) desafiante e indispensável.
O segundo grande tema de Primaveras ,já agendado para um diálogo em 13 de novembro, é a busca do Conhecimento Livre. Pergunta-se: como assegurar, na época da economia imaterial, que as riquezas comuns da humanidade – o conhecimento é a mais típica – sejam, de fato, patrimônio de todos? De que forma criar novas leis de direitos autorais, que assegurem a circulação mais livre e vasta das obras culturais e científicas, estabelecendo novos estímulos aos criadores e inventores? Sérgio Amadeu e Pablo Ortellado coordenarão a busca de respostas.
Primaveras pretende contribuir para a inovação também na forma. Propôs-se aos debatedores que, em vez de fazer longas falas, e depois abrir ao público um breve momento para perguntas, tentem suscitar a participação coletiva. Não é fácil, nem se resolve com simplismos, como desprezar o conhecimento reunido por quem dedicou-se a tanto.
Seremos capazes? Melhor que você mesmo participe da resposta. Primaveras acontece, em sua primeira edição, no centro de São Paulo – no Espaço Cultural Matilha: Rua Rego Freitas, 542, República (veja mapa). Mas a Rede Fora do Eixo e a Pós-TV farão a transmissão direta, via internet (em www.postv.org), a partir das 19h – e será possível dialogar também a distância.
São raros os instantes históricos em que o futuro está tão indefinido e aberto. Um enorme risco? Uma oportunidade rara? Depende também de você.
*Antonio Martins é editor do site Outras Palavras
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