Com os reservatórios das hidrelétricas cada vez mais secos, o Governo acionou as termelétricas. O saldo é de 1,6 milhão de toneladas de gás carbônico emitidos na atmosfera, conta Luiz Serrano, consultor da Keyassociados
Não choveu o esperado nas regiões importantes onde se encontram os reservatórios das usinas hidrelétricas. Para que não faltasse energia elétrica no País, o Governo Federal acionou as usinas termelétricas, que servem como complemento ao sistema de abastecimento energético nacional.
A medida foi recebida como um alívio por um lado, assegurando os níveis de produção e crescimento no Brasil. Já em outra frente, há preocupação, principalmente considerando o alto nível de poluição atmosférica gerado pelas termelétricas. Só entre os dias 1 e 10 de janeiro, essas usinas ligadas emitiram aproximadamente 1,6 milhão de toneladas de gás carbônico no ar. Se as atividades continuarem nesse patamar ao longo de todo o mês, as emissões devem chegar a mais de 5,1 milhões em janeiro, de acordo com estimativas da consultoria WayCarbon.
Nos últimos dias, chuvas aumentaram os níveis dos reservatórios nas Regiões Sudeste, Centro-Oeste e Norte. Não há mais possibilidade de racionamento de energia no País, segundo Edison Lobão, ministro de Minas e Energia. No entanto, não houve previsão do desligamento das térmicas. Na entrevista a seguir, Luiz Serrano, consultor da Keyassociados da unidade de negócios WayCarbon, fala a Página22 sobre a situação do setor energético e do país.
Como o senhor avalia este momento do Brasil, em que o fornecimento de energia elétrica tem dependido do funcionamento das termoelétricas?
O País passa por um momento muito peculiar. Os índices pluviométricos nas regiões Nordeste e Sudeste, principalmente, foram reduzidos de forma relevante em função das variações climáticas às quais estamos submetidos. Isso impactou nos níveis dos reservatórios das hidrelétricas e no risco de curto prazo de abastecimento. O Governo Federal, para evitar uma redução ainda maior nos reservatórios, determinou a entrada em operação das usinas termelétricas movidas a combustíveis fósseis aptas a diminuir o despacho das usinas hidrelétricas de maior porte conectadas ao sistema.
Essa atitude, por um lado, teve por objetivo evitar a redução abrupta dos níveis dos reservatórios e garantir que essa redução não impactasse severamente nos riscos de desabastecimento. Em contrapartida, essa ação trouxe (e trará) o aumento dos custos marginais de operação do sistema, fato este muito criticado por grandes consumidores e por aqueles que não acreditavam na manutenção da redução dos preços da energia elétrica no país.
O aumento da geração por termelétricas pode impactar, ainda que de maneira inexpressiva, na competitividade industrial. As empresas que fizeram seu planejamento com base nas tarifas projetadas para os próximos anos podem ter seus negócios afetados e não gerar os resultados que os acionistas previam. Portanto, há um ambiente de incertezas para as empresas mais dependentes da energia compradas da rede, o que as torna mais vulneráveis.
O que isso representa em relação à segurança energética do Brasil?
A entrada das térmicas traz à tona uma discussão muito relevante sobre o padrão de geração centralizada. Apesar dos riscos do racionamento serem baixos, isso faz com que o planejamento energético do País seja repensado. Uma matriz diversificada, com geração baseada em diversas fontes e com capacidade de replicação elevada, deve ser priorizada.
Contribuindo nesse sentido, estão as usinas eólicas, que foram incentivadas por meio dos leilões de 2009, 2010 e os outros subsequentes. Apesar dessas usinas entrarem em operação somente neste ano, devem continuar sendo tema central de incentivos do Governo. Ações com vista à geração descentralizada, mais próximas aos centros de consumo e que incentivem a eficiência energética em processos produtivos, também devem ser incentivadas, por exemplo, através de linhas de crédito que fomentem investimentos em redução de consumo de energético e ganhos de produtividade, concomitantemente.
Para o consumidor comum, as termelétricas em operação podem refletir em maiores preços após os reajustes das concessionárias. Porém, o quanto isso vai impactar no bolso de cada um, ainda não dá para sacramentar, pois vai depender do mix de fontes de geração (e os preços dos combustíveis) e do prazo em que elas ficaram ligadas.
É possível calcular quanto de carbono as termoelétricas já lançaram na atmosfera?
Parafraseando a Luísa Kretlli, outra consultora da WayCarbon, em um mês, “todas as térmicas ligadas geram, 5,1 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente.” Um volume de emissões significativo para o país. Em se tratando de uma nação que não depende constantemente da geração térmica como fonte primária de energia para a geração elétrica, isso é muito significativo.
Que impactos a termelétricas causam?
Diversos são os impactos da geração térmica ao meio ambiente e às pessoas por se tratar de uma fonte mais intensa em carbono: há o aumento direto nas emissões de efluentes gasosos, incluindo Gases do Efeito Estufa (GEE), como o Dióxido de Carbono (CO2), o aumento das emissões de óxidos de enxofre (SO), materiais particulados, dentre outros. Além disso, há o aumento na geração de efluentes líquidos, como os de sistemas de refrigeração, do tratamento de águas, purgas de caldeiras, e outros efluentes sanitário. A operação de termelétricas também gera efluentes sólidos.
O consumo por si só dos combustíveis fósseis representam um impacto ambiental – pois são recursos não-renováveis. Para as pessoas, existem impactos potenciais diretos aos operadores e à população local, bem como os impactos indiretos que os efluentes gerados pelas usinas, que podem ser traduzidos em casos de saúde pública, problemas respiratórios, etc.
O controle sobre essas usinas aumentou muito nos últimos anos, mas ainda que exista uma legislação rigorosa, os impactos potenciais continuam a existir.
O que pode ser feito no curto prazo para compensar essas emissões no país? E no longo prazo?
Uma vez emitidos os GEEs, para compensar o que fora emitido em função das operações não planejadas de curto prazo, seria necessário o abatimento dessas emissões por outras fontes que são neutras. O cenário ideal seria planejar a expansão do sistema com fontes renováveis e limpas.
O Governo Federal projeta a expansão do sistema em seu Plano Decenal de Energia Elétrica para 10 anos. Esse plano, junto com outras diretrizes que visam o incentivo às fontes renováveis associadas a políticas econômicas e mudanças regulatórias, seria satisfatório ao crescimento da oferta com baixa intensidade em carbono.
Quais alternativas teríamos para que o país não mais precisasse contar com uma fonte de energia poluente como as termoelétricas?
O Brasil possui uma grande vantagem competitiva e comparativa, pois detém recursos renováveis em abundância: fonte hidrelétrica, térmica com base em biomassa (como o bagaço da cana-de-açúcar, casca de arroz, resíduos agropecuários, biogás do tratamento de resíduos domésticos, etc), eólica ou solar.
Prover um ambiente de investimentos equilibrado, seguro e competitivo é o papel do Governo para fomentar investimentos privados em geração de energia elétrica. Com um ambiente regulatório bem definido, incentivos voltados para novas tecnologias ou tecnologias que não são expressivamente observadas no Brasil, como a fonte solar, o setor privado terá condições suficientes para auxiliar o país a investir na expansão do sistema.
Vale lembrar que anos atrás, por meio do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) – ainda que este não tenha sido grande um caso de sucesso – foram implementadas as primeiras usinas eólicas com escala comercial e conectados ao Sistema Interligado Nacional. Depois disso, vieram os leilões de energia de reserva e de fontes alternativas de 2009 e 2010, que aumentaram ainda mais a participação das eólicas no sistema.
Além de ações voltadas à geração, esforços com vistas ao monitoramento de qualidade e eficiente no consumo de energia elétrica, smart grids, ações de eficiência energética na indústria e a geração distribuída podem representar uma disponibilidade significativa de energia para o sistema.
Lembro que em recente estudo publicado pela Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia (ABESCO), cerca de 10% dos 430 terawatt-hora (TWh) consumidos no país a cada ano são desperdiçados. Isso é muito. É o volume superior ao consumido pela população do Estado do Rio de Janeiro, que é da ordem de 36 TWh.
Enquanto a chuva não vem
Desde que os reservatórios das usinas hidrelétricas estão com pouca água, o Governo acionou as termelétricas, uma fonte de energia poluente. O saldo é de 1,6 milhão de toneladas de gás carbônico emitidos na atmosferas, conta Luiz Serrano, consultor da Keyassociados.
As chuvas esperadas para o verão brasileiro não apareceram em regiões importantes onde estão os reservatórios das usinas hidrelétricas. Para que não faltasse energia elétrica no país, o Governo federal acionou as usinas termelétricas, que servem como complemento ao sistema de abastecimento energético.
Isso gerou um certo alívio de um lado, mas do outro, há preocupação, afinal as termelétricas são grandes poluentes. Entre os dias 1 e 10 de janeiro, essas usinas ligadas emitiram aproximadamente 1,6 milhão de toneladas de gás carbônico. Se as atividades continuarem nesse patamar ao longo de todo o mês, as emissões devem chegar a mais de 5,1 milhões em janeiro, de acordo com estimativas da consultoria WayCarbon.
Nos últimos dias, chuvas aumentaram os níveis dos reservatórios nas Regiões Sudeste, Centro-Oeste e Norte. Não há mais possibilidade de racionamento de energia no País, segundo Edison Lobão, ministro de Minas e Energia. No entanto, não houve previsão do desligamento das térmicas. Na entrevista a seguir, Luiz Serrano, consultor da Keyassociados da unidade de negócios WayCarbon, fala sobre a situação do setor energético e do país.
Como o senhor avalia este momento do Brasil, em que o fornecimento de energia elétrica tem dependido do funcionamento das termoelétricas?
O País passa por um momento muito peculiar. Os índices pluviométricos nas regiões Nordeste e Sudeste, principalmente, foram reduzidos de forma relevante em função das variações climáticas às quais estamos submetidos. Isso impactou nos níveis dos reservatórios das hidrelétricas e no risco de curto prazo de abastecimento. O Governo Federal, para evitar uma redução ainda maior nos reservatórios, determinou a entrada em operação das usinas termelétricas movidas a combustíveis fósseis aptas a diminuir o despacho das usinas hidrelétricas de maior porte conectadas ao sistema.
Essa atitude, por um lado, teve por objetivo evitar a redução abrupta dos níveis dos reservatórios e garantir que essa redução não impactasse severamente nos riscos de desabastecimento. Em contrapartida, essa ação trouxe (e trará) o aumento dos custos marginais de operação do sistema, fato este muito criticado por grandes consumidores e por aqueles que não acreditavam na manutenção da redução dos preços da energia elétrica no país.
O aumento da geração por termelétricas pode impactar, ainda que de maneira inexpressiva, na competitividade industrial. As empresas que fizeram seu planejamento com base nas tarifas projetadas para os próximos anos podem ter seus negócios afetados e não gerar os resultados que os acionistas previam. Portanto, há um ambiente de incertezas para as empresas mais dependentes da energia compradas da rede, o que as torna mais vulneráveis.
O que isso representa em relação à segurança energética do Brasil?
A entrada das térmicas traz à tona uma discussão muito relevante sobre o padrão de geração centralizada. Apesar dos riscos do racionamento serem baixos, isso faz com que o planejamento energético do País seja repensado. Uma matriz diversificada, com geração baseada em diversas fontes e com capacidade de replicação elevada, deve ser priorizada.
Contribuindo nesse sentido, estão as usinas eólicas, que foram incentivadas por meio dos leilões de 2009, 2010 e os outros subsequentes. Apesar dessas usinas entrarem em operação somente neste ano, devem continuar sendo tema central de incentivos do Governo. Ações com vista à geração descentralizada, mais próximas aos centros de consumo e que incentivem a eficiência energética em processos produtivos, também devem ser incentivadas, por exemplo, através de linhas de crédito que fomentem investimentos em redução de consumo de energético e ganhos de produtividade, concomitantemente.
Para o consumidor comum, as termelétricas em operação podem refletir em maiores preços após os reajustes das concessionárias. Porém, o quanto isso vai impactar no bolso de cada um, ainda não dá para sacramentar, pois vai depender do mix de fontes de geração (e os preços dos combustíveis) e do prazo em que elas ficaram ligadas.
É possível calcular quanto de carbono as termoelétricas já lançaram na atmosfera?
Parafraseando a Luísa Kretlli, outra consultora da WayCarbon, em um mês, “todas as térmicas ligadas geram, 5,1 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente.” Um volume de emissões significativo para o país. Em se tratando de uma nação que não depende constantemente da geração térmica como fonte primária de energia para a geração elétrica, isso é muito significativo.
Que impactos a termelétricas causam?
Diversos são os impactos da geração térmica ao meio ambiente e às pessoas por se tratar de uma fonte mais intensa em carbono: há o aumento direto nas emissões de efluentes gasosos, incluindo Gases do Efeito Estufa (GEE), como o Dióxido de Carbono (CO2), o aumento das emissões de óxidos de enxofre (SO), materiais particulados, dentre outros. Além disso, há o aumento na geração de efluentes líquidos, como os de sistemas de refrigeração, do tratamento de águas, purgas de caldeiras, e outros efluentes sanitário. A operação de termelétricas também gera efluentes sólidos.
O consumo por si só dos combustíveis fósseis representam um impacto ambiental – pois são recursos não-renováveis. Para as pessoas, existem impactos potenciais diretos aos operadores e à população local, bem como os impactos indiretos que os efluentes gerados pelas usinas, que podem ser traduzidos em casos de saúde pública, problemas respiratórios, etc.
O controle sobre essas usinas aumentou muito nos últimos anos, mas ainda que exista uma legislação rigorosa, os impactos potenciais continuam a existir.
O que pode ser feito no curto prazo para compensar essas emissões no país? E no longo prazo?
Uma vez emitidos os GEEs, para compensar o que fora emitido em função das operações não planejadas de curto prazo, seria necessário o abatimento dessas emissões por outras fontes que são neutras. O cenário ideal seria planejar a expansão do sistema com fontes renováveis e limpas.
O Governo Federal projeta a expansão do sistema em seu Plano Decenal de Energia Elétrica para 10 anos. Esse plano, junto com outras diretrizes que visam o incentivo às fontes renováveis associadas a políticas econômicas e mudanças regulatórias, seria satisfatório ao crescimento da oferta com baixa intensidade em carbono.
Quais alternativas teríamos para que o país não mais precisasse contar com uma fonte de energia poluente como as termoelétricas?
O Brasil possui uma grande vantagem competitiva e comparativa, pois detém recursos renováveis em abundância: fonte hidrelétrica, térmica com base em biomassa (como o bagaço da cana-de-açúcar, casca de arroz, resíduos agropecuários, biogás do tratamento de resíduos domésticos, etc), eólica ou solar.
Prover um ambiente de investimentos equilibrado, seguro e competitivo é o papel do Governo para fomentar investimentos privados em geração de energia elétrica. Com um ambiente regulatório bem definido, incentivos voltados para novas tecnologias ou tecnologias que não são expressivamente observadas no Brasil, como a fonte solar, o setor privado terá condições suficientes para auxiliar o país a investir na expansão do sistema.
Vale lembrar que anos atrás, por meio do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) – ainda que este não tenha sido grande um caso de sucesso – foram implementadas as primeiras usinas eólicas com escala comercial e conectados ao Sistema Interligado Nacional. Depois disso, vieram os leilões de energia de reserva e de fontes alternativas de 2009 e 2010, que aumentaram ainda mais a participação das eólicas no sistema.
Além de ações voltadas à geração, esforços com vistas ao monitoramento de qualidade e eficiente no consumo de energia elétrica, smart grids, ações de eficiência energética na indústria e a geração distribuída podem representar uma disponibilidade significativa de energia para o sistema.
Lembro que em recente estudo publicado pela Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia (ABESCO), cerca de 10% dos 430 terawatt-hora (TWh) consumidos no país a cada ano são desperdiçados. Isso é muito. É o volume superior ao consumido pela população do Estado do Rio de Janeiro, que é da ordem de 36 TWh.