Página 22 fez cinco pergunas sobre sustentabilidade – como referencial teórico e objetivo de luta – a especialistas no tema e estudiosos de áreas correlatas. AS respostas revelam diferenças, disconrdâncias, consensos pontuais e possíveis caminhos para para que um outro mundo deixe de ser apenas possível
Por Flavio Lobo
“Nossa terra está se degenerando. O suborno e a corrupção disseminam-se. Há sinais de que o mundo está se aproximando do fim rapidamente”.
O texto acima, escrito por assírios numa barra de argila por volta de 2800 a.C. e citado por Isaac Asimov no Livro dos Fatos, é um dos exemplos mais remotos de um fenômeno comum: a crença de indivíduos e grupos sociais de que seu tempo e suas ações são decisivos para o destino da humanidade. Percepções desse tipo muitas vezes mostraram-se equivocadas ou pelo menos exageradas. Mas isso não implica a adoção da visão oposta, segundo a qual indícios de grandes transformações são sempre superdimensionados e que as mudanças mais profundas, quando de fato acontecem, independem da ação consciente de grupos e indivíduos.
Entre os sinais da crise que hoje ameaça e desafia um mundo bem mais vasto do que poderia enxergar um assírio, pelo menos dois processos se destacam pelo ineditismo, pela solidez das evidências e magnitude dos abalos que podem causar em escala global.
Um desses sinais de alerta é o aquecimento global. Quanto maior a atenção dada ao problema pela comunidade científica mais se fortalece o consenso: trata-se de um fenômeno recente, sem paralelo na história, causado pela atividade humana, com iminente potencial catastrófico. O segundo alarme, a soar desenfreado ao longo das últimas décadas, é demográfico. Apesar da trajetória de queda das taxas de fertilidade, que deverá zerar o crescimento populacional em meados deste século. Segundo a última estimativa da ONU, divulgada em junho, a população mundial deverá passar dos atuais 6,5 bilhões para 9 bilhões de pessoas em 2050.
Sozinhas, as projeções climática e demográfica já justificariam a certeza de que a humanidade atravessa, de fato, um período especialmente desafiador. Associem-se outras evidências sobre os níveis críticos de degradação ambiental e esgotamento de recursos naturais, como os relativos ao desmatamento e agravamento da escassez de água para uso e consumo humanos, e o cenário, presente e futuro, revela as feições de uma crise sem precedentes.
Como diz o cientista e filósofo húngaro Ervin László, o atual processo civilizatório já dá mostras de ter chegado, em termos ambientais, aos “limites planetários”. E isso acontece num momento em que a população humana está prestes a sofrer um acréscimo na casa 2,5 bilhões de pessoas num prazo de apenas quatro ou cinco décadas — o que, por sua vez, implica uma explosão da demanda por recursos naturais.
Inéditos, reais e globais, esses fatos e tendências impõem a busca de soluções igualmente novas, consistentes e abrangentes.
Entre os que se dedicam a construir alternativas, torna-se cada vez mais recorrente o emprego da expressão “desenvolvimento sustentável”, ou simplesmente “sustentabilidade”, aplicada em diferentes contextos, com referência a múltiplos significados. Se demonstra uma maior atenção prestada ao problema, a popularização dessas palavras também vem resultando em confusões e equívocos, dando margem a manipulações e oportunismos marqueteiros.
Criada para abordar a crise de insustentabilidade e para divulgar, discutir e propor soluções, PÁGINA 22 identifica a necessidade de rediscutir as idéias e metas que têm norteado a reflexão e as ações dos envolvidos nessa discussão e nessa luta. A começar pelas palavraschave “desenvolvimento” e “sustentabilidade”. Pois, sobretudo num momento que clama por novas ações, práticas e atitudes, vale lembrar um esclarecimento feito pelo filósofo Michel Foucault numa aula inaugural do Collège de France, em 1970: “O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar”. Com a palavra, os debatedores — especialistas no assunto e estudiosos de áreas correlatas que aceitaram participar de uma “mesa-redonda” cujo objeto é importante demais para ser abordado apenas por especialistas.
IGNACY SACHS – Economista, sociólogo e ecologista, diretor honorário do Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo da École des Hautes Études em Sciences Sociales, com sede em Paris JOSÉ ELI DA VEIGA – Economista, professor da USP, estudioso de economia agrária e sustentabilidade, autor do livro Desenvolvimento Sustentável — O desafio do século MARISTELA BERNARDO – Jornalista, doutora em sociologia, consultora e presidente do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) NEWTON PEREIRA – Geólogo, professor da Unicamp, estudioso de planejamento energético, mudanças tecnológicas e meio ambiente REGINA MEYER – Arquiteta e urbanista, professora da USP, estudiosa de planejamento e desenho urbanos, história do urbanismo e da metrópole SILVIA FIGUEIRÔA – Geóloga, historiadora, estudiosa de história e ensino da ciência, diretora-associada do Instituto de Geociências da Unicamp TAMAS MAKRAY – Empresário, ecologista, fundador e expresidente do grupo Promon, criador do Instituto Oikos de Agroecologia VANDERLI CUSTÓDIO – Geógrafa, professora do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, estudiosa de geografia urbana e história do pensamento geográfico
1) Como a expressão “desenvolvimento sustentável” deve ser compreendida?
IGNACY SACHS: “A sustentabilidade é um conceito pluridimensional e pelo menos três dimensões devem estar presentes para que se possa falar de desenvolvimento sustentável: os objetivos do desenvolvimento são sempre sociais, deve-se respeitar as condicionalidades ecológicas para preservar o futuro e lograr a viabilidade econômica para que as coisas aconteçam.”
SILVIA FIGUEIRÔA: “A expressão ‘desenvolvimento sustentável’ deve ser compreendida numa perspectiva que obrigatoriamente englobe os seres humanos e, mais do que isso, os considere na sua dimensão organizada, social. Assim pensando, os seres humanos organizados socialmente são parte integrante e essencial do meio ambiente e dos processos naturais. Ao contrário do que muitas tendências teóricas admitem, ao encarar a sociedade como se esta estivesse em conflito com o ambiente.”
MARISTELA BERNARDO: “A busca de sustentabilidade, no caso, seria o mero reconhecimento de que é preciso refrear o estrago que esse núcleo duro do conceito (o ‘desenvolvimento’ ) tem provocado historicamente nas sociedades humanas e nos ecossistemas de todo o planeta. A primazia, contudo, permanece a mesma. As variáveis universalização da qualidade real de vida, direitos das futuras gerações, manejo ecológico dos recursos naturais, cidadania planetária, justiça etc. são entendidas não como desafios do campo dos valores, mas como problemas a serem mitigados, fundamentalmente a partir do universo das equações econômicas e tecnológicas. De uma segunda alternativa analítica deriva a possibilidade de entender ‘desenvolvimento sustentável’ como um conceito novo, estruturalmente diferente do velho ‘desenvolvimento’, pelo simples fato de que pertence a outra base de valores e compromissos. Ele parte da compreensão de que o atual modelo é em si mesmo insustentável, e não apenas do ponto de vista ambiental, mas por estar ética e socialmente superado como patamar civilizatório. Nessa leitura, até mesmo como construção de conceito ele poderia ser considerado inovador, porque se trata mais de uma federação de sentidos convergentes do que de uma definição nuclear.”
NEWTON PEREIRA: “A expressão deve ser compreendida como defensora de uma postura mais conservativa do que preservativa do ambiente, que é inerente ao homem, que, sem utilização do qual, não se realiza como ser humano (à la Kant). Mas essa interpretação que prefiro adotar não é unânime. Aqueles que colocam o princípio da precaução como centro de toda a atitude humana perante a natureza enxergam na expressão ‘desenvolvimento sustentável’ a bandeira do preservacionismo, sem o qual não seremos justos com as gerações futuras.”
TAMAS MAKRAY: “’Desenvolvimento sustentável’ é uma expressão infeliz. Na visão convencional, ainda adotada pela maioria dos economistas e governos, isso se traduz na manutenção de um crescimento econômico na casa dos 3% ao ano. Dessa forma, sustentabilidade implica manter o status quo. Não é isto que queremos quando estamos consumindo 125% da capacidade de regeneração do planeta. Se essas condições forem mantidas, será o colapso. Temos de nos corrigir e começar a falar de regeneração, restauração, recuperação, revitalização. Precisamos de um tipo de mudança que só uma criatividade radical pode realizar.”
VANDERLI CUSTÓDIO: “A expressão ‘desenvolvimento sustentável’ deve ser entendida como um absurdo lógico, uma abstração, uma falácia e, nesse sentido, o discurso ideológico mais competente produzido nas últimas duas décadas. Há Estados, capitalistas, organizações não governamentais, acadêmicos, comunidades remanescentes e mesmo ambientalistas sérios que acreditam piamente que seja possível um ‘desenvolvimento sustentável’ — não é. Desenvolvimento econômico no capitalismo significa constante aumento ampliado de lucros, concentração da riqueza nas mãos de poucos (privatização dos benefícios), socialização dos prejuízos e das externalidades negativas.”
JOSÉ ELI DA VEIGA: “A humanidade nunca se coloca questões que não possa tentar resolver. Foi a consciência coletiva sobre o possível e provável encurtamento da presença da própria espécie neste planeta que levou à formulação da expressão ‘desenvolvimento sustentável’, para se referir à esperança de que seja possível compatibilizar a expansão das liberdades humanas com a conservação dos ecossistemas que constituem sua base material.”
2) Na lista de metas da sociedade contemporânea, em que patamar de urgência o(a) senhor(a) situaria a busca da sustentabilidade? Há objetivos mais importantes nessa lista?
MARISTELA BERNARDO: “Não há nada mais urgente, se levarmos em conta que a busca da sustentabilidade é o conjunto integrado e inclusivo de valores e metas de civilização mais avançado construído pela sociedade contemporânea. Além da amplitude desse significado, há a emergência colocada pela aceleração da mudança climática global, cujo trato depende claramente de um equacionamento não apenas por meio de medidas de caráter ambiental, como a redução progressiva das emissões de gases de efeito estufa, mas pela via mais complexa da sustentabilidade, enquanto combinação de inúmeras variáveis.
Mas considero que tão urgente quanto enfrentar o desafio do aquecimento global é avançar na reforma das instituições e dos sistemas políticos global e nacionais, até porque esse é um setor crítico que trava e condiciona quaisquer metas de sustentabilidade.”
REGINA MEYER: “A resposta poderia ser dada a partir do destaque dado ao assunto pela mídia. Mas, se olharmos bem para as políticas públicas, vemos muito mais uma atitude de ‘apagar incêndio’, isto é, de agir após a ameaça, ou até mesmo de fato consumado, do que de um plano de transformação direta das causas da insustentabilidade.
Falar em ‘sociedade contemporânea’ não é suficiente, tendo em vista os diversos níveis de desenvolvimento em que ela se encontra. O ‘desenvolvimento sustentável’ é hoje uma faca de dois gumes para os países emergentes. Pois estão se desenvolvendo dentro de um padrão mais complexo e, em tese, mais caro. As regras ficaram mais complexas. Os países do Primeiro Mundo puderam usufruir de um período de menores exigências quanto à preservação de recursos naturais e uso inadequado de rios, terras rurais etc.
Os patamares de urgência são, portanto, muito distintos. A sustentabilidade deverá ser um acordo amplo, em escala mundial — global —, para que os países que ainda não tinham completado seu ciclo industrial possam organizar-se para a nova etapa. As prioridades sairão de acordos econômicos em escala global.”
JOSÉ ELI DA VEIGA: “Se o critério for a urgência, é claro que acabar com a miséria, os regimes autoritários e as guerras poderiam ser imediatamente citados como três objetivos mais importantes. Até porque seria simplesmente ridículo pensar em sustentabilidade diante da incapacidade de reprodução da própria espécie humana, de privação de suas liberdades, e da estupidez de seus morticínios. Mas também é importante notar que, em princípio, tudo isso está contido na noção de desenvolvimento, caso ela não seja rebaixada ou rejeitada porque confundida com o simples aumento da riqueza, ou crescimento econômico.
Ou seja, se o desenvolvimento for entendido como processo de expansão das liberdades humanas — na linha proposta por Amartya Sen —, então o desenvolvimento sustentável pode ser realmente considerado a primeira das prioridades. Basicamente porque procura enfatizar a necessidade de que a busca do bem-estar, da democracia e da paz seja combinada, em última instância, à necessidade de conservação de suas próprias bases materiais.”
3) A crise de insustentabilidade com a qual a humanidade se defronta exige uma profunda transformação de modelo dominante de civilização ou pode ser superada com inovações, adaptações e reformas pontuais?
JOSÉ ELI DA VEIGA: “Essa disjuntiva é falsa, pois qualquer profunda transformação do que muitos denominam “modelo dominante de civilização” só poderá ser obtida se for realmente possível inovar, adaptar e reformar. E, se tudo isso for conseguido, será inevitável constatar que a transformação foi realmente profunda. Por isso, não se trata de um dilemma do tipo ‘reforma ou revolução’, mas de uma estratégia reformista que, se bem executada, obrigatoriamente significará uma revolução.”
MARISTELA BERNARDO: “Deve-se levar em conta o grande impacto causado pela queda do Muro de Berlim na noção de revolução. Hoje, quando se fala em mudança estrutural profunda, não estamos mais diante de modelos alternativos fechados, propostos como soluções geniais para a humanidade. Não há mais uma estante na qual se escolhe uma receita de ‘revolução’.
Estamos diante de um desafio tremendo, que é promover a revolução não mais com base na exclusão e derrota do diferente, mas na formação de uma hegemonia política com base em alinhamento ético, no poder compartilhado, na negociação das diferenças, na fantástica ampliação da participação, na visibilidade dos interesses, na circulação de informações, ou seja, na recuperação do espaço público como lócus da mudança.
Nesse sentido, a revolução está acontecendo todo dia, em muitos lugares, e temos que mudar nossos olhos e mentalidades para conseguir enxergá-la e lutar para que passe à categoria de novos padrões e paradigmas. E não há dúvida de que a demanda por um desenvolvimento sustentável é, hoje, o que mais se aproxima de um grande paradigma de mudança, tanto no horizonte do possível quanto no horizonte da utopia.”
REGINA MEYER: “Embora tenha um forte componente cultural, penso que a questão dominante é o modelo produtivo. É claro que as inovações técnicas e tecnológicas são essenciais. A corrida ao etanol deixou claro o apelo da inovação. As reformas pontuais são sem dúvida muito importantes também. Embora a sustentabilidade tenda a ser sistêmica, há variações que precisam ser tratadas na sua especificidade.”
TAMAS MAKRAY: “Evidentemente exige uma profunda transformação do modelo materialista ocidental. Precisamos de uma outra visão do mundo. Já podemos perceber alguns sinais como consumo consciente, busca espiritual, expansão da consciência, presença do feminino e valorização das tradições orientais.”
NEWTON PEREIRA: “Não identifico nenhum sinal de que o modelo será transformado radicalmente. A preocupação com o meio ambiente será incorporada à medida que as inovações forem sendo disseminadas dos mais ricos aos mais pobres.”
VANDERLI CUSTÓDIO: “Questão equivocada! Quem plantou na nossa cabeça que é a primeira vez que uma civilização se defronta com uma crise de ‘insustentabilidade’? Mas o que é isso mesmo? Insustentabilidade para quem? Há muito ela existe para milhões de empobrecidos desta civilização, nem por isso se produziu um discurso ideológico tão competente em prol deles. Como a ‘insustentabilidade’ criada por aqueles poucos que muito ganharam ao produzi-la (privatização dos benefícios), a ponto de colocar em risco a integridade do Planeta, tem comprometido a acumulação de riqueza abstrata por causa desses poucos, convoca-se toda a humanidade (socialização dos prejuízos) para socorrê-los.”
4) A luta pela sustentabilidade deve se ater a questões diretamente relacionadas ao meio ambiente ou demanda o enfrentamento concomitante dos grandes problemas sociais, econômicos, políticos da atualidade?
NEWTON PEREIRA: “Trabalhar com o meio ambiente é pensar o longo prazo, já nos dizia Osvaldo Sunkel (economista chileno) em 1986. Na esteira desse prazo, as questões sociais são de fundamental importância. Essa dicotomia entre a concepção ecológica (ecossistêmica) e a ambientalista (socioeconômica) foi motivo dos maiores embates que antecederam Estocolmo, 1972, prevalecendo a ambientalista.”
SILVIA FIGUEIRÔA: “A busca da sustentabilidade só é viável com a universalização do acesso à educação, à cultura — no sentido amplo, que envolve informação e ‘alfabetização científica e tecnológica’ — e aos meios básicos de sobrevivência. O nível de prioridade dessas questões é 1. Não consigo vê-las separadamente.”
JOSÉ ELI DA VEIGA: “Esse é um equívoco muito freqüente, que resulta da banalização do termo ‘sustentabilidade’. O adjetivo “sustentável” só passou a ser irrevogavelmente aposto ao substantivo ‘desenvolvimento’ para enfatizar a necessidade de compatibilizar as principais aspirações da espécie humana com a necessidade de conservar os ecossistemas que viabilizam sua própria existência. Assim entendida, a luta pela sustentabilidade deve, sim, se ater especificamente a questões relacionadas ao meio ambiente, pois todos os problemas sociais, econômicos, e políticos, da atualidade, sempre estiveram (e permanecem) contidos no substantivo ‘desenvolvimento’.
Todavia, houve um processo de diluição do significado do adjetivo ‘sustentável’ e do substantivo ‘sustentabilidade’. E é isso que leva muita gente a enveredar por esse blablablá das ‘múltiplas sustentabilidades’, sem perceber que tal operação só serve para sabotar a necessidade de ênfase para a valorização cultural da natureza.”
5) Entre os agentes que podem tornar os sistemas econômicos e sociais mais sustentáveis — organizações internacionais, Estados, empresas, a sociedade civil organizada, o indivíduo… —, qual deve ser o principal protagonista do processo?
IGNACY SACHS: “A responsabilidade pela busca das soluções triplamente vencedoras (por abranger os aspectos ambiental, econômico e social) recai sobre todos os protagonistas do processo e supõe um processo de negociação quadripartite entre o Estado desenvolvimentista (enxuto, limpo e proativo), os trabalhadores, os empresários e a sociedade civil organizada com vista às parcerias público-privadas, geradoras de oportunidades de trabalho decente para todos e de universalização efetiva do conjunto dos direitos humanos (uma outra maneira de definir o desenvolvimento).”
NEWTON PEREIRA: “Não vejo como possam esses atores atuar individualmente. A problemática global exige novas formulações jurídicas, novas organizações, nova concepção de estado. As empresas não podem mais repassar à sociedade que demanda seus produtos o ônus ambiental, o mesmo acontecendo com o indivíduo. A máxima de que o bem-estar individual vai nos levar todos ao Paraíso já é contestada há bom tempo. Portanto, ou todos os protagonistas operam na mesma rota ou perderemos todos.”
REGINA MEYER: “Acho que existe uma prontidão da sociedade brasileira para as ações relacionadas à sustentabilidade de um ponto de vista um pouco superficial. Há empresas que fazem marketing da sustentabilidade de fachada. Mas é preciso explorar a situação positiva que se criou neste momento. Porém, para engrenar de verdade é preciso criar mais conteúdo para a atual boa disposição. A legislação é um elemento básico. Se a questão da sustentabilidade e a do desenvolvimento sustentável permanecerem como luta da sociedade civil e não como meta de gestão do poder público, as coisas se complicam e tornam-se muito ineficientes. Esgotaremos a questão em termos de ‘novidade midiática’. O assunto é muito complexo e extremamente suscetível a discursos demagógicos.”
JOSÉ ELI DA VEIGA: “O principal protagonista é o que se convencionou chamar de ‘opinião pública’, e que poderia ser simplesmente chamado de ‘público’. As empresas e os governos só mudam em determinada direção se essa for a resultante das pressões do público, ou da opinião pública. É necessário que ela se manifeste entre os cidadãos, tanto quando se comportam como consumidores, influenciando o comportamento das empresas, quanto quando se comportam como eleitores, influenciando o comportamento dos políticos e, portanto, dos governos. É sabido que Estados e organizações internacionais mais refletem do que determinam os comportamentos dos governos e das empresas. E não há dúvida de que alguns indivíduos podem ter papel pioneiro nisso tudo, pois são eles que, no fim das contas, formam o público, ou a ‘opinião pública’.
Em síntese, trata-se de um processo do tipo ‘cachorro que morde o próprio rabo’, pois os indivíduos não poderão mudar radicalmente seu comportamento se não houver mudança institucional nessa direção. E as mudanças institucionais, por sua vez, são muito mais dependentes de inércias sociais do que de inovações sociais. Daí a importância decisiva dos ativistas, sejam eles sindicais, partidários ou religiosos. Se tenderem mais para a inércia do que para a inovação, será difícil contar com um processo de transição ao desenvolvimento sustentável. Enquanto tais ativistas não se derem conta de que tudo passa prioritariamente pela educação científica, o desenvolvimento sustentável não deixará de ser mero sonho, mesmo que muito belo.”