O protesto é uma forma, há diversos meios de agir. É preciso cada brasileiro chamar a responsabilidade para si
Que os protestos recentes no país lembrem que precisamos ser menos tolerantes com o nosso “jeitinho” brasileiro. Aquele da máxima do “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”, com o desrespeito às leis básicas, o suborno ao guarda, o se dar bem acima de todas as coisas, o furar a fila, o andar pelo acostamento nas estradas, o “olha com quem está falando”, a desigualdade social, o preconceito de raça, religião e gênero, os acidentes de trânsito, o aviso pelas redes sociais de que a blitz da Lei Seca está na esquina.
O desamor ao próximo, o jogar o lixo no chão da rua, o analfabetismo, o caos nos aeroportos, os arrastões nos restaurantes, as obras mal-acabadas dos governos, as obras feitas de qualquer jeito por indivíduos negligentes, com prédios inteiros desabando.
A maquiagem eleitoral de todos os tipos, o estupro nas vans, o som alto depois das 10 da noite, a exploração do trabalho, a falta de educação, o favorecimento de familiares no preenchimento de cargos públicos, o descaso nos hospitais e o sucateamento das universidades.
A falta de apoio à ciência, o excesso de benefícios para os políticos em Brasília, o fechamento do comércio na favela por mandos e desmandos, o pular a roleta para não pagar, a sonegação de impostos, a carga demasiada de impostos, a não valorização dos idosos, as crianças fazendo malabarismo com a vida no semáforo em vez de frequentar a escola.
Que nos ajude a lembrar que Carnaval e futebol não devem valer mais que a nossa dignidade e qualidade de vida. Que políticos ficha-suja não podem frequentar o Congresso, nem as Assembleias Legislativas dos estados. Que fazemos parte de um Brasil onde boa parte dos nossos representantes costuma querer mais o bem dos seus bolsos do que o de seus representados.
Enquanto a população menos favorecida se vira do jeito que dá, a que tem mais condições financeiras é a mestre do pagar em dobro pela garantia dos direitos básicos. O plano de saúde, porque a situação geral dos hospitais públicos é difícil. A escola, porque o ensino da rede pública é de qualidade duvidosa. O segurança particular da rua, porque deseja uma proteção adicional. Um valor acima do que seria o preço normal do ingresso de cinema ou teatro – por ser extensa a fila dos sujeitos que mandam fazer uma carteirinha de estudante falsificada.
O novo Maracanã custou cerca de R$ 1 bilhão para atender às exigências da Fifa, uma organização com sede no outro lado do Atlântico, que vai estacionar por aqui sua “caravela” durante um mês e depois vai embora. Mais sorte, no entanto, tivemos em outro caso. Não fosse a ação da Justiça do Rio de Janeiro, o Parque Aquático Julio Delamare e o Estádio de Atletismo Célio de Barros teriam sido demolidos para dar lugar a um museu e um estacionamento. Detalhe: o Parque e o Estádio de Atletismo foram reformados ao custo de R$ 10 milhões para as competições do Pan 2007. Total falta de planejamento.
Os recentes protestos nos fazem pensar se o brasileiro terá abandonado de vez a letargia diante do que lhe diz respeito. Se depender de Pelé, não. Em vídeo veiculado na internet, o Rei do Futebol pede: “Vamos esquecer toda essa confusão que está acontecendo no Brasil, todas essas manifestações e vamos pensar que a Seleção Brasileira é o nosso país, é o nosso sangue”.
O futebol é o nosso país, o nosso sangue, mas uma parte deles. Somos a pátria em chuteiras, mas precisamos nos lembrar sempre de que somos a pátria dos títulos de eleitores, das vozes, do “a gente pode fazer melhor”, interferindo em nossos rumos. Quando uma partida do Corinthians reúne 2 mil pessoas, é considerada um fracasso de bilheteria. De outro modo, imagine reunir 2 mil pessoas diante de um hospital para protestar contra o atendimento subumano.
Terão as gerações das mídias sociais, do Bolsa Família, da ascensão da classe C e das start-ups cansado de ser apenas os festivos brasileiros, amantes do confete, da serpentina e das bundas de fora? Do gigante em berço esplêndido onde tudo acaba em pizza, do sempre foi esse pandemônio e sempre será? Do deixa acontecer, porque falar não surte efeito?
O protesto é uma forma, há diversos meios de agir. É preciso cada brasileiro chamar a responsabilidade para si. Mobilizações como as desses dias serão inúteis se não reavaliarmos nossos hábitos e vermos onde estamos errando, o que podemos aperfeiçoar. Que atitude podemos tomar para fazer deste um país mais sério, melhor e com maior respeito aos seus cidadãos. A revolução começa dentro de cada um de nós.
*EDUARDO SHOR É JORNALISTA
Leia as outras colunas dessa edição:
Ignacy Sachs em “Rumo à agricultura plurifuncional”
Roberto S. Waack em “Os contadores vão salvar o mundo?”
[:en]O protesto é uma forma, há diversos meios de agir. É preciso cada brasileiro chamar a responsabilidade para si
Que os protestos recentes no país lembrem que precisamos ser menos tolerantes com o nosso “jeitinho” brasileiro. Aquele da máxima do “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”, com o desrespeito às leis básicas, o suborno ao guarda, o se dar bem acima de todas as coisas, o furar a fila, o andar pelo acostamento nas estradas, o “olha com quem está falando”, a desigualdade social, o preconceito de raça, religião e gênero, os acidentes de trânsito, o aviso pelas redes sociais de que a blitz da Lei Seca está na esquina.
O desamor ao próximo, o jogar o lixo no chão da rua, o analfabetismo, o caos nos aeroportos, os arrastões nos restaurantes, as obras mal-acabadas dos governos, as obras feitas de qualquer jeito por indivíduos negligentes, com prédios inteiros desabando.
A maquiagem eleitoral de todos os tipos, o estupro nas vans, o som alto depois das 10 da noite, a exploração do trabalho, a falta de educação, o favorecimento de familiares no preenchimento de cargos públicos, o descaso nos hospitais e o sucateamento das universidades.
A falta de apoio à ciência, o excesso de benefícios para os políticos em Brasília, o fechamento do comércio na favela por mandos e desmandos, o pular a roleta para não pagar, a sonegação de impostos, a carga demasiada de impostos, a não valorização dos idosos, as crianças fazendo malabarismo com a vida no semáforo em vez de frequentar a escola.
Que nos ajude a lembrar que Carnaval e futebol não devem valer mais que a nossa dignidade e qualidade de vida. Que políticos ficha-suja não podem frequentar o Congresso, nem as Assembleias Legislativas dos estados. Que fazemos parte de um Brasil onde boa parte dos nossos representantes costuma querer mais o bem dos seus bolsos do que o de seus representados.
Enquanto a população menos favorecida se vira do jeito que dá, a que tem mais condições financeiras é a mestre do pagar em dobro pela garantia dos direitos básicos. O plano de saúde, porque a situação geral dos hospitais públicos é difícil. A escola, porque o ensino da rede pública é de qualidade duvidosa. O segurança particular da rua, porque deseja uma proteção adicional. Um valor acima do que seria o preço normal do ingresso de cinema ou teatro – por ser extensa a fila dos sujeitos que mandam fazer uma carteirinha de estudante falsificada.
O novo Maracanã custou cerca de R$ 1 bilhão para atender às exigências da Fifa, uma organização com sede no outro lado do Atlântico, que vai estacionar por aqui sua “caravela” durante um mês e depois vai embora. Mais sorte, no entanto, tivemos em outro caso. Não fosse a ação da Justiça do Rio de Janeiro, o Parque Aquático Julio Delamare e o Estádio de Atletismo Célio de Barros teriam sido demolidos para dar lugar a um museu e um estacionamento. Detalhe: o Parque e o Estádio de Atletismo foram reformados ao custo de R$ 10 milhões para as competições do Pan 2007. Total falta de planejamento.
Os recentes protestos nos fazem pensar se o brasileiro terá abandonado de vez a letargia diante do que lhe diz respeito. Se depender de Pelé, não. Em vídeo veiculado na internet, o Rei do Futebol pede: “Vamos esquecer toda essa confusão que está acontecendo no Brasil, todas essas manifestações e vamos pensar que a Seleção Brasileira é o nosso país, é o nosso sangue”.
O futebol é o nosso país, o nosso sangue, mas uma parte deles. Somos a pátria em chuteiras, mas precisamos nos lembrar sempre de que somos a pátria dos títulos de eleitores, das vozes, do “a gente pode fazer melhor”, interferindo em nossos rumos. Quando uma partida do Corinthians reúne 2 mil pessoas, é considerada um fracasso de bilheteria. De outro modo, imagine reunir 2 mil pessoas diante de um hospital para protestar contra o atendimento subumano.
Terão as gerações das mídias sociais, do Bolsa Família, da ascensão da classe C e das start-ups cansado de ser apenas os festivos brasileiros, amantes do confete, da serpentina e das bundas de fora? Do gigante em berço esplêndido onde tudo acaba em pizza, do sempre foi esse pandemônio e sempre será? Do deixa acontecer, porque falar não surte efeito?
O protesto é uma forma, há diversos meios de agir. É preciso cada brasileiro chamar a responsabilidade para si. Mobilizações como as desses dias serão inúteis se não reavaliarmos nossos hábitos e vermos onde estamos errando, o que podemos aperfeiçoar. Que atitude podemos tomar para fazer deste um país mais sério, melhor e com maior respeito aos seus cidadãos. A revolução começa dentro de cada um de nós.
*EDUARDO SHOR É JORNALISTA
Leia as outras colunas dessa edição:
Ignacy Sachs em “Rumo à agricultura plurifuncional”
Roberto S. Waack em “Os contadores vão salvar o mundo?”