Imagine o seguinte cenário: um evento com 45 mil participantes dispostos a provar que a contracultura não morreu, reunidos por três dias numa floresta, em meio a áreas preservadas e sítios arqueológicos. Esta é a Oregon Country Fair, um dos maiores festivais hippies dos Estados Unidos, organizada anualmente desde 1969 perto de Eugene, no estado do Oregon. A última edição, que acabou domingo, somou 350 estandes de artesanato e alimentação e 12 palcos distribuídos numa área de 110 hectares. Será que é possível reunir uma multidão dessas sem deixar para trás uma pilha de resíduos e uma pegada de carbono estratosférica?
A feira, um modelo de engenhosidade ecológica, prova, ano após ano, que dá para realizar um mega evento sem abusar dos recursos naturais. Nesse paraíso dos não-conformistas, vale quase tudo: peito de fora, pai de família de cinta-liga, gente vestida de unicórnio ou urso de pelúcia, demônio andando com pernas de pau (veja o vídeo promocional ao lado para pegar o jeitão da coisa). Mas a eficiência da organização contrasta com essa cacofonia humana. Os 2 mil voluntários trabalham afinadíssimos, a atmosfera é tão pacífica que parece sedada e as iniciativas com cunho ambiental são muitas e eficientes.
Vale a pena detalhar as soluções que a organização, não-governamental, encontrou para minimizar os resíduos, o consumo energético e os impactos sobre os ecossistemas locais.
- Desde 2000, os organizadores anunciaram que começariam a trabalhar para que o evento tivesse geração zero de resíduos. Ainda não chegaram lá, mas já deram um chapéu nos talheres descartáveis e ampliaram o volume enviado para compostagem, feita no próprio local. Disponibilizaram cerca de 150 mil garfos e colheres metálicos, que são utilizados ano após ano. Adotaram modelos compostáveis de pratos e tigelas, embora a meta final seja a adoção de opções reutilizáveis. Também foi criada uma área para depósito de madeira descartada, que é reaproveitada sempre que possível dentro do próprio evento. Além disso, funcionários e voluntários percorrem as estradas da região para recolher entulho algumas vezes por ano.
- A política de transportes do evento privilegia o uso de ônibus públicos para o translado gratuito desde cidades próximas. A organização também colaborou com a prefeitura de Eugene para que o município adotasse veículos a biodiesel. Isso tudo reduziu a pegada de carbono do evento em aproximadamente 7% e diminuiu a presença de automóveis nas redondezas (há um número impressionante de bicicletas paradas no estacionamento).
- A feira ocupa uma floresta e um banhado à beira do rio Willamette, que são refúgios de vida silvestre. A área também inclui sítios arqueológicos associados à cultura dos índios Kalauya. Por isso, a organização participa de alguns projetos de conservação e recebe arqueólogos e pesquisadores envolvidos na manutenção de um banco de sementes de espécies nativas e na realização de inventários de flores silvestres e aves. Também há uma área de produção de alimentos orgânicos para alimentar o time de voluntários, reduzir custos e diminuir as milhas percorridas pelos alimentos.
- No que toca à racionalização do consumo de energia e a adoção de fontes renováveis, os organizadores estão instalando painéis fotovoltaicos, com a meta futura de vender os excedentes de geração nos meses de preparação do evento, quando o equipamento é sub-aproveitado. Além disso, durante os três dias da festa, algumas empresas cedem geradores fotovoltaicos temporários. Toda a energia adquirida da rede vem de energia eólica (a empresa paga um extra por esta possibilidade) – opção adotada tão logo surgiu no mercado, anos atrás. O evento também tem duas áreas destinadas a demonstrar tais tecnologias e a educar os visitantes sobre energias alternativas. Por fim, os organizações estabeleceram uma política para redução da pegada de carbono que passa pela busca de fornecedores locais (ou regionais e estaduais, se preciso), evitando que as matérias-primas e o biodiesel consumido pelos veículos e tratores venham de muito longe.
A Oregon Country Fair é uma maratona de porralouquismo que vale a pena presenciar pelo menos uma vez na vida. Pelo exemplo de organização e baixo impacto e, claro, pela farra.[:en]
Imagine o seguinte cenário: um evento com 45 mil participantes dispostos a provar que a contracultura não morreu, reunidos por três dias numa floresta, em meio a áreas preservadas e sítios arqueológicos. Esta é a Oregon Country Fair, um dos maiores festivais hippies dos Estados Unidos, organizada anualmente desde 1969 perto de Eugene, no estado do Oregon. A última edição, que acabou domingo, somou 350 estandes de artesanato e alimentação e 12 palcos distribuídos numa área de 110 hectares. Será que é possível reunir uma multidão dessas sem deixar para trás uma pilha de resíduos e uma pegada de carbono estratosférica?
A feira, um modelo de engenhosidade ecológica, prova, ano após ano, que dá para realizar um mega evento sem abusar dos recursos naturais. Nesse paraíso dos não-conformistas, vale quase tudo: peito de fora, pai de família de cinta-liga, gente vestida de unicórnio ou urso de pelúcia, demônio andando com pernas de pau (veja o vídeo promocional ao lado para pegar o jeitão da coisa). Mas a eficiência da organização contrasta com essa cacofonia humana. Os 2 mil voluntários trabalham afinadíssimos, a atmosfera é tão pacífica que parece sedada e as iniciativas com cunho ambiental são muitas e eficientes.
Vale a pena detalhar as soluções que a organização, não-governamental, encontrou para minimizar os resíduos, o consumo energético e os impactos sobre os ecossistemas locais.
- Desde 2000, os organizadores anunciaram que começariam a trabalhar para que o evento tivesse geração zero de resíduos. Ainda não chegaram lá, mas já deram um chapéu nos talheres descartáveis e ampliaram o volume enviado para compostagem, feita no próprio local. Disponibilizaram cerca de 150 mil garfos e colheres metálicos, que são utilizados ano após ano. Adotaram modelos compostáveis de pratos e tigelas, embora a meta final seja a adoção de opções reutilizáveis. Também foi criada uma área para depósito de madeira descartada, que é reaproveitada sempre que possível dentro do próprio evento. Além disso, funcionários e voluntários percorrem as estradas da região para recolher entulho algumas vezes por ano.
- A política de transportes do evento privilegia o uso de ônibus públicos para o translado gratuito desde cidades próximas. A organização também colaborou com a prefeitura de Eugene para que o município adotasse veículos a biodiesel. Isso tudo reduziu a pegada de carbono do evento em aproximadamente 7% e diminuiu a presença de automóveis nas redondezas (há um número impressionante de bicicletas paradas no estacionamento).
- A feira ocupa uma floresta e um banhado à beira do rio Willamette, que são refúgios de vida silvestre. A área também inclui sítios arqueológicos associados à cultura dos índios Kalauya. Por isso, a organização participa de alguns projetos de conservação e recebe arqueólogos e pesquisadores envolvidos na manutenção de um banco de sementes de espécies nativas e na realização de inventários de flores silvestres e aves. Também há uma área de produção de alimentos orgânicos para alimentar o time de voluntários, reduzir custos e diminuir as milhas percorridas pelos alimentos.
- No que toca à racionalização do consumo de energia e a adoção de fontes renováveis, os organizadores estão instalando painéis fotovoltaicos, com a meta futura de vender os excedentes de geração nos meses de preparação do evento, quando o equipamento é sub-aproveitado. Além disso, durante os três dias da festa, algumas empresas cedem geradores fotovoltaicos temporários. Toda a energia adquirida da rede vem de energia eólica (a empresa paga um extra por esta possibilidade) – opção adotada tão logo surgiu no mercado, anos atrás. O evento também tem duas áreas destinadas a demonstrar tais tecnologias e a educar os visitantes sobre energias alternativas. Por fim, os organizações estabeleceram uma política para redução da pegada de carbono que passa pela busca de fornecedores locais (ou regionais e estaduais, se preciso), evitando que as matérias-primas e o biodiesel consumido pelos veículos e tratores venham de muito longe.
A Oregon Country Fair é uma maratona de porralouquismo que vale a pena presenciar pelo menos uma vez na vida. Pelo exemplo de organização e baixo impacto e, claro, pela farra.