Governo anuncia, enfim, operação para proteger território de índios nômades, quase desconhecidos e ameaçados por madeireiros. Para que iniciativa saia do papel, sociedade precisa pressionar
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, prometeu neste domingo (4/8): ainda neste semestre, segundo ele, o Estado brasileiro desencadeará operação conjunta para proteger os Awás-Guajás e seu território, no que resta do Floresta Amazônica no Maranhão. Ramo da etnia tupi, foram perseguidos intensamente, a partir do século 18. São quase desconhecidos pelos demais brasileiros. Estão reduzidos a cerca de 400 indivíduos – alguns dos quais isolados, sem contato algum com ocidentais. Ocupam um território de 116 mil hectares, um pouco menor que o município de São Paulo. São cada vez mais pressionados por madeireiros que destroem a selva, atacam os índios, transmitem doenças e já resistiram, a bala, a tentativas anteriores de desocupação pelo Estado.
Povo quase dizimado, os Awá-Guajá não dominam o português, a agricultura e mal conhecem o valor do dinheiro. Vivem exclusivamente da floresta – como caçadores e coletores de frutas e mel. O fotógrafo Sebastião Salgado acaba de publicar uma série de fotos que fez com eles, com quem viveu por três semanas. Praticamente abandonados pelo Estado, foram considerados a “tribo mais ameaçada do mundo”, pela organização International Survival, que luta pela proteção de grupos indígenas isolados.
Atualmente, os Awás, juntamente com as etnias Ka’apor e Tembé, ocupam três áreas no Maranhão: a Terra Indígena Alto Turiaçu, a Terra Indígena Awá e a Terra Indígena Carú, formando um mosaico. Seu território, a Reserva Biológica do Gurupi, foi demarcada ainda em 1961, no governo Jânio Quadros – mas nunca protegido. A pressão dos madeireiros ilegais cresce, a ponto de terem emboscado Polícia Federal e Força Nacional, ano passado. Além disso, os índios são afetados pela Estrada de Ferro Carajás (EFC), e pelo Programa Grande Carajás. Implantado nos anos 80, ele dividiu a Reserva do Gurupi e atraiu os invasores.
Os awás sentem os impactos do desenvolvimento. O silêncio na mata é fundamental para caçar, mas, por conta das motosserras e da ferrovia, os animais fogem e o que se escuta é o som da destruição. As aldeias mais próximas da via-férrea estão na Terra Indígena Caru e são as aldeias Awá e Tiracambú, distantes cerca de 1,1 km e 1,7 km, respectivamente.
O futuro – Os Awá são considerados pela Funai um grupo de “contato recente”, o que sugere ser um coletivo que viva dentro de uma TI (Terra Indígena), cuja língua e modos de vida estão bastante ativos. Por isso, necessitam de auxílio e atenção especiais. A falta de uma política específica para este povo, leva a crer que grupos isolados, tão logo contatados, sejam também entregues à própria sorte, tal como estão as comunidades de contato recente.
Estimativas apontam que, pelo menos, de 30% a 40% da reserva dos Awá esteja destruída pelo desmatamento. Entretanto, é impossível calcular a real dimensão do desmatamento, já que diversas espécies de árvores nobres são derrubadas no sistema “seletivo”, quando a floresta parece intocada, porém, as árvores previamente selecionadas são retiradas. Além dos madeireiros e empresários, os Awá convivem hoje com outras ameaças, como os posseiros e os fazendeiros.
Recentemente o Exército desembarcou na região com 700 homens, numa operação com o Ibama, para reprimir o ataque à floresta e a produção de maconha em terras indígenas, reascendendo a esperança. O que encontraram foram abundantes provas do crime de desmatamento.
Segundo o ministo da Justiça, a “desintrusão” – retirada dos não-índios do território – já está desenhada. Denomina-se “Operação Awá” e será executada em breve. Participarão Polícia Federal, Força Nacional, Funai e Incra. Camponeses que vivem na área há décadas, sem envolvimento com a mineração, serão encaminhados a assentamentos de reforma agrária.
Será suficiente? As décadas de descaso estatal, numa área de tamanho relativamente reduzido, permitem duvidar. Mas haverá diversas formas de acompanhar o assunto e pressionar o Estado brasileiro, nos próximos meses. Uma forma, ainda que singela, de agir desde já, é assinar, no site da Survival International, uma carta endereçada ao ministro da Justiça. Outras Palavras acompanhará o tema.
Violência contra índios – O número de casos de “violência contra a pessoa” (ameaças de morte, homicídios, tentativas de assassinato, racismo, lesões corporal e violência sexual), que têm como alvo indígenas aumentou 237% em 2012, em relação ao ano anterior. Os dados foram publicados no “Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil”, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Diariamente índios são vítimas de discriminação, preconceito e marginalização. Sofrem todo tipo de violência, não bastasse o genocídio ocorrido há séculos. Por meio de constantes tentaivas de mudanças na Constituição Federal, como é o caso das PECs 215, 038, 237, do PL 1610 (mineração) e das portarias 303 e 308, seus direito são também violados por quem tem o dever de protegê-los, o Estado brasileiro.
*Texto originalmente publicado no site Outras Palavras, sob a licença Creative Commons