Enquanto o saneamento básico é um direito negado a metade da população brasileira, inovações mostram as vantagens econômicas, sociais e ambientais de aproveitar efluentes tratados para gerar energia
É um dos pétreos direitos humanos ter acesso ao que se convencionou chamar de “saneamento básico”. Por isso, nada pode ser mais escandaloso e revoltante do que constatar que, em setembro de 2013, tal direito continua a ser negado à metade da população brasileira.
As principais vítimas são evidentemente as pessoas que morrem em razão da falta de redes coletoras de esgoto, em sua grande maioria meninos de 1 a 6 anos. Claro, também os natimortos e suas mães, pois contato com esgoto aberto aumenta drasticamente o risco de que a gravidez não culmine em bebê vivo. E ainda existe um imensurável número de outras vítimas invisíveis, pois mesmo os que conseguem sobreviver a infecções parasitárias na infância podem ter a inteligência seriamente impactada.
Como o cérebro é o órgão do corpo humano que mais consome energia – 87% no recém-nascido, 44% aos 5 anos, 34% aos 10 –, as infecções parasitárias desviam energia para ativar o sistema imunológico. Repetidas diarreias infantis roubam do cérebro as calorias necessárias a seu desenvolvimento, podendo comprometer a inteligência por toda a vida, adverte o doutor Drauzio Varella.
Será que teria sido necessário saber mais do que isso para que o saneamento tivesse total prioridade em qualquer dos últimos governos? Infelizmente parece que não, pois é catastrófico o passo de tartaruga com que vem ocorrendo a expansão das redes coletoras de esgoto. Inclusive nos tão festejados dez anos petistas, durante os quais supostamente tudo estaria sendo feito para melhorar as condições de vida do sub proletariado. Em vez disso, com o ritmo atual arrisca-se entrar no século XXII sem que seja universalizado no Brasil o acesso a tão básico direito humano.
É imprescindível, portanto, que esse tema esteja no centro dos debates eleitorais de 2014. Para que no próximo mandato, tanto a Presidência da República quanto a maioria dos parlamentares fiquem inteiramente comprometidas, ou se sintam constrangidas, a maximizar a expansão das redes coletoras com suas respectivas estações de tratamento.
Se argumentos baseados em direitos humanos, saúde e qualidade ambiental não forem suficientes para que muitos dos candidatos sejam convencidos de que essa questão deve ocupar o topo da pauta, talvez seja necessário, então, informá-los sobre seus imensos benefícios econômicos, quase todos muito bem esmiuçados, desde 2010, no sexto relatório da série de estudos que a FGV realizou para o Instituto Trata Brasil.
Mas também é preciso ressaltar uma inovação que em poucos anos deverá abrir outra imensa janela de oportunidades: aproveitamento de efluentes tratados para a geração sustentável de energia: principalmente biocombustíveis, mas também bioeletricidade.
Microalgas são campeãs em transformar dióxido de carbono em oxigênio, o que permite o desenvolvimento de bactérias que degradam matéria orgânica em sistema que pode simultaneamente purificar a água e evitar emissões de gases estufa. Em seguida, as microalgas, assim como uma parte da matéria orgânica restante, podem ser conduzidas a digestores capazes de produzir biogás com muito metano e ainda dois subprodutos fertilizantes: composto e líquido.
Por enquanto são raros os projetos-piloto que conjugam saneamento e geração de energia pelo cultivo de microalgas. No Brasil só há experiências com vinhoto e outros resíduos agropecuários. Mas já podem ser citadas duas iniciativas francesas – o projeto Symbiose, da Naskeo Environnement, em Narbonne, e o projeto Compagnie du Vent, da GDF Suez, em Gruissan –, assim como uma espanhola, com o projeto tocado pela empresa All-Gas no município balneário de Chiclana de la Frontera, vizinho a Cádiz.
Os resultados de tão parcas experiências ainda não garantem a viabilidade econômica da tecnologia, mas tudo indica que em dez anos ela já será competitiva. Talvez até antes, caso venham a se intensificar os atuais movimentos de opinião pública contrários a agrocombustíveis de milho e de outros
gêneros alimentares básicos.
Então, além de colocar a universalização do saneamento básico no topo da agenda política do Brasil para as próximas décadas, também será imprescindível já vinculá-la a investimentos em pesquisa tecnológica direcionada à obtenção de biometano por cultivo de microalgas em estações de tratamento (mais no post “Biocombustível de esgoto”).
Dar prioridade para essa dobradinha certamente será uma das propostas que em breve a Rede Sustentabilidade submeterá ao eleitorado, caso não venha a ser perversamente impedida de participar da disputa de 2014.
*José Eli da Veiga é Professor dos programas de Pós-Graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP e do Instituto de Pesquisa Ecológicas (IPÊ) é autor de A desgovernança Mundial da Sustentabilidade (ED. 34: 2013) www.zeeli.pro.br
Leia mais:
“Minha origem é uma terra distante. Tão distante que não está no Google, de modo que não estando no Google possivelmente deixa de estar em parte alguma”, por Eduardo Shor em “Médico Estrangeiro“
[:en]Enquanto o saneamento básico é um direito negado a metade da população brasileira, inovações mostram as vantagens econômicas, sociais e ambientais de aproveitar efluentes tratados para gerar energia
É um dos pétreos direitos humanos ter acesso ao que se convencionou chamar de “saneamento básico”. Por isso, nada pode ser mais escandaloso e revoltante do que constatar que, em setembro de 2013, tal direito continua a ser negado à metade da população brasileira.
As principais vítimas são evidentemente as pessoas que morrem em razão da falta de redes coletoras de esgoto, em sua grande maioria meninos de 1 a 6 anos. Claro, também os natimortos e suas mães, pois contato com esgoto aberto aumenta drasticamente o risco de que a gravidez não culmine em bebê vivo. E ainda existe um imensurável número de outras vítimas invisíveis, pois mesmo os que conseguem sobreviver a infecções parasitárias na infância podem ter a inteligência seriamente impactada.
Como o cérebro é o órgão do corpo humano que mais consome energia – 87% no recém-nascido, 44% aos 5 anos, 34% aos 10 –, as infecções parasitárias desviam energia para ativar o sistema imunológico. Repetidas diarreias infantis roubam do cérebro as calorias necessárias a seu desenvolvimento, podendo comprometer a inteligência por toda a vida, adverte o doutor Drauzio Varella.
Será que teria sido necessário saber mais do que isso para que o saneamento tivesse total prioridade em qualquer dos últimos governos? Infelizmente parece que não, pois é catastrófico o passo de tartaruga com que vem ocorrendo a expansão das redes coletoras de esgoto. Inclusive nos tão festejados dez anos petistas, durante os quais supostamente tudo estaria sendo feito para melhorar as condições de vida do sub proletariado. Em vez disso, com o ritmo atual arrisca-se entrar no século XXII sem que seja universalizado no Brasil o acesso a tão básico direito humano.
É imprescindível, portanto, que esse tema esteja no centro dos debates eleitorais de 2014. Para que no próximo mandato, tanto a Presidência da República quanto a maioria dos parlamentares fiquem inteiramente comprometidas, ou se sintam constrangidas, a maximizar a expansão das redes coletoras com suas respectivas estações de tratamento.
Se argumentos baseados em direitos humanos, saúde e qualidade ambiental não forem suficientes para que muitos dos candidatos sejam convencidos de que essa questão deve ocupar o topo da pauta, talvez seja necessário, então, informá-los sobre seus imensos benefícios econômicos, quase todos muito bem esmiuçados, desde 2010, no sexto relatório da série de estudos que a FGV realizou para o Instituto Trata Brasil.
Mas também é preciso ressaltar uma inovação que em poucos anos deverá abrir outra imensa janela de oportunidades: aproveitamento de efluentes tratados para a geração sustentável de energia: principalmente biocombustíveis, mas também bioeletricidade.
Microalgas são campeãs em transformar dióxido de carbono em oxigênio, o que permite o desenvolvimento de bactérias que degradam matéria orgânica em sistema que pode simultaneamente purificar a água e evitar emissões de gases estufa. Em seguida, as microalgas, assim como uma parte da matéria orgânica restante, podem ser conduzidas a digestores capazes de produzir biogás com muito metano e ainda dois subprodutos fertilizantes: composto e líquido.
Por enquanto são raros os projetos-piloto que conjugam saneamento e geração de energia pelo cultivo de microalgas. No Brasil só há experiências com vinhoto e outros resíduos agropecuários. Mas já podem ser citadas duas iniciativas francesas – o projeto Symbiose, da Naskeo Environnement, em Narbonne, e o projeto Compagnie du Vent, da GDF Suez, em Gruissan –, assim como uma espanhola, com o projeto tocado pela empresa All-Gas no município balneário de Chiclana de la Frontera, vizinho a Cádiz.
Os resultados de tão parcas experiências ainda não garantem a viabilidade econômica da tecnologia, mas tudo indica que em dez anos ela já será competitiva. Talvez até antes, caso venham a se intensificar os atuais movimentos de opinião pública contrários a agrocombustíveis de milho e de outros
gêneros alimentares básicos.
Então, além de colocar a universalização do saneamento básico no topo da agenda política do Brasil para as próximas décadas, também será imprescindível já vinculá-la a investimentos em pesquisa tecnológica direcionada à obtenção de biometano por cultivo de microalgas em estações de tratamento (mais no post “Biocombustível de esgoto”).
Dar prioridade para essa dobradinha certamente será uma das propostas que em breve a Rede Sustentabilidade submeterá ao eleitorado, caso não venha a ser perversamente impedida de participar da disputa de 2014.
*José Eli da Veiga é Professor dos programas de Pós-Graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP e do Instituto de Pesquisa Ecológicas (IPÊ) é autor de A desgovernança Mundial da Sustentabilidade (ED. 34: 2013) www.zeeli.pro.br
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“Minha origem é uma terra distante. Tão distante que não está no Google, de modo que não estando no Google possivelmente deixa de estar em parte alguma”, por Eduardo Shor em “Médico Estrangeiro“