Cruzar o oceano rumo a outras civilizações mudou a fisionomia do mundo para sempre. Descobrimos as potencialidades econômicas do mar e passamos a explorar esse novo mundo de maneira predatória e inclemente. O reflexo é visto principalmente por quem enxerga além da superfície. Cada qual a seu modo, os três personagens desta seção mostram como o mar se fundiu – e confundiu-se – com sua história de vida.
Do alto de seus quase 90 anos, o almirante Ibsen de Gusmão Câmara (retrato acima) participou ativamente do movimento ambientalista no Brasil na época em que os ativistas “cabiam numa Kombi”, nas palavras do ambientalista Paulo Nogueira Neto. Integrante da Marinha até os anos 1980, cruzou os céus do País em bimotores, testemunhando uma vasta ocorrência de áreas verdes que não encontramos mais. No fim da década de 1960, mudou-se para a Amazônia a serviço da Marinha, onde permaneceu por dois anos patrulhando os rios. Teve participação decisiva em campanhas de proteção a espécies ameaçadas e atuou nos bastidores do Congresso pela criação de reservas ambientais. Os ecossistemas marinhos sempre tiveram atenção especial do almirante, que se envolveu na proibição da caça às baleias, no Projeto Baleia Franca, na criação dos parques de Abrolhos, Fernando de Noronha e da reserva do Atol das Rocas.
“Considero a situação dos oceanos catastrófica. A pesca é exercida de maneira devastadora, temos um mínimo de áreas protegidas no mar. Cerca de 80% dos peixes que usamos para alimentação e exportação ou estão no limite ou em processo de degradação. O País assumiu o compromisso de preservar 20% de sua área marítima, mas hoje estamos apenas em 1,57%. É preciso uma legislação melhor sobre esse assunto, estabelecendo áreas protegidas ou nas quais a pesca seja proibida”, avalia o almirante.
A fotógrafa Luciana Whitaker viveu oito anos no ponto mais setentrional do continente americano, na vila de Barrow, no Alasca, onde o oceano permanece congelado nove meses por ano. Participou de cerimônias de caça à baleia na primavera, tradição ancestral dos Iñupiat, uma etnia dos esquimós, em pequenos barcos feitos de madeira e pele de foca. A carne é apenas para subsistência, distribuída entre os participantes da caçada.
Luciana, que atualmente mora no Rio, vai ao Alasca uma vez por ano e se tornou uma espécie de fotógrafa oficial da caça à baleia, registrando o processo cultural para corporações esquimós. “Quando comecei a sair com os caçadores, o gelo era enorme, havia fiordes. Hoje é fininho. Neste ano, pela primeira vez o mar não abriu, o gelo não quebrou. Com isso, eles foram caçar quase no verão, no fim da primavera, quando o gelo já estava super instável, e só conseguiram duas baleias. Os caçadores já começam a achar que os filhos mais novos não vão conseguir caçar baleias na primavera da mesma forma que eles ainda fazem hoje.”
Há alguns anos, foi chamada a fotografar um cemitério antigo que aflorou na praia. “Esta área, extremo norte do continente americano, está sendo engolida cerca de 30 metros por ano. O solo é composto por terra e gelo. Com o passar dos anos a gente vê que o solo está menos congelado e a água escorre para o mar.”
Em Barrow, Luciana conheceu o marido, Kelly, com quem teve um casal de filhos, hoje com 16 e 13 anos. O menino quer ser biólogo. A menina, que na foto aparece ainda bebê, ama os animais e é vegetariana, como a mãe. A fotógrafa cuidou também de uma pequena esquimó, filha de Kelly, quando ele ficou viúvo. “É minha filha, a gente tem esse vínculo e sempre terá.”
Conhecer o oceano é conhecer a si próprio. Assim o aquaman Henrique Pistilli define sua relação com o mar. Mergulhador, atleta de bodysurf, de water pólo e de canoagem havaiana, é também consultor para o desenvolvimento de organizações. Por meio da escola Kaha Nalu (bodysurf em havaiano), ministra cursos para adolescentes a partir da metáfora de aprender a surfar “a onda da vida”. “No ambiente líquido você não tem onde se segurar. Precisa confiar em si mesmo, esperar a onda certa, ter coragem e ir com tudo.”
O contato com o mar em diferentes lugares do mundo despertou Henrique para o impacto do homem nesse meio: “É como se toda a espécie que está dentro do oceano fosse um órgão, cada um com seu papel. Qualquer coisa que você coloca ali dentro impacta – pet, plástico, tampinha de garrafa. Fui três vezes para uma ilha da Indonésia super afastada, com 50 habitantes, no meio do nada. E lá, embaixo d’água, dava pra ver esse plástico chegando. Parece que não tem escapatória, os lugares mais remotos já estão impactados”.
Para Henrique, o homem é o próprio oceano: “A gente é a extensão, viemos desse lugar. Ficamos nove meses boiando na barriga da mãe, e o oceano é uma grande mãe, que pode dar alimento, refrescar, aliviar o estresse, mas também pode te dar uma sacudida quando necessário. Um caldo pode ser uma porrada ou uma massagem, mas a relação é sempre de troca”, diz.[:en]Cruzar o oceano rumo a outras civilizações mudou a fisionomia do mundo para sempre. Descobrimos as potencialidades econômicas do mar e passamos a explorar esse novo mundo de maneira predatória e inclemente. O reflexo é visto principalmente por quem enxerga além da superfície. Cada qual a seu modo, os três personagens desta seção mostram como o mar se fundiu – e confundiu-se – com sua história de vida.
Do alto de seus quase 90 anos, o almirante Ibsen de Gusmão Câmara (retrato acima) participou ativamente do movimento ambientalista no Brasil na época em que os ativistas “cabiam numa Kombi”, nas palavras do ambientalista Paulo Nogueira Neto. Integrante da Marinha até os anos 1980, cruzou os céus do País em bimotores, testemunhando uma vasta ocorrência de áreas verdes que não encontramos mais. No fim da década de 1960, mudou-se para a Amazônia a serviço da Marinha, onde permaneceu por dois anos patrulhando os rios. Teve participação decisiva em campanhas de proteção a espécies ameaçadas e atuou nos bastidores do Congresso pela criação de reservas ambientais. Os ecossistemas marinhos sempre tiveram atenção especial do almirante, que se envolveu na proibição da caça às baleias, no Projeto Baleia Franca, na criação dos parques de Abrolhos, Fernando de Noronha e da reserva do Atol das Rocas.
“Considero a situação dos oceanos catastrófica. A pesca é exercida de maneira devastadora, temos um mínimo de áreas protegidas no mar. Cerca de 80% dos peixes que usamos para alimentação e exportação ou estão no limite ou em processo de degradação. O País assumiu o compromisso de preservar 20% de sua área marítima, mas hoje estamos apenas em 1,57%. É preciso uma legislação melhor sobre esse assunto, estabelecendo áreas protegidas ou nas quais a pesca seja proibida”, avalia o almirante.
A fotógrafa Luciana Whitaker viveu oito anos no ponto mais setentrional do continente americano, na vila de Barrow, no Alasca, onde o oceano permanece congelado nove meses por ano. Participou de cerimônias de caça à baleia na primavera, tradição ancestral dos Iñupiat, uma etnia dos esquimós, em pequenos barcos feitos de madeira e pele de foca. A carne é apenas para subsistência, distribuída entre os participantes da caçada.
Luciana, que atualmente mora no Rio, vai ao Alasca uma vez por ano e se tornou uma espécie de fotógrafa oficial da caça à baleia, registrando o processo cultural para corporações esquimós. “Quando comecei a sair com os caçadores, o gelo era enorme, havia fiordes. Hoje é fininho. Neste ano, pela primeira vez o mar não abriu, o gelo não quebrou. Com isso, eles foram caçar quase no verão, no fim da primavera, quando o gelo já estava super instável, e só conseguiram duas baleias. Os caçadores já começam a achar que os filhos mais novos não vão conseguir caçar baleias na primavera da mesma forma que eles ainda fazem hoje.”
Há alguns anos, foi chamada a fotografar um cemitério antigo que aflorou na praia. “Esta área, extremo norte do continente americano, está sendo engolida cerca de 30 metros por ano. O solo é composto por terra e gelo. Com o passar dos anos a gente vê que o solo está menos congelado e a água escorre para o mar.”
Em Barrow, Luciana conheceu o marido, Kelly, com quem teve um casal de filhos, hoje com 16 e 13 anos. O menino quer ser biólogo. A menina, que na foto aparece ainda bebê, ama os animais e é vegetariana, como a mãe. A fotógrafa cuidou também de uma pequena esquimó, filha de Kelly, quando ele ficou viúvo. “É minha filha, a gente tem esse vínculo e sempre terá.”
Conhecer o oceano é conhecer a si próprio. Assim o aquaman Henrique Pistilli define sua relação com o mar. Mergulhador, atleta de bodysurf, de water pólo e de canoagem havaiana, é também consultor para o desenvolvimento de organizações. Por meio da escola Kaha Nalu (bodysurf em havaiano), ministra cursos para adolescentes a partir da metáfora de aprender a surfar “a onda da vida”. “No ambiente líquido você não tem onde se segurar. Precisa confiar em si mesmo, esperar a onda certa, ter coragem e ir com tudo.”
O contato com o mar em diferentes lugares do mundo despertou Henrique para o impacto do homem nesse meio: “É como se toda a espécie que está dentro do oceano fosse um órgão, cada um com seu papel. Qualquer coisa que você coloca ali dentro impacta – pet, plástico, tampinha de garrafa. Fui três vezes para uma ilha da Indonésia super afastada, com 50 habitantes, no meio do nada. E lá, embaixo d’água, dava pra ver esse plástico chegando. Parece que não tem escapatória, os lugares mais remotos já estão impactados”.
Para Henrique, o homem é o próprio oceano: “A gente é a extensão, viemos desse lugar. Ficamos nove meses boiando na barriga da mãe, e o oceano é uma grande mãe, que pode dar alimento, refrescar, aliviar o estresse, mas também pode te dar uma sacudida quando necessário. Um caldo pode ser uma porrada ou uma massagem, mas a relação é sempre de troca”, diz.