Paulo Gaudencio, médico e psiquiatra que há 40 anos fazia um programa na televisão com jovens, fala sobre as diferenças entre as juventudes e famílias dos anos 1960 e até hoje.
“Baseado em minha experiência clínica de mais de 45 anos, constatei que as pessoas reagem de forma diferente às crises. Alguns caminham com a ideia, outros se mantêm estruturadas. Quem caminha com a ideia eu chamo de jovem, sem critério de idade. Tenho 79 anos e me considero muito jovem, estou desestruturando tudo para reestruturar. Quem é estruturado eu chamo de velho, também sem critério de idade. Conheço tantos velhos de 30 anos que já chegaram à verdade final e não têm mais dúvidas, não querem mudar nada no seu relacionamento afetivo, na profissão.”
O texto acima foi escrito por Paulo Gaudencio, médico psiquiatra, em sua página do Facebook em 2 de outubro. Aproveitando o ensejo da reportagem “Telefone sem fio”, fomos entrevistá-lo para saber mais sobre as relações intergeracionais e a juventude sem idade.
Atualmente, Gaudencio atende e uma clínica em Pinheiros, na cidade de São Paulo. Quarenta e quatro anos atrás, no entanto, atendia todo o Brasil. Ele foi apresentador do programa “Jovem Urgente” da TV Cultura. Era uma espécie de terapia em grupo em que jovens presentes na plateia discutiam suas preocupações do momento. Gaudencio ficava em uma cadeira giratória bem no meio do palco circular.
Foram temas as liberdades femininas, relações familiares, religião e até desenvolvimento sexual. Esse último desagradou o governo militar que o tirou do ar alegando que se tratava de um programa sobre sexualidade, como conta o ex-apresentador em seu blog.
O contato próximo com a juventude permitiu que Gaudencio desenvolvesse um olhar crítico sobre as mudanças que aconteceram desde aqueles tempos. A família e sociedade dos anos 1960 eram diferentes desse início de século XXI. Em entrevista a PÁGINA22, ele se lembra que, naquela época, as mulheres ainda tinham como função a educação dos filhos e o cuidado com a casa. Aos poucos, o cenário se transformou e, hoje, devido à maior liberdade para elas e à entrada maciça no mercado de trabalho, os homens também mudaram seu papel da família.
“Agora, os homens têm mais interesse pelos filhos. Como a mulher também trabalha fora, não é mais a única responsável pela educação deles”, diz. O resultado disso, para ele, foi uma possibilidade de pais e filhos mais próximos. “Quando eu era criança, a relação com pai e mãe era muito hierárquica e distante”, lembra
Para o médico psiquiatra, essa possibilidade de abertura não isenta os conflitos de diálogo entre quem nasceu e viveu em épocas diferentes. Ele acredita que os pais até tentam entender seus filhos, mas no fundo, bem no fundo, muitas vezes continuam com as mesmas ideias. “A psicologia oriental fala muito sobre a necessidade de mudar as ideias no coração, mais do que na cabeça. Por isso, acho que as gerações mais velhas não conseguem mudar muito”, reflete.
Gaudencio, no entanto, não é de todo pessimista. Retomando seu texto do Facebook, explica mais sobre o que é “ser jovem” em sua opinião. “Jovem é aquele que está sempre buscando uma verdade final, sem parar. Quando a gente chega a um ponto, as ‘verdades do mundo’ caminham, mudam. E o jovem também caminha e se renova”.
Parte da juventude que Gaudencio tem dentro de si fez com que ele mantivesse seu site, blog e Facebook ativos. Como não tem afinidade com os sistemas de publicação e com o computador, escreve tudo no papel para que a secretária transcreva. “E peço sempre a ajuda do filho da vizinha para consertar minha internet”, diz entre risos.
Sobre como os jovens deveriam se comportar sobre as gerações mais maduras, é enfático: “Os mais velhos têm sabedorias e experiências que são exatamente o que os jovens devem querer alcançar”.