Companhias descobrem aos poucos as vantagens da cultura colaborativa para o desenvolvimento de soluções
Primeiro foram os movimentos sociais e agora, são as empresas que aproveitam a linguagem das redes para inovar. O especialista em comunicação para a sustentabilidade Ernesto Van Peborgh revela, em entrevista à Página22, que gigantes como Telefónica e Unilever já usam a colaboração para criar produtos e processos diferenciados. Em seu livro Redes – O Despertar da Consciência Planetária, lançado em outubro, Ernesto reforça a importância das ferramentas digitais para conectar os agentes de transformação a serviço da sustentabilidade.
“Quando olhamos as redes sociais, normalmente vemos somente a interação das pessoas, mas existe a possibilidade de criar um reservatório de conhecimento. Dentro das empresas, é muito mais fácil colocar as pessoas em rede e há uma demanda por inovação”, esclarece Ernesto. Ele aponta essas redes sociais como ferramentas para transformar a estrutura do conhecimento – até então hierarquizada – e assim criar as tecnologias que ajudarão a solucionar os problemas cada vez mais complexos enfrentados pela humanidade.
Uma iniciativa pioneira é a francesa Eyeka, uma rede social global voltada para a cocriação de produtos inovadores com o patrocínio de grandes empresas. A cocriação envolve atores externos – consumidores ou outras organizações –, na criação de produtos ou processos de inovação.
A Eyeka liga sua plataforma, de mais de 250 mil pessoas, a companhias que desejam gerar inovação e engajamento fora dos seus domínios. François Petavy, CEO da Eyeka, afirma à reportagem que o interesse das empresas na criação colaborativa tem crescido: “Muitas (empresas) perceberam que, de fato, não se pode criar tudo apenas com seus próprios colaboradores. É necessário abrir as portas para outras instituições e para os próprios consumidores”.
CONHECIMENTO HORIZONTAL
Segundo o professor da Universidade de Chicago, Ronald Burt, as pessoas que têm as melhores ideias são aquelas que funcionam como pontes entre as diferentes áreas de uma organização. Em empresas, os colaboradores que mantêm conexões diversas conseguem acessar o conhecimento até então restrito a grupos fechados e coloca-los à disposição do todo.
Pessoas de vários lugares do mundo conectam informações e ideias na internet e fora dela, formando um conhecimento totalmente novo, de maior alcance. Com as ferramentas digitais, os usuários conseguem criar e reinventar conteúdos em diversos formatos, tomando a função que antes pertencia apenas aos autores. Em Redes, Ernesto defende que a internet não só criou as ferramentas de “coletivização” do conhecimento, mas também ajudou a disseminar uma nova lógica de organização, em que os indivíduos são interdependentes. Na rede, todos estão conectados em diversos níveis e podem ser participantes ativos.
A lógica da interdependência já foi apropriada pelos movimentos sociais no século XXI, como aborda o sociólogo espanhol Manuel Castells. O mundo empresarial, por sua vez, ainda está descobrindo as vantagens do conhecimento coletivo. As redes sociais conectam os colaboradores e os estimulam a trocar ideias entre diferentes áreas. Assim, se forma a cultura colaborativa nas empresas, que já vem sendo adotada como método de trabalho.
Para empresas que buscam inovação, o uso de redes sociais é estratégico, pois permite o alcance de diversos públicos e de um conhecimento até então distante. A Unilever, por exemplo, está promovendo um concurso na plataforma Eyeka que vai premiar o melhor projeto de chuveiro com gasto mínimo de água e energia. Os participantes que enviaram ideias são, em sua maioria, estudantes, designers e arquitetos que têm pouco contato com a indústria. François ressalta que o tempo de desenvolvimento de um projeto diminui pela metade quando é colaborativo, o que implica redução de custos para as companhias.
A geração colaborativa de conhecimento pode surgir também dentro das próprias empresas. A consultoria A Viagem de Odiseo, presidida por Ernesto, desenvolveu uma plataforma que conecta os 13 mil colaboradores da Telefónica Argentina. Em 2011, a Movistar, divisão de telefonia móvel da empresa, convocou os funcionários conectados à plataforma para ajudar no mapeamento de lugares que precisariam receber antenas. Em seis meses, foram identificados 121 locais, sem nenhum gasto adicional de mão de obra.
COLABORAÇÃO E SUSTENTABILIDADE
Se a linguagem colaborativa funciona na lógica da internet, a linguagem da sustentabilidade também segue esse fluxo. Assim como nas redes sociais todos os indivíduos se conectam, todos os habitantes do planeta estão conectados pelo domínio comum dos recursos naturais, sociais e econômicos. O uso racional desses recursos depende, entre outros fatores, da colaboração. As empresas são ecossistemas que exemplificam bem essa interdependência entre indivíduos. Por isso é importante quebrar a lógica da hierarquia para criar soluções de sustentabilidade dentro delas.
Em Redes – O Despertar da Consciência Planetária, Ernesto ressalta que os efeitos da degradação do planeta aceleram em velocidade exponencial e, por isso, apenas um “despertar de consciência” poderia revertê-los a tempo. Nesse sentido, a colaboração acelera o desenvolvimento dessas soluções tão urgentes. Para ele, as condições para criar um ambiente de inovação nas empresas estão diretamente conectadas à sustentabilidade das mesmas: “Uma organização que é horizontal, colaborativa e transparente tende a ser sustentável”.
Já François aponta que as empresas que abrem as portas para a colaboração acionam o gatilho da transformação e reforçam seu papel social estratégico. “Tanto cocriação quanto ações de sustentabilidade ajudam a tornar as empresas mais eficientes e úteis, e assim elas se abrem cada vez mais para mudanças.” Ele cita o caso de uma empresa de bebidas que convocou um concurso de design de garrafas de água mineral e acabou recebendo várias sugestões de consumidores para que seu novo desenho permitisse o reuso. “As pessoas respeitam marcas que são úteis e, se forem bem envolvidas, vão desejar ajudá-las a ser ainda mais importantes”, completa.