Os efeitos das mudanças climáticas podem trazer as fazendas para bem mais perto. Talvez para o arranha-céu ao lado
P ara alguns, elas serão a salvação da lavoura quando as mudanças climáticas tornarem inviável a prática da agricultura como a conhecemos hoje. Para outros, são apenas jardins suspensos que, como os da Babilônia, poderão ficar apenas na imaginação. As fazendas verticais ainda não existem, mas povoam centenas de projetos de arquitetos e designers – como o da arquiteta Laurie Chetwood para uma versão habitada da Ponte de Londres que ganhou o primeiro prêmio em uma competição.
A ideia, defendida com unhas e dentes desde 1999 por Dickson Despommier, professor da Universidade Columbia, de Nova York, é erigir biossistemas autossuficientes na forma de edifícios para produzir, em plena cidade, frutas e verduras o ano todo: arranhacéus agrícolas. A menina dos olhos de Despommier é o projeto de uma fazenda de 30 andares, ocupando um quarteirão inteiro, capaz de alimentar 50 mil pessoas, cujo custo de construção ele estima em centenas de milhões de dólares.
No plano do professor, os andares superiores seriam dedicados a culturas hidropônicas ou aeropônicas, enquanto nos inferiores haveria criação de galinhas e peixes – ambos consumidores dos restos produzidos andares acima e produtores de nitrogênio e nutrientes. Outra fonte de nutrientes, sonha Despommier, seria o esgoto urbano, cujo tratamento e uso fecharia o ciclo urbano, transformando rejeitos humanos em alimento para as plantas. Todo esse sistema – dependente de muita luz para o crescimento das plantas – seria movido a energias renováveis, inclusive a gerada in loco à base de metano da compostagem. E ajudaria a encarar o desafio para produzir alimentos para uma população mundial estimada em 9 bilhões de pessoas em 2050 – a maior parte concentrada nas cidades – sem causar uma catástrofe ambiental.
A fazenda vertical traz algumas respostas, ao acelerar a tendência ao “localismo” e eliminar a necessidade de transporte de alimentos produzidos em regiões longínquas dos centros consumidores, ao reduzir a pegada ecológica da agricultura, diminuindo a quantidade de água, terra e fertilizantes empregados, e ao proteger as safras das intempéries climáticas. Mas o próprio Despommier e outros cientistas admitem que, para radicalmente verticalizar as fazendas, ainda são necessárias inovações cruciais pelo menos em iluminação, controle climático e tratamento de rejeitos.
Outro ponto, levantado por opositores da ideia, é o fato de que as fazendas verticais disputariam valioso espaço urbano com, por exemplo, edifícios de apartamentos e de escritórios. “Terra é um dos insumos primários para a agricultura e é por isso que não esperamos ver milho crescendo em Manhattan”, escreveu Adam Stein, cofundador da TerraPass, empresa americana que comercializa offsets voluntários de carbono. “Espaços como esses devem ser reservados para as pessoas, transporte e entretenimento de massa, e negócios que dependem primeiramente do capital humano.” Para Stein, o custo de construir e manter uma fazenda na vertical em cidades como Nova York – e São Paulo – é proibitivo e a ideia se equipara ao etanol de milho: “Em vez de uma solução significativa, parece um remendo rápido, atraente, mas cosmético, que na realidade só tornará o problema pior”. O mesmo foi dito à exaustão sobre a venda de offsets voluntários de carbono, mas hoje tais instrumentos são vistos como complemento às políticas de mitigação de emissões de CO2 e amplamente utilizados.
É provável que este seja o destino das fazendas verticais, nem salvação da lavoura nem lenda de jardim suspenso – os da Babilônia, uma das Sete Maravilhas do mundo antigo, nunca tiveram a existência comprovada e podem ter sido apenas criação de poetas –, mas um elemento em uma rede complexa de soluções. Aplicações não faltam e começam a se tornar realidade: uma fazenda vertical produz, desde agosto, vegetais e ervas para os animais do Paignton Zoo Environmental Park, em Devon, na Inglaterra. Segundo a fabricante, a canadense Valcent, o sistema tornará o zoológico autossuficiente na produção de vegetais, com uma economia de até 100 mil libras esterlinas ao ano. Estufas high tech, embora não verticais, são empregadas em locais onde a falta d’água impede a agricultura tradicional. E, em Nova York, a empresa BrightFarms comercializa sistemas de “agricultura em ambientes controlados”, que vão do telhado à fachada dos edifícios, fazendo uso de recursos existentes, da água da chuva ao sistema de aquecimento ou de refrigeração. Talvez nunca cheguemos a ver a fazenda verticalizada dos sonhos de Despommier, mas por que não edifícios verdejantes?[:en]Os efeitos das mudanças climáticas podem trazer as fazendas para bem mais perto. Talvez para o arranha-céu ao lado
P ara alguns, elas serão a salvação da lavoura quando as mudanças climáticas tornarem inviável a prática da agricultura como a conhecemos hoje. Para outros, são apenas jardins suspensos que, como os da Babilônia, poderão ficar apenas na imaginação. As fazendas verticais ainda não existem, mas povoam centenas de projetos de arquitetos e designers – como o da arquiteta Laurie Chetwood para uma versão habitada da Ponte de Londres que ganhou o primeiro prêmio em uma competição.
A ideia, defendida com unhas e dentes desde 1999 por Dickson Despommier, professor da Universidade Columbia, de Nova York, é erigir biossistemas autossuficientes na forma de edifícios para produzir, em plena cidade, frutas e verduras o ano todo: arranhacéus agrícolas. A menina dos olhos de Despommier é o projeto de uma fazenda de 30 andares, ocupando um quarteirão inteiro, capaz de alimentar 50 mil pessoas, cujo custo de construção ele estima em centenas de milhões de dólares.
No plano do professor, os andares superiores seriam dedicados a culturas hidropônicas ou aeropônicas, enquanto nos inferiores haveria criação de galinhas e peixes – ambos consumidores dos restos produzidos andares acima e produtores de nitrogênio e nutrientes. Outra fonte de nutrientes, sonha Despommier, seria o esgoto urbano, cujo tratamento e uso fecharia o ciclo urbano, transformando rejeitos humanos em alimento para as plantas. Todo esse sistema – dependente de muita luz para o crescimento das plantas – seria movido a energias renováveis, inclusive a gerada in loco à base de metano da compostagem. E ajudaria a encarar o desafio para produzir alimentos para uma população mundial estimada em 9 bilhões de pessoas em 2050 – a maior parte concentrada nas cidades – sem causar uma catástrofe ambiental.
A fazenda vertical traz algumas respostas, ao acelerar a tendência ao “localismo” e eliminar a necessidade de transporte de alimentos produzidos em regiões longínquas dos centros consumidores, ao reduzir a pegada ecológica da agricultura, diminuindo a quantidade de água, terra e fertilizantes empregados, e ao proteger as safras das intempéries climáticas. Mas o próprio Despommier e outros cientistas admitem que, para radicalmente verticalizar as fazendas, ainda são necessárias inovações cruciais pelo menos em iluminação, controle climático e tratamento de rejeitos.
Outro ponto, levantado por opositores da ideia, é o fato de que as fazendas verticais disputariam valioso espaço urbano com, por exemplo, edifícios de apartamentos e de escritórios. “Terra é um dos insumos primários para a agricultura e é por isso que não esperamos ver milho crescendo em Manhattan”, escreveu Adam Stein, cofundador da TerraPass, empresa americana que comercializa offsets voluntários de carbono. “Espaços como esses devem ser reservados para as pessoas, transporte e entretenimento de massa, e negócios que dependem primeiramente do capital humano.” Para Stein, o custo de construir e manter uma fazenda na vertical em cidades como Nova York – e São Paulo – é proibitivo e a ideia se equipara ao etanol de milho: “Em vez de uma solução significativa, parece um remendo rápido, atraente, mas cosmético, que na realidade só tornará o problema pior”. O mesmo foi dito à exaustão sobre a venda de offsets voluntários de carbono, mas hoje tais instrumentos são vistos como complemento às políticas de mitigação de emissões de CO2 e amplamente utilizados.
É provável que este seja o destino das fazendas verticais, nem salvação da lavoura nem lenda de jardim suspenso – os da Babilônia, uma das Sete Maravilhas do mundo antigo, nunca tiveram a existência comprovada e podem ter sido apenas criação de poetas –, mas um elemento em uma rede complexa de soluções. Aplicações não faltam e começam a se tornar realidade: uma fazenda vertical produz, desde agosto, vegetais e ervas para os animais do Paignton Zoo Environmental Park, em Devon, na Inglaterra. Segundo a fabricante, a canadense Valcent, o sistema tornará o zoológico autossuficiente na produção de vegetais, com uma economia de até 100 mil libras esterlinas ao ano. Estufas high tech, embora não verticais, são empregadas em locais onde a falta d’água impede a agricultura tradicional. E, em Nova York, a empresa BrightFarms comercializa sistemas de “agricultura em ambientes controlados”, que vão do telhado à fachada dos edifícios, fazendo uso de recursos existentes, da água da chuva ao sistema de aquecimento ou de refrigeração. Talvez nunca cheguemos a ver a fazenda verticalizada dos sonhos de Despommier, mas por que não edifícios verdejantes?