Assassinatos de ativistas ambientais pelo mundo denunciados por relatório mostram a estreita ligação entre a responsabilidade empresarial e a proteção a direitos humanos
Ativistas ambientais agem nos “bastidores” para defender o que há de mais precioso para seus povos: as riquezas naturais. Muitas vezes solitários, alguns têm suas vozes caladas de maneira brutal e, quase sempre, impune. Novecentos e cinco defensores do meio ambiente e do direito à terra foram assassinados pelo mundo entre 2002 e 2013, segundo o relatório Deadly Environment, da ONG Global Witness.
Entre os países reportados, o Brasil se encontra na dianteira do ranking, concentrando mais da metade dos casos. Outros locais com alta incidência desses crimes são Honduras, Filipinas, Peru e Colômbia – são nações em desenvolvimento com crescente exploração dos recursos naturais, como o Brasil.
Em entrevista concedida por e-mail, a assessora de comunicação da Global Witness Alice Harrison ajuda a tecer a relação indissolúvel dessas mortes com as falhas dos Estados, dos organismos internacionais e até das empresas. Ela reforça a responsabilidade das companhias, principalmente aquelas baseadas em países desenvolvidos, para com os conflitos ligados à terra e à proteção ambiental. “Empresas têm uma responsabilidade real de se certificar de que não provocam estes assassinatos e outras violências relacionadas à disputa por recursos naturais.”
Em sua opinião, a mobilização internacional pode fazer diferença para diminuir a impunidade das violações de direitos a ativistas ambientais. Confira a entrevista completa:
Quais foram os critérios para contabilizar os casos de assassinato que o relatório levantou?
Um ativista ambiental pode ser definido, em geral, como qualquer pessoa que atue pacificamente pela proteção de direitos ambientais, seja de forma autônoma ou como profissional pago por esse trabalho. São defensores de direitos humanos e, como tanto, têm direito às proteções previstas pela declaração da ONU sobre o tema. Os casos que incluímos em nossas estatísticas foram retirados de fontes de informação confiáveis, públicas e acessíveis. Por exemplo, quando o nome da vítima, localidade e circunstância da morte estivessem especificados. Dentro do possível, verificamos os dados publicados com grupos locais. (No Brasil, por exemplo, os dados foram contabilizados pela Comissão Pastoral da Terra.)
Em que campos os governos falham na proteção às vidas dos ativistas?
Como é possível observar no relatório, os principais setores são florestas, mineração e propriedades rurais. Nas Filipinas, por exemplo, muitas questões ambientais são causadoras de violência e a maioria dos casos aparece conectada à mineração. Lá, esse setor é importante, porém, não é bem regulado e os negócios geralmente são feitos de forma confidencial.
O que Brasil, Filipinas e Honduras têm em comum, além das altas posições no ranking?
Em todos eles a propriedade rural está bastante concentrada em pequenas, mas poderosas, elites com fortes conexões políticas e empresariais, levando-as a conflitos com os povos que vivem e dependem da terra. Altos índices de corrupção, estado de direito fraco e impunidade generalizada completam o problema.
O alto índice de assassinatos reportado também pode ser atribuído ao monitoramento do problema nestas partes do mundo, graças ao trabalho de movimentos da sociedade civil fortalecidos que acompanham e denunciam estas questões.
O que os países desenvolvidos têm feito para garantir a defesa dos direitos humanos de ativistas ao redor do mundo?
As ações não estão nem próximas do que é necessário. Entretanto há ótimos trabalhos sendo realizados em contextos específicos, por exemplo, pela Coalizão Católica pela Terra no Brasil, que nos ajudou muito com a coleta de dados.
Mas a questão não está sendo tratada de forma sistemática pela comunidade internacional. Isso aumenta a propensão à violência e torna a proteção ambiental ainda mais difícil.
É necessária uma abordagem mais aproximada por parte dos governos, da sociedade civil e de organismos internacionais como a ONU para monitorar e combater essa crise como uma tendência mundial. É preciso monitorar e relatar o problema e cobrar dos governos suas responsabilidades quando falham no dever de proteger os cidadãos.
Estamos apelando à ONU para que aprove uma resolução do Conselho de Direitos Humanos que aborde especificamente esta ameaça crescente que se coloca diante dos defensores do meio ambiente e do direito à terra.
Empresas de países desenvolvidos também têm uma responsabilidade real de se certificar de que não provocam esses assassinatos e outras violências relacionadas à disputa por recursos naturais. Muitos negócios estão sendo feitos a portas fechadas, sem o consentimento de quem vive nessas terras – e o relatório mostra que essas atitudes têm consequências verdadeiramente desastrosas. Empresas não deveriam operar em áreas militarizadas ou dar continuidade a um negócio enquanto não fosse provado o consentimento de quem vive na área impactada.
Com base nas informações disponíveis, muitas vezes é difícil identificar o envolvimento de empresas específicas ou agentes públicos, mas a maioria dos casos está ligada a disputas sobre direitos de propriedade da terra, com o frequente envolvimento das indústrias madeireira, de mineração e o agribusiness. As empresas também deveriam fazer a checagem rigorosa de suas cadeias de valor para ter certeza de que suas aquisições não estão fomentando a violência. Da mesma forma que deveriam se juntar e aderir aos Princípios Norteadores sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU.
A pressão internacional ajuda a reduzir a impunidade dos assassinatos relatados?
Dois casos demonstram a força da ação internacional:
Caso Adolfo Ich Chaman, na Guatemala
Membros da população indígena maia Q’eqchi ‘de El Estor entraram com três ações judiciais contra a mineradora canadense HudBay Minerals sobre o brutal assassinato do ativista Adolfo Ich, o estupro coletivo de 11 mulheres da comunidade e o disparo que paralisou o cidadão German Chub. Os abusos teriam sido cometidos por agentes de segurança do antigo projeto de mineração da HudBay naquele país. Segundo publicado no site Choc versus HudBay, Carole Brown, membro da Corte Superior de Justiça de Ontário, acolheu as reivindicações dos treze maias guatemaltecos para que os crimes fossem a julgamento em tribunais canadenses.
Caso Jose Doton, nas Filipinas:
Em 16 de maio de 2006, o filipino Jose Doton foi morto com um tiro pelo soldado reformado Joel Flores. Doton era presidente da Timmawa, uma rede local que se opunha ativamente ao controverso projeto da Barragem Multiuso de San Roque. Seu irmão também ficou gravemente ferido no ataque. Dois anos depois, Flores foi condenado a 41 anos de prisão pelo assassinato, mas um cúmplice continuava foragido.
Um resultado interessante deste caso é contado pela Aliança dos Povos da Cordilheira: “Em nível internacional, vários grupos têm mostrado preocupação em relação às execuções extrajudiciais nas Filipinas. Wayawaya (liberdade, em português), um grupo de defensores dos direitos humanos para as Filipinas com sede no Japão, ajudou a trazer a atenção internacional para o caso. Graças ao trabalho da Wayawaya, a Anistia Internacional, a Amigos da Terra no Japão e a campanha local aqui, o governo japonês e o Banco do Japão para Cooperação Internacional (JBIC) fizeram da resolução do caso Doton uma pré-condição para a liberação do restante da Ajuda Oficial ao Desenvolvimento da Barrragem Multiuso de San Roque para o governo filipino”.