Às vésperas das eleições presidenciais, é notória a lacuna nos programas de governo dos candidatos em relação à sustentabilidade. No entanto, especialmente no caso brasileiro, a reflexão sobre a relação entre a sustentabilidade e a política deveria permear o debate, tanto na esfera federal, como na estadual e na municipal. Inserido em um continente com os maiores índices de biodiversidade do planeta e, ao mesmo tempo, alguns dos maiores indicadores de desigualdade social do mundo, o Brasil é uma democracia recente e em construção.
Ao demonstrar a necessidade de utilizar recursos naturais e o patrimônio sociocultural de forma planejada, e com vistas ao bem-estar das gerações atual e futuras, assim como ao equilíbrio ambiental global, a jovem democracia brasileira estaria ensinando uma boa lição a outras nações.
Infelizmente, não é o que se vê nas preocupações dos candidatos. Mas não porque a sustentabilidade não possa ser associada à política. O conceito de sustentabilidade comporta várias dimensões, tornando-se transversal e abrangendo todas as dimensões da vida humana, e não apenas as relações diretas com a natureza.
A idéia de sustentabilidade pode ser fortemente associada a outras três dimensões sociais consagradas no pensamento político do século XX: democracia, eqüidade e eficiência.
Em uma sociedade democrática, o governo é escolhido em eleições livres e competitivas e regras escritas na forma de lei regulam efetivamente as relações sociais. Além disso, os direitos individuais têm correlatos nos deveres coletivos, e esses têm predomínio sobre os individuais.
Em uma sociedade eqüitativa, todos os indivíduos – independente de gênero, origem social, etnia, idade, credo e ideologia – têm as mesmas oportunidades para se desenvolver. O que se herda tem importância mínima, em contraposição ao que se adquire.
Por fim, as dimensões fundamentais de uma sociedade eficiente são a avaliação custo-benefício na tomada de decisões, uma equilibrada combinação de competição e cooperação nas regras do jogo e a promoção contínua do desenvolvimento científico-tecnológico.
Uma sociedade sustentável é aquela que mantém o estoque de capital natural, ou compensa uma reduzida depleção natural pelo aprimoramento do capital tecnológico, permitindo o desenvolvimento das gerações futuras e colocando o interesse coletivo acima de todos os outros.
Em uma sociedade sustentável, o progresso é medido pela qualidade de vida – saúde, longevidade, maturidade psicológica, educação, ambiente limpo, espírito comunitário e lazer criativo que, espera-se, sejam acessíveis a todos -, em vez do puro consumo material.
É preciso lembrar que tanto os padrões de consumo da pobreza como os da riqueza, juntos, contribuem para a deterioração da capacidade de suporte do planeta. No entanto, a força propulsora dominante do esgotamento dos recursos naturais situa-se no padrão de consumo dos países altamente industrializados e detentores de alta tecnologia.
Conseqüentemente, a atenção deve ser deslocada da questão tecnológica como solução da escassez absoluta – que se refere ao esgotamento propriamente dito do estoque de recursos – para uma abordagem política e sociológica como forma de enfrentar a escassez relativa – quando padrões insustentáveis de produção e consumo atuam como fatores determinantes do esgotamento.
É um erro enxergar a finitude dos recursos, e sua conseqüente escassez e esgotamento, como parte de uma relação linear de causalidade, em que a variável determinante é o quantum tecnológico da sociedade. O otimismo tecnológico é bastante elevado na corrente que segue o padrão da fraca sustentabilidade – em que a substituição absoluta do capital natural pelo capital material é feita por meio da tecnologia, que absorve a totalidade dos recursos oriundos do crescimento econômico.
Já no padrão da forte sustentabilidade, as duas formas de capital não são substituíveis e o crescimento econômico, portanto, depende da manutenção constante do estoque de capital natural. Ou seja, é preciso manter as bases físicas da natureza inalteradas por intermédio de instrumentos políticos.
É possível, portanto, transcender a dimensão puramente ambiental da sustentabilidade, e envolver parâmetros políticos que dizem respeito às normas e critérios sociais para apropriação do capital natural.
De outro lado, a questão da sustentabilidade tem, graças a sua especificidade interdisciplinar, o mérito de apresentar ao pensamento político alguns “problemas” de ordem conceitual, no mínimo, instigantes. É preciso reconhecer as várias formas de conhecimento e as práticas que as sustentam para incorporá-las em uma relação horizontal, não-relativista, argumentativa.
A sustentabilidade constitui uma posição especial para este tipo de reflexão: é uma análise que se constrói temporalmente, que recusa o império da fragmentação e dispersão, que não substitui sem mais os objetos de reflexão política consagrados, mas coloca-se em um outro campo epistemológico – o da contemporaneidade radical dos acontecimentos.
*Leila da Costa Ferreira é professora titular do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Unicamp e preside a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade.