A inovação tecnológica baseada na biodiversidade microbiana pode ser um dos pilares que levarão a atividade agrícola mundial a um novo patamar de desenvolvimento
Por Fernando Dini Andreote*
A agricultura é uma das atividades mais primitivas da humanidade, e um dos motivos do fim do nomadismo extrativista. Ao desenvolver a capacidade de cultivar seus próprios alimentos, o homem foi capaz de se estabelecer em determinado local e, a partir daí, criar sistemas sociais mais complexos. Com isso, a agricultura tem passado pela intensa necessidade de inovação. Por meio de técnicas como seleção de plantas e tecnificação do uso do solo, pôde sustentar o aumento na densidade populacional.
Essa mesma agricultura, no entanto, é uma das maiores causas de impactos ambientais, como a remoção da paisagem natural e a geração de resíduos. Forma-se nesse ponto um binômio de grande importância para o futuro da agricultura. Qual a possibilidade de novamente inovar, elevando a produção de alimentos com uma diminuição do impacto ambiental? Somos capazes de mudar conceitos incrustados na história agrícola, dando a essa atividade um novo patamar de sustentabilidade?
A agricultura moderna se desenvolveu com base na homogeneização das áreas cultivadas, partindo do princípio antropocêntrico de que os campos de cultivo devem se assemelhar a um processo industrial (produtos uniformes e condições controladas). Menor importância foi dada à inter-relação do produto com os demais componentes do meio de produção (bióticos e abióticos). Ao nos depararmos com esses outros componentes, buscamos soluções simplistas, moldadas para modificar cada um desses fatores separadamente.
A “re-inovação” na agricultura deve ter como base uma visão holística, integrando o conceito de biodiversidade, conhecidamente importante no desenvolvimento de sistemas estáveis, como em áreas naturais. Sob a égide de maior biodiversidade, sabemos que a proliferação de organismos indesejados é extremamente menor e que as plantas nesses ambientes se nutrem eficientemente (devido à ciclagem), mesmo com uma baixa disponibilidade de nutrientes no solo.
Esse tipo de inovação é desafiador na agricultura de alto rendimento. Mas já é aplicado na recuperação de áreas degradadas, por exemplo, nos sistemas de integração entre a silvicultura, a lavoura e a pecuária.
Podemos integrar nesse conceito a utilização de componentes da biodiversidade que são ainda pouco explorados, representados por microrganismos que colonizam os solos agrícolas e as plantas cultivadas. Menos de 1% dos microrganismos tem potencial de causar doenças a animais e plantas [1], restando, portanto, uma vasta maioria capaz de estabelecer interações benéficas com seus hospedeiros, ou realizar processos importantes no ambiente em que se encontram.
[1] Melo, IS; Azevedo, JL. Microbiologia Ambiental, 2ª Ed., 647 p. Editora Embrapa. Jaguariúna, SP.
O uso desse recurso biológico na agricultura é ainda limitado a uma pequena fração dessa potencialidade, como a utilização de bactérias fixadoras de nitrogênio associadas a leguminosas, a promoção da colonização de plantas por micorrizas e o controle de pragas pela atividade de fungos e vírus patógenos. Existem outros milhares, prontos para serem utilizados no desenvolvimento de uma inovação agrícola.
Sabe-se que a integração dos recursos microbiológicos com o ambiente e a planta se estabelece em sua plenitude quando a biodiversidade microbiana é ampla. Por exemplo, as plantas recrutam organismos do solo para auxiliarem em seu desenvolvimento, em um processo resultante de longa história coevolutiva e apenas eficiente quando existe um recurso microbiológico de alta biodiversidade.
Estudos que visam entender a biodiversidade microbiana e a esta atribuir novas funcionalidades serão essenciais para desenvolver tecnologias baseadas nesse recurso onipresente nas áreas de cultivo. A promoção da biodiversidade pode ser realizada de diversas maneiras, relacionadas com práticas de manejo que promovam a ativação de grupos microbianos ou com a recomposição dessa biodiversidade.
Temos, portanto, que a inovação tecnológica baseada na biodiversidade microbiana apresenta enorme potencialidade, tanto na agricultura mais simplista como nas áreas de agricultura de alta performance, podendo ser um dos pilares que levarão a agricultura mundial a um novo patamar de sustentabilidade. Esse conceito auxiliará na desejada união da alta produtividade agrícola a uma maior sustentabilidade do sistema, provando que esses conceitos jamais deveriam ter caminhado em direções opostas.
*Professor associado (livre docente) do Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo
[:en]A inovação tecnológica baseada na biodiversidade microbiana pode ser um dos pilares que levarão a atividade agrícola mundial a um novo patamar de desenvolvimento
A agricultura é uma das atividades mais primitivas da humanidade, e um dos motivos do fim do nomadismo extrativista. Ao desenvolver a capacidade de cultivar seus próprios alimentos, o homem foi capaz de se estabelecer em determinado local e, a partir daí, criar sistemas sociais mais complexos. Com isso, a agricultura tem passado pela intensa necessidade de inovação. Por meio de técnicas como seleção de plantas e tecnificação do uso do solo, pôde sustentar o aumento na densidade populacional.
Essa mesma agricultura, no entanto, é uma das maiores causas de impactos ambientais, como a remoção da paisagem natural e a geração de resíduos. Forma-se nesse ponto um binômio de grande importância para o futuro da agricultura. Qual a possibilidade de novamente inovar, elevando a produção de alimentos com uma diminuição do impacto ambiental? Somos capazes de mudar conceitos incrustados na história agrícola, dando a essa atividade um novo patamar de sustentabilidade?
A agricultura moderna se desenvolveu com base na homogeneização das áreas cultivadas, partindo do princípio antropocêntrico de que os campos de cultivo devem se assemelhar a um processo industrial (produtos uniformes e condições controladas). Menor importância foi dada à inter-relação do produto com os demais componentes do meio de produção (bióticos e abióticos). Ao nos depararmos com esses outros componentes, buscamos soluções simplistas, moldadas para modificar cada um desses fatores separadamente.
A “re-inovação” na agricultura deve ter como base uma visão holística, integrando o conceito de biodiversidade, conhecidamente importante no desenvolvimento de sistemas estáveis, como em áreas naturais. Sob a égide de maior biodiversidade, sabemos que a proliferação de organismos indesejados é extremamente menor e que as plantas nesses ambientes se nutrem eficientemente (devido à ciclagem), mesmo com uma baixa disponibilidade de nutrientes no solo.
Esse tipo de inovação é desafiador na agricultura de alto rendimento. Mas já é aplicado na recuperação de áreas degradadas, por exemplo, nos sistemas de integração entre a silvicultura, a lavoura e a pecuária.
Podemos integrar nesse conceito a utilização de componentes da biodiversidade que são ainda pouco explorados, representados por microrganismos que colonizam os solos agrícolas e as plantas cultivadas. Menos de 1% dos microrganismos tem potencial de causar doenças a animais e plantas [1], restando, portanto, uma vasta maioria capaz de estabelecer interações benéficas com seus hospedeiros, ou realizar processos importantes no ambiente em que se encontram.
[1] Melo, IS; Azevedo, JL. Microbiologia Ambiental, 2ª Ed., 647 p. Editora Embrapa. Jaguariúna, SP.
O uso desse recurso biológico na agricultura é ainda limitado a uma pequena fração dessa potencialidade, como a utilização de bactérias fixadoras de nitrogênio associadas a leguminosas, a promoção da colonização de plantas por micorrizas e o controle de pragas pela atividade de fungos e vírus patógenos. Existem outros milhares, prontos para serem utilizados no desenvolvimento de uma inovação agrícola.
Sabe-se que a integração dos recursos microbiológicos com o ambiente e a planta se estabelece em sua plenitude quando a biodiversidade microbiana é ampla. Por exemplo, as plantas recrutam organismos do solo para auxiliarem em seu desenvolvimento, em um processo resultante de longa história coevolutiva e apenas eficiente quando existe um recurso microbiológico de alta biodiversidade.
Estudos que visam entender a biodiversidade microbiana e a esta atribuir novas funcionalidades serão essenciais para desenvolver tecnologias baseadas nesse recurso onipresente nas áreas de cultivo. A promoção da biodiversidade pode ser realizada de diversas maneiras, relacionadas com práticas de manejo que promovam a ativação de grupos microbianos ou com a recomposição dessa biodiversidade.
Temos, portanto, que a inovação tecnológica baseada na biodiversidade microbiana apresenta enorme potencialidade, tanto na agricultura mais simplista como nas áreas de agricultura de alta performance, podendo ser um dos pilares que levarão a agricultura mundial a um novo patamar de sustentabilidade. Esse conceito auxiliará na desejada união da alta produtividade agrícola a uma maior sustentabilidade do sistema, provando que esses conceitos jamais deveriam ter caminhado em direções opostas.
*Professor associado (livre docente) do Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo