Este mês, o jornalista e publicitário carioca Eduardo Shor, colaborador da revista Página 22, ganhou o primeiro concurso literário promovido pelo Hillel-Rio. O Hillel é uma instituição judaica presente em cerca de 300 universidades americanas, com representação no Rio de Janeiro. Ao todo, mais de 50 autores encaminharam seus textos, com o tema Identidade Judaica de Portas Abertas. O texto de Shor foi escolhido por um júri composto pelos escritores Arnaldo Niskier e Moacir Sclyar, membros da Academia Brasileira de Letras (ABL).
O colaborador de Página 22 tem 28 anos e reside em São Paulo há menos de três meses. Em janeiro, esteve no Piauí e no Ceará para realizar entrevistas, que fazem parte da biografia a qual está escrevendo, sobre um casal de nordestinos que foi viver no Rio há setenta anos. Também se dedica a livros institucionais e textos para agências de comunicação.
Clique Aqui e confira o trabalho vencedor, com o título Judeu Cearense
Judeu Cearense
Nariz protuberante. Cabeça chata. Shulent ou baião de dois. Guefiltefish ou macaxeira. Chrein ou rapadura. Tudo junto? Haja estômago. Haja Deus. Haja milagre, meu Padim Ciço. Pois que o cearense e o judeu saem aos montes de sua terra natal e um dia sonham em voltar. Um dia, quem sabe? Os dois bem-humorados, que riem de si próprios, das desgraças por que passam. E choram. A seca ou o preconceito. A fome ou a perseguição. No violino ou na sanfona.
Um dia o mar vai virar sertão e o sertão vai virar mar, que vai se abrir e vai fechar. Bumba meu boi kasher. Bumba meu boi bum bum baticundumburucutun Aman. Baticundumburucutun. Aman. Baticundumburucutun. Até que um cabra (de repente, um sabra) de barba e capa preta, fantasiado de Marylin Monroe ou cangaceiro berra do altar uma estrondosa palavra em hebraico anunciando a liberdade no solo árido, com um berrante.
Amém. Amem. Ame teu próximo como a ti mesmo. De uma tora faça o fogo. De uma Torá preserve a chama da vida. Não a chama inquisitorial. Pois do arbusto em chamas o Eterno falou a Moisés, retirado das águas do São Francisco. Monte a cavalo por essas capoeiras desérticas da caatinga. Mantra, ouça, Israel. Desmonte o jumento de ouro. Monte Sinai. E desponte rumo à terra de Abrahão, que te mostrarei. A terra de Isac, Jacó, Severino, Virgulino, Cícero, Sara, Rebeca, Maria Bonita. A terra bonita que jorra leite, mel e carne de sol.
– Shulent: espécie de feijoada judaica, sem carne de porco e dentro dos preceitos da religião.
– Guefiltefish: bolinho de peixe, tradicionalmente servido no Ano Novo judaico.
– Chrein: molho picante, à base de raíz forte e beterraba, que costuma acompanhar o Guefiltefish.
– Kasher: significa “apto”. No caso da comida, refere-se ao alimento preparado de acordo com as leis judaicas.
– Aman: primeiro-ministro de Assuero, rei da Pérsia. Na história bíblica, deu ordem para o extermínio dos judeus locais. Na festividade de Purim, há a leitura em voz alta, da narrativa a respeito da história, celebrando-se a sobrevivência do povo. Toda vez que o nome Aman surge, é costume que os presentes na sinagoga façam barulho, em geral com chocalhos ou reco-reco, para abafar a pronúncia da palavra.
– Ouça, Israel: uma das principais rezas judaicas, em hebraico “Shemá, Israel”.
– Sabra: o israelense é conhecido como sabra, palavra derivada do idioma árabe para cactus – espinhento e duro por fora, mas delicado e sensível por dentro.
Este mês, o jornalista e publicitário carioca Eduardo Shor, colaborador da revista Página 22, ganhou o primeiro concurso literário promovido pelo Hillel-Rio. O Hillel é uma instituição judaica presente em cerca de 300 universidades americanas, com representação no Rio de Janeiro. Ao todo, mais de 50 autores encaminharam seus textos, com o tema Identidade Judaica de Portas Abertas. O texto de Shor foi escolhido por um júri composto pelos escritores Arnaldo Niskier e Moacir Sclyar, membros da Academia Brasileira de Letras (ABL).
O colaborador de Página 22 tem 28 anos e reside em São Paulo há menos de três meses. Em janeiro, esteve no Piauí e no Ceará para realizar entrevistas, que fazem parte da biografia a qual está escrevendo, sobre um casal de nordestinos que foi viver no Rio há setenta anos. Também se dedica a livros institucionais e textos para agências de comunicação.
Leia abaixo o texto.
Judeu Cearense
Nariz protuberante. Cabeça chata. Shulent ou baião de dois. Guefiltefish ou macaxeira. Chrein ou rapadura. Tudo junto? Haja estômago. Haja Deus. Haja milagre, meu Padim Ciço. Pois que o cearense e o judeu saem aos montes de sua terra natal e um dia sonham em voltar. Um dia, quem sabe? Os dois bem-humorados, que riem de si próprios, das desgraças por que passam. E choram. A seca ou o preconceito. A fome ou a perseguição. No violino ou na sanfona.
Um dia o mar vai virar sertão e o sertão vai virar mar, que vai se abrir e vai fechar. Bumba meu boi kasher. Bumba meu boi bum bum baticundumburucutun Aman. Baticundumburucutun. Aman. Baticundumburucutun. Até que um cabra (de repente, um sabra) de barba e capa preta, fantasiado de Marylin Monroe ou cangaceiro berra do altar uma estrondosa palavra em hebraico anunciando a liberdade no solo árido, com um berrante.
Amém. Amem. Ame teu próximo como a ti mesmo. De uma tora faça o fogo. De uma Torá preserve a chama da vida. Não a chama inquisitorial. Pois do arbusto em chamas o Eterno falou a Moisés, retirado das águas do São Francisco. Monte a cavalo por essas capoeiras desérticas da caatinga. Mantra, ouça, Israel. Desmonte o jumento de ouro. Monte Sinai. E desponte rumo à terra de Abrahão, que te mostrarei. A terra de Isac, Jacó, Severino, Virgulino, Cícero, Sara, Rebeca, Maria Bonita. A terra bonita que jorra leite, mel e carne de sol.
– Shulent: espécie de feijoada judaica, sem carne de porco e dentro dos preceitos da religião.
– Guefiltefish: bolinho de peixe, tradicionalmente servido no Ano Novo judaico.
– Chrein: molho picante, à base de raíz forte e beterraba, que costuma acompanhar o Guefiltefish.
– Kasher: significa “apto”. No caso da comida, refere-se ao alimento preparado de acordo com as leis judaicas.
– Aman: primeiro-ministro de Assuero, rei da Pérsia. Na história bíblica, deu ordem para o extermínio dos judeus locais. Na festividade de Purim, há a leitura em voz alta, da narrativa a respeito da história, celebrando-se a sobrevivência do povo. Toda vez que o nome Aman surge, é costume que os presentes na sinagoga façam barulho, em geral com chocalhos ou reco-reco, para abafar a pronúncia da palavra.
– Ouça, Israel: uma das principais rezas judaicas, em hebraico “Shemá, Israel”.
– Sabra: o israelense é conhecido como sabra, palavra derivada do idioma árabe para cactus – espinhento e duro por fora, mas delicado e sensível por dentro.