Ficou tarde para um plano de contingência, conforme havia sido defendido meses antes. A situação passou a ser de emergência
Em outubro de 2014, nascia do Instituto Socioambiental a Aliança pela Água, uma associação que hoje reúne mais de 50 organizações com propostas de soluções para a crise. Àquela altura, enquanto o governo apostava em São Pedro como salvador da pátria, a Aliança considerava urgente que o governo lançasse um plano de contingência e formasse um comitê de crise para orientar todos os setores da economia e da sociedade e evitar o pior. Era preciso agir para que, na falta de chuvas, a água das represas que abastecem as cidades não se esgotasse, e houvesse garantia de abastecimento para as pessoas. Mas era ano de eleição, e o governo preferiu contar com São Pedro e adiar as providências devidas, deixando que o pior passasse a ser uma possibilidade cada vez mais concreta.
No início de fevereiro, quando conversou com Página22, a coordenadora da Aliança, Marussia Whately, disse que era tarde para o plano de contingência defendido meses antes. “Isto já nem é uma crise. Estamos na iminência de um colapso, e precisamos de um plano de emergência.”
Ela explica que as ações necessárias vão além das atribuições da Sabesp. Parte importante do abastecimento começa a ser fornecido por caminhões-pipa, que não são responsabilidade da Sabesp.
Será preciso mapear os pontos de abastecimento essencial, regular esse fornecimento, conhecer e regular a qualidade da água que será entregue com o uso de caminhões, regular a circulação dos caminhões-pipa nas ruas da cidade e ordenar a logística de distribuição, o que envolve a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Há inúmeros detalhes a serem resolvidos e comunicados à população.
“Uma parcela considerável da população não tem caixa-d’água em casa. Quanto tempo essas pessoas aguentam sem abastecimento? Em qual nível de racionamento essas residências podem funcionar? Para quantos imóveis há caminhões-pipa disponíveis? Teremos um longo período de sacrifício pela frente, e nada disso está devidamente dimensionado”, afirma.
Para Marussia, o principal a fazer é integrar todas as instâncias do governo – educação, engenharia de tráfego, saúde, defesa civil, secretarias de comunicação etc. –, dimensionar os impactos, calcular resultados com base nos cenários mais graves (não nos mais otimistas) e levar as instruções corretas a cada setor da sociedade, com um sistema de comunicação capilarizado, sem gerar pânico, para que todos saibam como seguir vivendo, mas com muito menos água do que antes. Deveriam ser produzidos boletins diários, com informações corretas e atualizadas, que os moradores e empresas de cada bairro pudessem consultar.
As pessoas precisam saber o que fazer, a quem recorrer, em quais serviços confiar, quem está no comando, o que funciona e o que não funciona. Do contrário, o risco é repetirmos em versões imprevisíveis os episódios de Itu, no interior de São Paulo, onde donas de casa partiram para a quebradeira e incêndios eram provocados de propósito como tocaia para os caminhões de bombeiro carregados de água.
“Será que precisaremos chegar ao ponto de fechar as Marginais e ter escolta para os caminhões-pipa em São Paulo?”, provoca Marussia. Para evitar um cada-um-por-si caótico que faça emergir a bestialidade humana num momento em que precisamos da solidariedade e da responsabilidade compartilhada, a solução está em um pacto de colaboração.
Mão na massa
E o pacto talvez nem venha do governo. Na visão de Marussia, é mais provável que ele surja da própria sociedade. De fato, diante das primeiras perdas, alguns setores começaram a se organizar à sua maneira.
A Federação e o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp/Ciesp) prepararam uma cartilha que recomenda investir em sistemas de reúso de água ou compra de água de reúso, prospecção de fontes alternativas de captação e até alteração de ordens de produção, priorizando produtos que utilizem menos água.
A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em São Paulo (Abrasel SP) prevê que as perdas no setor serão muito maiores do que as já registradas e que só com o engajamento de todos o colapso não será total. Percival Maricato, presidente da entidade, calcula que, mesmo com a troca de válvulas, descargas e torneiras para modelos mais econômicos, orientação aos clientes e treinamento de
funcionários, haverá inevitáveis aumentos de custos e preços, escassez de ingredientes, falências e desemprego.
“No limite, temos de pensar em proibir construções com piscinas ou desativar as existentes, reduzir ou proibir banheiras de hidromassagem, empresas de lavar carros, e prever pena [1] para quem lavar calçadas ou veículos”, diz Maricato. “Temos que mudar nosso modo de vida e respeitar as limitações impostas pelo meio ambiente.”
[1] Em fevereiro, um projeto de lei que institui multa de R$ 1.000 para quem for flagrado lavando carros ou calçadas com água tratada foi aprovado em primeira votação pela Câmara Municipal de São Paulo. Só não ficou claro como isso será fiscalizado
Ao que parece, a grande mudança necessária no cotidiano de todos é o conceito de desperdício adequado à situação. Os folhetos distribuídos pela Sabesp aos condomínios recomendam banho de até 5 minutos e vassoura sem esguicho para lavar a calçada. Mas, no ponto em que São Paulo chegou, um banho de 5 minutos já é um desperdício enorme. Dar descarga com água limpa, então, nem se fale.
Segundo o coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima, Tasso Rezende de Azevedo, o brasileiro tem o hábito de usar 200 litros de água por dia, em média, dentro de casa, sendo que o uso essencial requer muito menos que isso.
A recomendação deveria ser a de abrir o chuveiro somente para o enxágue inicial e final, o que deve durar cerca de 20 segundos no total. “Vamos ter de aprender a viver uma vida mais parecida com a de acampamento”, sugere. E sem hora pra voltar para o luxo que antes considerávamos normal.