Foi lançado em 24 de junho, durante evento em São Paulo, o documento da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, com participação de mais 200 representantes de associações setoriais, empresas e Organizações Não Governamentais. O documento, que segue abaixo, partiu de uma coalizão multissetorial e contém propostas para a transição a uma economia de baixo carbono, explorando as oportunidades da agenda brasileira de clima, florestas e agricultura.
Parte 1: Contexto e atuação da Coalizão
1. O que nos agrega
Somos uma coalizão formada por associações empresariais, empresas, organizações da sociedade civil e indivíduos interessados em contribuir para a promoção de uma nova economia de baixo carbono, competitiva, responsável e inclusiva, e para maior sinergia entre as agendas de proteção, conservação e uso sustentável das florestas, agricultura e mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
2. Visão
Entendemos que o estímulo a agricultura, pecuária e economia de base florestal competitivas, pujantes e sustentáveis, que simultaneamente garantam a proteção, manejo, restauração e plantio de florestas, assegurem a disponibilidade de água, a conservação de ecossistemas e os serviços ambientais, é uma contribuição fundamental para neutralizar as emissões de gases de efeito estufa do Brasil, fortalecer a resiliência e viabilizar a adaptação do país às mudanças climáticas, e para promover o desenvolvimento em bases sustentáveis. Por isso nos unimos numa coalizão multissetorial para promover e propor políticas públicas, ações e mecanismos financeiro/econômicos para o estímulo a agricultura, pecuária e economia florestal que impulsionem o Brasil para liderança global da economia sustentável e de baixo carbono, gerando prosperidade para todos, com inclusão social, geração de emprego e renda.
A aspiração desta Coalizão é que o desenvolvimento dessa nova economia, com bases sustentáveis, que depende do cumprimento da legislação relativa a mudanças climáticas e do uso do solo, poderá transformar os desafios em oportunidades e alcançar avanços concretos para agenda de clima, florestas e agricultura no Brasil, contribuindo para:
Reduzir as emissões brasileiras de gases de efeito estufa de forma a garantir que, a partir de 2020, a emissão per capita seja sempre menor ou igual à média global e o Brasil trilhe o caminho para zerar as emissões líquidas o mais cedo possível.
Promover a restauração e/ou recuperação todas as áreas de preservação permanente e reserva legal de acordo com a legislação vigente.
Desenvolver plantios florestais econômicos em áreas degradadas, criando uma oferta de produtos florestais para o uso nas diversas cadeias produtivas, inclusive como forma a reduzir a pressão sobre as florestas nativas.
Promover a manutenção da cobertura vegetal nativa brasileira nos diferentes biomas nos níveis atuais e incentivar a restauração de áreas classificadas como prioritárias para conservação da biodiversidade.
Promover a eliminação da perda líquida de cobertura florestal e a manutenção das florestas primárias no Brasil.
Expandir a produção de alimentos, produtos de base florestal e bioenergia de forma competitiva e sustentável, promovendo a recuperação da capacidade de produção de áreas degradadas e a redução das emissões de gases de efeito estufa.
Eliminar o desmatamento e exploração ilegal de florestas no Brasil.
Eliminar das cadeias de produção, comercialização e consumo global produtos oriundos de desmatamento ou exploração ilegal.
Ampliar substancialmente o manejo sustentável das florestas nativas e garantir a rastreabilidade e certificação nas compras públicas e privadas de produtos florestais.
Aumentar de forma expressiva a participação brasileira no mercado global de produtos florestais e de alimentos.
Massificar na agropecuária brasileira as práticas de baixo carbono incluindo: recuperação de pastagens degradadas; integração lavoura-pecuária-floresta (iLPF) e sistemas agroflorestais (SAF); sistema plantio direto (SPD); fixação biológica de nitrogênio (FBN); aproveitamento de biomassa de resíduos agropecuários; tratamento de dejetos animais e intensificação sustentável da produção.
Tornar predominante, na matriz energética nacional, as fontes renováveis e sustentáveis, com vistas a tornar residual a participação de energias fósseis na matriz até 2050.
Implementar mecanismos para valorar e remunerar a manutenção e a ampliação dos serviços ecossistêmicos propiciados pelos ecossistemas naturais e florestas, incluindo as boas práticas agrossilvopastoris, para além dos mecanismos de pagamento por carbono, que precisam ser aperfeiçoados e incrementados.
Garantir a qualidade, tempestividade e total transparência dos dados da implementação das políticas de clima, floresta e agricultura e seus instrumentos de monitoramento e gestão (por exemplo, Cadastro Ambiental Rural, Programa de Regularização Ambiental, plano de manejo florestal sustentável, financiamento, desmatamento, emissões).
Fortalecer a rede de unidades de conservação em âmbito nacional e a efetiva implementação das unidades de conservação já criadas.
Assegurar que a transição para a sustentabilidade e a economia de baixo carbono nas florestas e na agricultura se dê de forma a promover ordenamento fundiário, inclusão, diálogo e proteção social das comunidades que formam a população brasileira, geração de novos empregos, aumento da geração de renda, manutenção e ampliação de direitos, qualificação e requalificação de trabalhadores e produtores rurais. A efetiva implementação do Código Florestal e da Política Nacional de Mudanças Climáticas bem como a valorização da agropecuária sustentável e da floresta em pé são exemplos de elementos essenciais deste esforço coletivo.
3. Contexto
Mudanças climáticas são, se não o maior, um dos maiores desafios da Humanidade, e certamente o mais abrangente. Somos todos impactados pelo fenômeno e seu enfrentamento só é possível com a participação de toda a sociedade.
Segundo o IPCC – o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, para termos chances razoáveis de conter o aumento da temperatura média global em 2° C em relação à era pré-industrial, devemos reduzir significativamente as emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) nas próximas décadas e buscar zerá-las o mais cedo possível.
Em 2015, os países membros da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (Convenção do Clima) buscarão alcançar um novo acordo climático global, mais ambicioso e efetivo, para que o limite de 2° C seja garantido.
Diversos segmentos empresariais e da sociedade civil estão assumindo compromissos e cobrando ação dos governos, mobilizando recursos e implementando ações em todo o mundo.
4. O papel das florestas e da agricultura
As florestas têm uma profunda relação com as mudanças climáticas. O desmatamento, a degradação e a perda de cobertura florestal respondem por cerca de 10% das emissões globais de GEE. As florestas são a maior fonte terrestre de armazenamento e captura de carbono da atmosfera, além de cumprir função estratégica no ciclo hidrológico e para o equilíbrio do clima. A conservação, o manejo, a restauração e o plantio de árvores para recuperação de áreas e para fins comerciais são a maneira mais eficiente de realizar o sequestro e estocagem de carbono.
As atividades econômicas ligadas à cadeia de produtos florestais, quando apoiadas em manejo florestal sustentável e plantios florestais, são parte fundamental da Economia de Baixo Carbono.
A agricultura, por sua vez, é um setor com grande potencial para contribuir com a redução das emissões, pois, quando realizada em condições de baixa eficiência, também contribui de forma considerável para a emissão de GEE. Ao mesmo tempo, é um dos setores mais
vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, cada vez mais evidentes. Combater as emissões do setor demanda a realização de novas políticas e grandes investimentos para o aprimoramento das técnicas produtivas com intensificação da produção, que contribuam para aumentar a competitividade e eficiência da atividade agrícola/agropecuária brasileira.
A pecuária realizada através de práticas adequadas de manejo se traduz em oportunidade importante para redução de emissões, com ganhos de eficiência na produção.
Do mesmo modo, a fixação biológica de nitrogênio, e outras boas práticas de manejo do solo, que avançaram muito nos últimos anos, podem promover uma redução expressiva da necessidade de aplicação de fertilizantes, reduzindo emissões.
Com a implementação de políticas que tornem mais eficiente o uso do solo, fomentem a inovação tecnológica e a adoção de boas práticas produtivas, a agricultura pode tornar-se importante consumidora de carbono e fornecedora de uma série de serviços ecossistêmicos.
5. Contexto brasileiro
O Brasil está entre as maiores economias do mundo e é um dos principais países com importante potencial na redução das emissões dos gases de efeito estufa no planeta. As emissões por desmatamento, que representaram 65% do total das emissões brasileiras em 2005, caíram expressivamente na última década. A mudança do uso da terra, porém, ainda é a maior fonte de emissões brutas no Brasil, seguida do consumo energético, da atividade agropecuária e dos processos industriais.
Floresta
O Brasil possui a segunda maior área florestal do mundo.
Nosso país é um dos líderes globais em tecnologia florestal, tanto de manejo de floresta tropical como de plantações florestais para fins industriais. O Brasil desempenha importante papel na produção de fibras, madeira e energia oriundas de florestas de rápido crescimento.
Apesar de produzirmos cerca de 8% da madeira em toras para uso industrial, ocupamos menos de 3% do mercado global de produtos florestais, concentrado especialmente em celulose de fibra curta. A economia de base florestal de espécies nativas não ganhou vulto e necessita de políticas para sua viabilização. O aumento em larga escala na disponibilidade de produtos florestais, por meio de manejo florestal sustentável de nativas e plantações florestais, é elemento fundamental para evitar pressões adicionais por desmatamento e degradação florestal e incrementar o uso de produtos ou insumos renováveis de base florestal em diversas cadeias produtivas, ao invés de materiais de base fóssil ou não renovável.
Os 12% das florestas do planeta que se encontram no Brasil representam o maior estoque de biomassa (portanto, carbono) do mundo. Temos o maior território em áreas protegidas do planeta. Por outro lado, nossas áreas protegidas carecem, na sua grande maioria, de
efetiva proteção e implementação. O Brasil tem um precioso ativo: aproximadamente 60% do território nacional ainda é recoberto por florestas e vegetação nativa.
Agropecuária
Diferentes estudos apontam que uma parte significativa do aumento da produção de alimentos necessária no mundo deverá vir do Brasil até meados do século. Para que isso aconteça de forma sustentável, é necessário que esse crescimento seja embasado na conversão de áreas degradadas ou intensificação da atividade sem a necessidade de conversão de áreas de florestas e vegetação nativa, sendo imprescindível o aumento significativo da produtividade das áreas, aplicando tecnologias de baixo carbono e adaptando as culturas às mudanças climáticas.
O Brasil possui pelo menos 20 milhões de hectares de áreas a serem restauradas ou reflorestadas. A adequação final de todo o setor agrícola ao Código Florestal brasileiro e as provisões de reserva legal e áreas de preservação permanente previstas na legislação implicarão em significativa captura de carbono.
Outra particularidade da atividade rural brasileira é a produção em escala de biocombustíveis, bioeletricidade e, em menor escala, de polímeros (plásticos) a partir de biomassa, uma alternativa viável para os combustíveis fósseis. A expansão do setor no Brasil não tem prejudicado a produção de alimentos. Entretanto, a participação do etanol no mercado de combustíveis tem caído ao longo dos últimos anos e sua retomada é fundamental, pois garante participação da energia renovável em nossa matriz energética.
É nesse contexto que se insere a Coalizão, para engajar diversos setores da economia nacional no rumo a uma economia competitiva de base florestal e agrícola que leve a um modelo de desenvolvimento neutro em emissões de carbono gerando renda e inclusão social.
6. Nosso compromisso
Os participantes da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura comprometem-se a:
Organizar-se e operar de forma multissetorial e multidisciplinar, mantendo-se abertos a novas adesões e contribuições.
Buscar convergências e usar a divergência como via para avançar e construir soluções.
Promover a transparência na sistematização e disseminação de informações sobre florestas, agropecuária e clima.
Levar à sociedade e ao governo propostas concretas, claras e transparentes, para avançar nas agendas de clima, agropecuária e florestas, indicando de forma objetiva como cada setor pode contribuir para sua efetivação.
Interagir e somar esforços com outras iniciativas nas áreas de clima, florestas e agricultura, no Brasil e internacionalmente.
7. Frentes de Atuação
A Coalizão se estruturará e construirá propostas visando a influenciar tomadas de decisão em duas frentes de atuação complementares1:
Agenda Clima 2015.
Agenda Desenvolvimento Sustentável e de Baixo Carbono para o Brasil 2015-2030.
Agenda Clima 2015
Apresentamos, na Parte 2 deste documento, nossa proposta de diretrizes para as “contribuições nacionalmente determinadas” (INDC, no acrônimo em inglês) do Brasil compatível com o limite de 2o C de aumento global de temperatura [segundo o IPCC, as chances de atingir esse objetivo são maiores de 50% se as emissões globais entre 2012 e 2100 forem limitadas a 1.000 GtCO2e].
Propor a contribuição dos setores florestal e agropecuário para atingir o INDC brasileiro e as medidas necessárias para sua efetiva implementação.
Elaborar proposta de elementos críticos para a formação de uma posição brasileira ambiciosa para o novo acordo climático global.
Agenda de Desenvolvimento Sustentável e de Baixo Carbono 2015-2030
Estabelecer uma proposta de agenda de compromissos, e propostas de instrumentos e ações de políticas públicas para alcançar nossa visão (ver item 2 acima).
Desenvolver, implementar e disseminar modelos reais e demonstrativos de economia florestal e agrícola sustentável.
Identificar, compreender e apresentar soluções para superar os obstáculos para implementação da agenda de desenvolvimento sustentável de baixo carbono 2015-2030.
Mobilizar recursos para que essa agenda possa ser efetivamente cumprida.
1 Este documento ainda não incorpora propostas relacionadas às questões de adaptação. Esse desdobramento será realizado em um segundo momento.
Parte 2: Contribuição para formulação do INDC Brasil
1. Introdução
No âmbito da Convenção do Clima, estão em andamento negociações sobre um novo acordo global, a serem finalizadas em 2015, para entrada em vigor a partir de 2020, conforme mandato definido na “Plataforma de Durban”, durante a 17ª Conferência das Partes da Convenção (COP-17).
A partir da COP-19, realizada em Varsóvia, os países se comprometeram a intensificar as preparações domésticas para definir as suas INDCs a comunicá-las antes de 1º de outubro de 2015 – e, se possível, ainda no primeiro semestre -, de modo a permitir a análise do impacto conjunto das contribuições de mitigação dos diferentes países antes da COP-21, que será realizada no final deste ano em Paris. Em geral, as INDC representam a intenção de contribuição de cada país ao esforço global de combate à mudança do clima e devem ter papel central na implementação de um novo acordo2.
Nesse contexto, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura apresenta sua contribuição para o processo de elaboração da INDC brasileira. Para tanto, foram considerados diversos elementos, sobretudo o potencial de mitigação dos setores representados, de maneira alinhada à competitividade da inserção do Brasil em uma nova economia global, cujo estabelecimento é essencial para combater a mudança do clima e garantir o desenvolvimento justo e sustentável.
2. Princípios e natureza da contribuição
À medida que as ações da Coalizão englobam três áreas temáticas (clima, florestas e agricultura), a proposta contempla visão e elementos gerais para a INDC brasileira, bem como o papel dos setores florestal e agrícola para a sua a viabilização. Os quatro princípios dispostos abaixo foram tomados como base para o desenvolvimento do trabalho:
Estabelecer a visão de longo prazo sobre emissões globais, levando em conta as recomendações do 5º Relatório de Avaliação do IPCC e o objetivo de limitar o aumento de temperatura média global em 2o C (em outras palavras, o cenário requerido pela ciência).
Definir o conceito/critério de porção justa do Brasil no esforço global necessário para atingir a redução de emissões necessária no longo prazo, levando em consideração as responsabilidades comuns, porém diferenciadas.
Propor a base lógica de um nível de ambição de redução de emissões para o Brasil compatível com a porção justa e que seja inspiradora, mobilizadora, desafiadora e alcançável.
2 Paragrafo 14 da Decisão. 01/CP.20. http://unfccc.int/files/meetings/lima_dec_2014/application/pdf/auv_cop20_lima_call_for_climate_action.pdf.
Propor mecanismos, elementos e incentivos que viabilizem os princípios e compromissos a serem assumidos pela Coalizão e pelo Brasil, incluindo a valorização econômica real de serviços ecossistêmicos, do carbono e de produtos brasileiros renováveis ou menos intensivos em emissões.
3. Visão de longo prazo das emissões globais
Na COP-15, foi acordado o objetivo de limitar o aumento da temperatura média global em 2o C.
Segundo o 5º Relatório do IPCC, para termos dois terços de chance de limitar o crescimento de temperatura em 2o C até o final do século, a concentração de GEE na atmosfera não deve ultrapassar 450 ppm (variando entre 430 e 480 ppm). Os cenários mais seguros projetados pelo IPCC, entre 430 e 480 ppm, estão associados a reduções de emissões estimadas na faixa de 41% a 72% dos níveis de 2010 até 2050 e de 78% a 118% até 2100 (vide Anexo 1 – Tabela 1, SPM, IPCC3).
Em geral, uma redução de emissões menor até 2050 implica esforço muito maior na segunda parte do século, considerando inclusive a necessidade de emissões negativas mandatórias em relação a 2010 (de até 118%), o que é extremamente difícil e pode gerar impactos econômicos altamente negativos. Por outro lado, esforços de reduções maiores até 2050 aumentam substantivamente as chances de se alcançar os 2º C até o fim do século.
Ainda segundo o IPCC, será necessário limitar as emissões globais acumuladas em aproximadamente 1.000 GtCO2e no período de 2012 a 2100. Portanto, caso os níveis atuais de emissão global sejam mantidos (pouco mais de 50 GtCO2e/ano), em menos de 20 anos já teremos alcançado esse limite, o que indica a necessidade de ações urgentes.
Assim, para maximizar as chances de limitar o aumento médio da temperatura em no máximo 2º C, é fundamental aproximar os esforços de mitigação global às faixas superiores requeridas pela ciência, o mais rápido possível.
4. Porção justa de contribuição do Brasil para mitigação
Considerando as conclusões do IPCC, acima expostas, as emisssões mundiais anuais até 2050 precisam cair de quase 50 GtCO2e para a faixa de 30 a 15 GtCO2e.
Considerando que a população global atual de 7,2 bilhões deve chegar a 9,6 bilhões de pessoas4 em 2050, a redução nas emissões per capita precisa sair do atual valor de 7 tCO2e/habitante para a faixa de 3 a 1,5 tCO2e/hab, sendo que a maximização das chances de estabilizar o aumento da temperatura em 2o C está diretamente relacionada ao alcance das faixas máximas de redução de emissões previstas pelo IPCC.
3 Relatório Síntese – Sumário para Formuladores de Políticas Públicas: http://www.ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar5/syr/AR5_SYR_FINAL_SPM.pdf.
4 http://www.unric.org/pt/actualidade/31160-relatorio-das-nacoes-unidas-estima-que-a-populacao-mundial-alcance-os-96-mil-milhoes-em-2050-.
A população brasileira em 2010 era de 190 milhões de habitantes, segundo o IBGE, que projeta uma população de 226 milhões de habitantes em 2050 (já então declinante e equivalente a aproximadamente 3% da população mundial). A média de emissão per capita do Brasil atualmente está entre 6 e 7 tCO2e/hab, portanto próxima à média global.
Como o índice de emissões per capita envolve discrepâncias em relação a níveis de desenvolvimento socioeconômico, é justo que países menos desenvolvidos estejam sujeitos a menores exigências em termos de esforços de reduções de emissões e que tenham mais oportunidades de usar mecanismos de apoio, e que aos países desenvolvidos seja aplicado maior rigor em termos de mitigação.
Assim, considerando o Brasil um país de renda média e recursos naturais abundantes, que, por um lado, tem baseado seu desenvolvimento em uma das matrizes energéticas mais renováveis do mundo, mas que, por outro lado, enfrenta pressões para alterações em sua matriz e já passou por períodos de emissões per capita significativamente maiores que a média global, sobretudo em função do desmatamento, seria razoável que o país se esforçasse para chegar em 2050, pelo menos, em consonância com as emissões médias per capita em nível global.
5. Nível de ambição de redução de emissões para o Brasil
Considerando o cenário de mudança do clima e de mitigação exposto acima, o Brasil pode ter amplas possibilidades de alavancar seus ativos de capital natural em uma nova economia de zero carbono, que terá que ser estabelecida o mais cedo possível, ainda neste século. Nesse contexto, propomos que o país assuma um INDC com as seguintes características:
Expresse uma redução efetiva de emissões para toda a economia já no primeiro período de compromisso do novo acordo.
Expresse um aumento efetivo de remoções de GEE, de maneira clara e consistente com os potenciais brasileiros dos diferentes segmentos, incluindo remoções nas áreas florestal e agropecuária.
Expresse o compromisso de longo prazo do país em zerar as suas emissões líquidas conforme requerido pela ciência, no âmbito do cenário de 450 ppm do IPCC.
Expresse o compromisso de manter as emissões per capita menores que a média global a partir de 2020.
Expresse o entendimento de que, para o Brasil alcançar os objetivos previstos neste documento, o alcance dos níveis máximos de ambição do país é proporcional aos níveis máximos de implementação dos seguintes pressupostos:
a. Acesso a políticas e incentivos econômicos reais, em níveis nacional e internacional, capazes de viabilizar o cumprimento de seus compromissos e de fazer com que a inserção do Brasil em arranjos globais se converta em oportunidade de aumentar a competitividade do país.
b. Implementação de iniciativas nacionais e internacionais de precificação do carbono.
c. As principais economias emergentes, atualmente fora do Anexo 1, devem ter, no mínimo, compromissos e objetivos similares, inclusive no longo prazo.
d. Os países que atualmente integram o Anexo 1 assumam o compromisso de zerar suas emissões líquidas em meados do século.
Uma INDC brasileira com essas características contribuiria de forma inequívoca com o objetivo global de reduzir expressivamente as emissões para limitar o aumento da temperatura global em até 2° C ou menos.
6. Como os setores florestal e agrícola podem contribuir para a INDC do Brasil
Dadas as características das emissões brasileiras e as oportunidades de se aliar mitigação e competitividade, uma redução expressiva das emissões é possível, no contexto exposto acima e considerando os potenciais mecanismos de apoio.
O Setor de Uso da Terra, que inclui as atividades florestais e agropecuárias, representa quase dois terços das emissões brutas brasileiras de GEE (ou pouco mais da metade das emissões líquidas), mas possui grande potencial para reduzir emissões e promover a remoção de gases de efeito estufa, inclusive em diferentes cadeias produtivas, pelo uso de produtos de base renovável. A seguir, são identificadas algumas das principais medidas no setor florestal e agrícola para redução direta ou indireta das emissões e ampliação das remoções:
Reduzir o desmatamento e a degradação florestal;
Incentivar o manejo florestal sustentável;
Incentivar o reflorestamento para fins econômicos e restauração florestal;
Incentivar a redução do uso do fogo;
Eliminar uso de lenha e carvão vegetal de desmatamento e substituir por madeira de reflorestamento ou manejo florestal sustentável;
Estimular o maior uso de carvão vegetal renovável;
Melhorar o processo de carbonização da madeira e promover o aproveitamento de coprodutos (alcatrão e cogeração de energia);
Incentivar a produção e uso de biocombustíveis;
Incentivar a recuperação e a rotação de pastagem;
Aumentar a precocidade do rebanho;
Incentivar o plantio direto;
Incentivar a integração lavoura-pecuária-floresta, os sistemas agroflorestais e outros sistemas que favoreçam a intensificação da pecuária;
Incentivar a fixação biológica de nitrogênio;
Incentivar o tratamento de dejetos animais;
Incentivar as termoelétricas movidas à biomassa.
Para potencializar as oportunidades de contribuição do setor florestal e agrícola para a redução de emissões brasileiras de GEE, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura propõe um conjunto de iniciativas, a serem implementadas pelo setor público, empresarial e sociedade civil organizada, que podem ser encontradas mais à frente neste documento.
Parte 3 – Propostas para a agenda brasileira de mudanças climáticas, em nível nacional e internacional.
Em consonância com a visão, apresentada no início deste documento, e com o objetivo de contribuir para a viabilização das sugestões para a INDC do Brasil e para o debate de uma agenda brasileira de mitigação, em sinergia com a proteção, conservação e uso sustentável das florestas e a agricultura sustentável, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, formulou 17 propostas, apresentadas a seguir, que poderão ser mais detalhadas ao longo dos próximos meses. É importante ressaltar que, por enquanto, o trabalho contemplou somente temas de mitigação. A agenda de adaptação será desenvolvida mais adiante.
As propostas estão divididas em dois recortes. O primeiro refere-se a aspectos predominantemente transversais, que incluem itens de cunho legal e institucional (Propostas 1 a 5) e propostas sobre mecanismos de valorização do carbono e serviços ecossistêmicos (6 a 8). O segundo recorte trata de aspectos predominantemente temáticos, considerando propostas específicas para os setores florestal e agropecuário (9 a 17).
Considerando que o clima é um bem público global e, portanto, que existe relação direta do tema com políticas públicas e elementos regulatórios em nível nacional e internacional, boa parte das propostas se referem a ações que envolvem diferentes níveis de atuação do poder público e de governança. Nesse contexto, com frequência, as propostas refletem demandas específicas para atuação governamental, no âmbito da política doméstica e da política externa.
Não obstante, deve-se ressaltar que as diversas organizações que compõem esta Coalizão se comprometem em atuar para facilitar a implementação das referidas propostas e a implementá-las ou promovê-las diretamente, sempre que forem aplicáveis às suas respectivas esferas de atuação. Portanto, a Coalizão quer participar das soluções e se compromete em atuar de maneira conjunta com o poder público para implementar e viabilizar as propostas, de acordo com as suas respectivas capacidades e competências institucionais, em fóruns nacionais e internacionais.
Eixo Legal/Institucional
Implementação do Código Florestal, regularização fundiária e cooperação internacional:
Proposta 1: Estabelecer procedimentos para garantir a implementação do CAR até 2016 e definição dos PRA até 2018, em 100% do território nacional.
Proposta 2: Promover ampla transparência dos dados, cadastros e sistemas de informações relacionados aos aspectos ambientais e fundiários do uso da terra.
Proposta 3: Unificar todos os diferentes cadastros relacionados ao uso da terra no país, em um cadastro federal integrado.
Proposta 4: Criar plano de regularização fundiária e ordenamento territorial até 2016, para solucionar conflitos decorrentes da sobreposição de direitos sobre propriedade e uso da terra até 2030.
Proposta 5: Estabelecer programa de cooperação sul-sul para a difusão e compartilhamento de tecnologias brasileiras nas áreas florestal e agrícola.
Mecanismos de valorização do carbono e serviços ecossistêmicos:
Proposta 6: Dar escala e garantia de liquidez aos mecanismos existentes de valorização do carbono.
Proposta 7: Criar mecanismo regulatório de valorização econômica direta de energia e produtos renováveis, por meio da demanda atrelada à produção de base não renovável.
Proposta 8: Implantar mecanismo global de pagamento anual pelos serviços ecossistêmicos de biomas brasileiros.
Eixo florestal e agrícola
Combate ao desmatamento, incremento de estoques florestais e agricultura de baixo carbono:
Proposta 9: Produzir mapa anual de uso e cobertura da terra no Brasil.
Proposta 10: Produzir relatório anual de desmatamento.
Proposta 11: Aumentar as sanções, em nível econômico, fundiário e criminal a agentes que promovam ou permitam o desmatamento ilegal em toda ou em parte de suas propriedades.
Proposta 12: Criar mecanismos para valorizar as boas práticas e a regularidade ambiental.
Proposta 13: Promover o incremento em larga escala de estoques florestais para múltiplos usos.
Proposta 14: Aumentar em 10 vezes a área de manejo florestal sustentável rastreada no Brasil, até 2030, e coibir a ilegalidade de produtos florestais madeireiros provenientes de florestas nativas.
Proposta 15: Desenvolver projeto pré-competitivo de desenvolvimento da silvicultura de espécies arbóreas nativas do Brasil.
Proposta 16: Tornar a agropecuária de baixo carbono majoritária em todo o Brasil.
Proposta 17: Estabelecer padronização global de biocombustíveis e promover uma política nacional de valorização da produção de biocombustíveis e bioenergia.