Se sobram desafios para se empreender em sustentabilidade no Brasil, também não faltam soluções para driblar as dificuldades
O Brasil está longe de ser um país que incentiva a inovação para a sustentabilidade. Os percalços dos empreendedores que buscam esse direcionamento são inúmeros e vão desde as dificuldades para encontrar apoio institucional e mecanismos de financiamento até a inexistência de uma cultura, por parte do consumidor, que premie e encoraje as empresas que trabalham com esse propósito. Em um cenário econômico como o atual, crescem os riscos e as inseguranças de quem resolve enveredar-se pelo terreno vasto, mas ainda não tão valorizado, da sustentabilidade. Há uma lacuna no que se refere à integração de políticas públicas voltadas para esse nicho e não há indícios claros de que isso vá mudar no curto prazo. Mas nem tudo são más notícias.
A saída pode estar nos movimentos de mercado, como o de grandes empresas que estão buscando inserir os pequenos negócios inovadores em suas cadeias produtivas, nas iniciativas governamentais de promoção e fomento à exportação, e no movimento das chamadas aceleradoras de negócios sociais. Essas aceleradoras têm realizado um trabalho múltiplo de mentoring [1] de start-ups e pequenas empresas que empreendem com cunho socioambiental e, em muitos casos, até fornecem o capital necessário para fomentar suas atividades.
[1] Pode ser traduzido como tutoria, mentoria ou apadrinhamento. É uma ferramenta de desenvolvimento profissional e consiste em uma pessoa experiente ajudar outra menos experiente
“A pessoa que empreende em sustentabilidade no Brasil hoje é o mais sonhador entre os sonhadores. Ele cria seu negócio sabendo que tem potencial para gerar impacto social, mas precisa encontrar outros argumentos de venda para tornar sua empresa rentável”, afirma Taíla Lemos, diretora da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei).
Lemos coordena o Comitê de Interação Grande MPME da Anpei, que busca aproximar micros, pequenas e médias empresas das grandes companhias para que possam fazer negócios. Na sua avaliação, falta uma política de Estado com o objetivo de apoiar, dar crédito e facilitar a vida dos empreendedores da sustentabilidade.
“Não temos hoje uma política de incentivo à inovação voltada para sustentabilidade, nem uma legislação que seja indutora nesse sentido. As empresas nascentes com produtos sustentáveis que quiserem se inserir no mercado precisam enfrentar a concorrência com as que não têm esses atributos e acabam oferecendo preços mais convidativos”, afirma a diretora.
Com 250 associados, a Anpei atua em instâncias de governo e no setor produtivo. Entre as pautas, estão a luta contra o contingenciamento dos recursos para a área de ciência, tecnologia e inovação, o aprimoramento do sistema de proteção intelectual brasileiro e a capacitação de recursos humanos para a inovação
Um exemplo disso está no mercado de madeira nativa. As empresas que buscam certificações ambientais para comercializar a madeira tropical, como o selo Forest Stewardship Council (FSC), enfrentam a concorrência direta da madeira extraída da Floresta Amazônica sem padrões de manejo sustentável e – o que é pior –, muitas vezes concorrem com a madeira extraída ilegalmente de áreas públicas, que chega ao mercado consumidor com preços mais baixos. Essa é uma das razões pelas quais as áreas de florestas nativas certificadas com o selo FSC vêm diminuindo no Brasil – hoje são 1,4 milhão de hectares, mas já foram de 2,7 milhões de hectares entre 2008 e 2009. “Não há novas certificações para áreas de floresta nativa sendo emitidas, o que significa que os mercados consumidores continuam sendo abastecidos com um volume grande de madeira que pode ter origem ilegal”, afirma Fabíola Zerbini, secretária-executiva do FSC Brasil.
Por outro lado, a certificação cresce em áreas de florestas plantadas (eucalipto e pinus), especialmente entre os pequenos produtores. Isso porque as grandes empresas do segmento de papel e celulose, como Klabin, Suzano, Fibria e Duratex buscam aumentar a base de fornecedores com selo socioambiental. Este é um exemplo claro do movimento dos grandes que empurram os pequenos para práticas mais sustentáveis, com a finalidade de atender a uma demanda de mercado. Hoje, dos 4,8 milhões de hectares de florestas plantadas certificados com FSC no Brasil, em torno de 48 mil hectares são terras que pertencem a pequenos produtores. Até 2020, a meta da organização é quintuplicar o número de pequenos produtores certificados, o que deve fazer com que 90% da cadeia de celulose e papel no Brasil possa ostentar o selo verde.
PARA EXPORTAÇÃO
Enquanto alguns mercados do exterior aumentam as exigências em relação a padrões de sustentabilidade e inovação, a Agência Brasileira de Promoção das Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) quer ajudar as pequenas empresas nacionais a alcançar esses requisitos e assim, a fechar mais negócios. Nesse sentido, foi realizado um evento em outubro em São Paulo com a proposta de aproximar multinacionais, investidores de start-ups e pequenas e médias empresas inovadoras. Gigantes como IBM, Microsoft, Samsung, Intel, GE e Philips – várias dessas empresas com fundos próprios de investimento (venture capital) para start-ups inovadoras – apresentaram sua percepção sobre que tipo de inovação o mundo está buscando, e como as empresas brasileiras podem suprir essa necessidade e se reinventar.
Encontrar oportunidades na crise parece ser a motivação de muitos brasileiros que optam por abrir seu próprio negócio. E cada vez mais as pessoas empreendem por oportunidade no lugar de necessidade, segundo o último relatório do Global Entrepreneurship Monitor (GEM), sobre empreendedorismo no Brasil, publicado em 2014. Segundo o estudo, a proporção de empreendedores por oportunidade no País equivale a 70,6%, enquanto 29,4% o fazem por necessidade. Há pouco mais de dez anos, a proporção era inversa.
Não há estudos sobre o percentual de empreendedores no País que escolhem negócios pautados pela sustentabilidade. Mas o perfil desse novo empresário é de alguém que enxerga oportunidades onde talvez um olho menos treinado não conseguiria ver. “São pessoas atentas a um contexto global com abertura a modelos de negócios baseados nos conceitos da nova economia, como colaboração e design verde”, diz Álvaro Almeida, empresário que trouxe para o País o Sustainable Brands 2015, evento internacional que reuniu vários negócios com essa motivação.
OPORTUNIDADES ÚNICAS
Para Almeida, empreender no Brasil não é uma tarefa fácil, mas abrir um negócio sustentável é entrar em espaços em que ainda não foram ocupados. “É diferente de abrir uma padaria”, diz. Segundo ele, o atual momento não deve desencorajar os empreendedores que buscam negócios com perfil social ou ambiental, já que existem oportunidades de atuação únicas nesses campos.
No entanto, os empreendedores da sustentabilidade também enfrentam desafios comuns a qualquer tipo de negócio, como custos altos, burocracia e dificuldade de acesso ao crédito. Outros empecilhos são a falta de uma lei que beneficie as start-ups que trabalham com produtos mais sustentáveis, além da tributação em cascata que incide quando a empresa trabalha com resíduos e reciclagem, por exemplo.
Existem caminhos para as micros e pequenas empresas inovadoras buscarem recursos – a fundo perdido ou crédito com juros mais amigáveis em órgãos de amparo à pesquisa. Um exemplo é a Financiadora de Estados e Projetos (Finep), empresa pública de fomento à inovação vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que vem reformulando seus programas para atender às pequenas.
Hoje a instituição possui dois programas voltados a pequenas e médias empresas inovadoras. O Inovacred, criado em 2012, oferece financiamentos a empresas com receita operacional bruta anual de até R$ 90 milhões, para aplicação no desenvolvimento de novos produtos, processos ou serviços. Esse apoio é concedido de forma descentralizada, por meio de 16 agentes financeiros que assumem o risco das operações. O outro programa é o Tecnova, também lançado em 2012, voltado para os negócios iniciantes, com faturamento anual de até R$ 3,6 milhões. Nesse caso, os recursos são oferecidos a fundo perdido por meio de agências de amparo à pesquisa e, para participar, as empresas devem se inscrever nos editais.
Mesmo com disponibilidade de recursos, o Inovacred demorou a decolar, reconhece Marcelo Camargo, gerente do departamento de produtos financeiros descentralizados da Finep. A falta de conhecimento das empresas sobre o programa, aliada à burocracia para acessar os recursos eram fatores que afastavam as pequenas. Algumas mudanças, entre elas um trabalho de capacitação dos agentes financeiros e maior participação da Finep em congressos e seminários voltados à inovação deram impulso ao programa. Entre 2012, quando foi lançado, até abril de 2014 apenas 23 contratos haviam sido assinados, com R$ 30 milhões em financiamentos.
Este ano, o programa alcançou R$ 240 milhões em recursos alocados em 140 projetos. “A contratação de projetos cresceu este ano, a despeito da retração da economia. Ciência, tecnologia e inovação não são despesas, são investimento para uma saída mais rápida da crise”, diz Camargo. Com 19 editais lançados, o programa Tecnova alocou R$ 160 milhões em 560 projetos.
Nenhum dos dois programas da Finep, contudo, possuem o recorte da inovação em sustentabilidade – embora várias das empresas apoiadas tenham um pé nesse nicho. É o caso da Amazon Dreams, pequena empresa criada em 2002 por pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) com o propósito de desenvolver produtos ricos em antioxidantes a partir de frutos e folhas da região amazônica, tendo como destaque o açaí.
Apoiada pelo programa Tecnova, a empresa desenvolveu o clarificado de açaí (suco concentrado da fruta), o açaí purificado (em pó, atrativo em razão do rendimento e da rentabilidade) e o óleo refinado do açaí – a tecnologia empregada pela empresa permite um grau de pureza dos antioxidantes de até 70%, marca inédita no país. A matéria-prima é fornecida por cooperativas de extrativistas do Pará, o que garante uma fonte de renda para famílias de comunidades ribeirinhas.
“Tanto o Inovacred quanto o Tecnova privilegiam vocações regionais e empresas de base tecnológica. Hoje 40% dos recursos são destinados para micros, pequenas e médias empresas do segmento de TI, mas há oportunidades para as empresas que trabalham com apelo socioambiental”, diz Camargo.
Outra tendência de apoio aos pequenos negócios é a das chamadas aceleradoras, que oferecem serviços de consultoria para empresas com propósito social, ajudando-as a desenvolver e colocar em prática seus modelos de negócios. Também podem atuar como agentes de financiamento para os pequenos negócios.
Há dois anos no Brasil, a Yunus Negócios Sociais é um exemplo. A unidade brasileira faz parte da empresa global Yunus Social Business Global Initiatives, fundada pelo Nobel da Paz Muhammad Yunus, fundador do Grameen Bank, de Bangladesh. Desde o início de suas atividades, a subsidiária brasileira já apoiou 28 negócios com mentoring e está captando recursos para o primeiro fundo destinado a financiar negócios sociais – a meta é conseguir R$ 40 milhões até o primeiro trimestre de 2016.
Muhammad Yunus criou o conceito de negócios sociais e disseminou o conceito do microcrédito, mecanismo financeiro que possibilitou a saída de milhões de pessoas da extrema pobreza em todo o mundo. Além do Brasil, a Yunus Social Business Global está presente no Haiti, Albânia, Tunísia, Uganda, Colômbia, Índia e México
A Yunus busca soluções de negócios que sejam replicáveis (que possam ser “copiadas” e aplicadas em outras regiões) e escaláveis – com potencial para atingir o mundo todo, tal como um aplicativo para celular, por exemplo. “Olhamos para a capacidade de o empreendedor ser aberto a sugestões, para o potencial de ser um negócio viável financeiramente e para o potencial impacto para a solução de um problema social ou ambiental”, diz Rogério Oliveira, cofundador da Yunus Negócios Sociais Brasil. Entre os negócios apoiados, estão soluções na área de alimentação, saúde e tecnologia da informação.
Não há carência de boas ideias para empresas de base sustentável no País. Há, talvez, pouco preparo e conhecimento de muitos empreendedores para fazer seus negócios tomarem corpo em meio a um contexto pouco abonador. Tal como expresso nas palavras de Guimarães Rosa, a vida do empreendedor da sustentabilidade no País é um eterno “esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.
Os chamados “investimentos de impacto” em negócios sociais são incipientes. Os fundos com esse perfil gerenciam um capital da ordem de US$ 177 milhões, com expectativa de crescer mais US$ 150 milhões em recursos até o final de 2015, de acordo com o “Mapa do Setor de Investimento de Impacto no Brasil”, estudo realizado pela Aspen Network of Development Entrepreneurs
O Sistema B: inovando na gestão
Recentemente o mundo dos negócios no Brasil tomou conhecimento da existência do chamado Sistema B, ou B Corporation, movimento fundado há oito anos nos Estados Unidos com o objetivo de certificar as empresas que praticam uma gestão voltada a benefícios sociais. Tudo começou com o B-Lab, o Benefit Laboratory, criado por três empreendedores americanos – Jay Cohen Gilbert, Bart Houlahan e Andrew Kassoy, que fundaram a AND 1, empresa especializada em acessórios para a prática de basquete. A empresa possuía uma gestão diferenciada, com inúmeros benefícios e políticas de bem-estar para os funcionários, tais como aulas de yoga e horários flexíveis. Após vender a empresa, eles perceberam que o grupo comprador estava mudando os conceitos e retirando vários dos benefícios.
Surgiu então a ideia de fundar o B-Lab para ajudar os negócios a pensar como eles podem gerar benefícios para o mundo. O movimento chegou à América Latina há quatro anos, a princípio no Chile e Argentina, e no Brasil foi estabelecido há dois anos, com o nome de Sistema B. Para se certificar, a empresa precisa passar por uma avaliação de impacto com 160 perguntas, que avalia de forma integral aspectos como o processo de seleção de fornecedores, a diferença na remuneração dos altos cargos em relação aos cargos da base, o uso de energias renováveis, as boas práticas de transparência e governança e a cultura de pertencimento dos funcionários em relação à estratégia da empresa.
A pontuação vai de 0 a 200 – a partir de 80 pontos, é passível de certificação como Empresa B. Embora na sua origem a certificação B seja voltada para micros, pequenos e médios negócios, no Brasil a principal companhia certificada é a Natura – por sinal, a maior empresa do mundo a ostentar o título. “O Sistema B utiliza métricas e indicadores para uma economia mais humana, sustentável e inclusiva, mas o mais interessante é o movimento de criar uma cultura de usar o negócio como uma força para fazer o bem”, explica Tomás de Lara, co-líder do Sistema B no Brasil. Segundo ele, a certificação busca trazer um novo conceito de sucesso nos negócios, baseado no bem-estar das pessoas, da sociedade e da natureza.