Com soluções socioambientais se disseminando na sociedade, aumenta o risco das empresas que se recusam a sair da zona de conforto
Elas estão nos relatórios das empresas, nos discursos dos governos, nos estudos da academia, no noticiário e até nos slogans de propagandas na televisão. Estamos falando de duas palavras, femininas e contemporâneas, frequentes no vocabulário de profissionais que se dizem modernos e antenados com o futuro: “inovação” e “sustentabilidade”, ícones da busca por soluções econômicas, ambientais e sociais para um planeta em xeque. Expressões que encontram na lógica dos negócios caminho fértil para se incorporar à sociedade, mudar práticas e valores e, assim, superar a efemeridade da moda.
Consolidar a união dos dois conceitos no cenário brasileiro como força motriz de desenvolvimento econômico, de transformações socioambientais e de competitividade no mercado é um dos objetivos do Guia de Inovação para Sustentabilidade em Micros e Pequenas Empresas – iniciativa do Centro de Estudos em Sustentabilidade (FGVces), da FGV-Eaesp ‒, que em sua primeira edição destaca 11 negócios com potencial de fazer a diferença na escalada da economia verde e inclusiva. “Surgem oportunidades para soluções voltadas para a melhoria ambiental e social, inclusive na perspectiva da internacionalização”, ressalta Adriana Rodrigues, gerente de sustentabilidade da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil).
O debate do aquecimento global turbina o movimento da inovação, tendo em vista as possíveis regulações e novos rumos de investimentos que a Conferência da ONU sobre clima pode trazer em dezembro. Para Steven Stone, chefe da divisão de Economia e Comércio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), “o caminho de mudanças é inevitável e irreversível”. Virá pelo bem, para quem se antecipar e ocupar espaços no mercado; ou pelo mal, no caso dos altos investimentos para o conserto de danos ambientais e a reconstrução da imagem perante a sociedade, alerta Stone.
Em síntese: negócios alinhados aos passos transformadores da nova economia terão mais chances de prosperar. Para o físico Fritjof Capra, liderança mundial do pensamento sistêmico que recentemente fez palestra para microempreendedores brasileiros a convite do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), “o único tipo de inovação viável no futuro é aquele padronizado de acordo com a natureza”. No entanto, em sua análise, “a maioria dos economistas ainda tem a ilusão de que o crescimento infinito será possível num planeta finito”.
O planeta vive um momento de preparação para rupturas – o que não é, propriamente, um processo atual. A arte de se reinventar acompanha as civilizações desde quando o homem primitivo migrou do sistema “caçador-coletor” e dominou a prática de plantar e criar animais para então constituir sociedades complexas, fixando-se no solo, erguendo cidades e estabelecendo práticas de troca e comércio. A História mostra que sucessivos movimentos de ruptura tecnológica desencadearam mudanças no modo de ser e viver ao longo da evolução humana, conforme dizia o antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997).
A Revolução Industrial moldou padrões de produção e consumo que persistem até hoje, seguindo os ditames do capitalismo. Para supri-los, a exploração dos recursos do planeta superou os limites sustentáveis, o que, segundo analistas ligados a organismos da ONU, exige uma mudança de paradigma. O alerta vem desde 1972, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, e ganhou força ao longo das décadas a partir de dados científicos sobre os impactos das atividades humanas.
CORRIDA PELA SOBREVIVÊNCIA
O tema saiu do gueto ambientalista e, aos poucos, entrou para o mundo corporativo. “Trata-se de um profundo dilema, porque o sistema predominante de desenvolvimento social e econômico permanece em grande parte alheio ao risco de desastres ambientais induzidos pelo homem em escala planetária”, destaca o estudo Planetary Boundaries: Exploring the Safe Operating Space for Humanity, publicado neste ano pelo Stockholm Resilience Centre, da Suécia.
De acordo com a Global Footprint Network (GNF), organização internacional que mede a pegada ecológica de países, cidades e atividades econômicas, o consumo de recursos já atingiu 50% além do que a natureza é capaz de fornecer. Em outras palavras: seria necessário um planeta e meio para sustentar esse estilo de vida. Como resposta, há pressões de mercado para premiar a produção com critérios de sustentabilidade e penalizar quem degrada ou usa energia e outros recursos de maneira ineficiente.
O diferencial brasileiro está, principalmente, no potencial dos estoques naturais. Com território que ocupa quase a metade da América do Sul, o País é dono da maior floresta tropical do planeta e de 20% do total de espécies biológicas, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente. Isso sem falar das riquezas contidas no oceano ao longo de 7,4 mil quilômetros de litoral e das várias paisagens que guardam uma vasta sociobiodiversidade [1].
[1] É representada por mais de 200 povos indígenas e diversas comunidades quilombolas, caiçaras, ribeirinhas e seringueiras, detentores de conhecimento tradicional sobre o uso da natureza
Além do uso sustentável desse patrimônio como solução para valorizá-lo e conservá-lo, há uma frente de oportunidades para boas ideias voltadas para a produção agrícola e industrial de baixo impacto. Mas o Brasil bebe pouco dessa fonte. Indicativo do atraso é o 61º lugar ocupado pelo País no The Global Innovation Index 2014. “Somos uma das dez maiores economias do mundo e estamos entre os 15 países de maior produção científica, mas não vamos bem na inovação como negócio”, admite Armando Milioni, secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Para ele, a razão não está no domínio do conhecimento ou na disponibilidade de instrumentos de fomento, “mas na nossa cultura como sociedade, que exige décadas de educação para mudanças”.
A esse cenário soma-se a falta de recursos: “Investimos 1,25% do PIB em pesquisa e inovação e estamos longe da meta dos 2%, que é a referência global”, afirma Milioni. A defasagem se reflete na origem dos investimentos no setor – 55% públicos e 45% privados, perfil inverso ao de países ricos e emergentes. Na tentativa de mudar a curva, o governo criou em 2013 a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), destinada a apoiar instituições de reconhecida competência em determinadas áreas científicas para a execução de projetos em cooperação com indústrias. Os investimentos [2] são divididos igualitariamente entre governo federal, centro de pesquisa e empresa.
[2] No primeiro semestre de 2015, foram aplicados R$ 27 milhões, com ênfase em automação e sistemas inteligentes
“É urgente retirar subsídios de atividades intensivas em carbono e assim promover inovações limpas, sem esperar por estabilidade econômica para retomar investimentos ambientais”, avalia Jacques Marcovitch, professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo e membro do Conselho Superior do Graduate Institute of International and Development Studies (IHEID), em Genebra. Ele cita o recente estudo do New Climate Economy, projeto mantido por líderes globais de governos e empresas, que identificou objetivos prioritários de cooperação: acelerar o desenvolvimento da economia de baixo carbono nas cidades, restaurar florestas e áreas degradadas, investir pelo menos US$ 1 trilhão por ano em energias renováveis, melhorar os padrões de eficiência energética, implantar a precificação de carbono e investir em obras de infraestrutura com “inteligência climática”. As oportunidades incluem a adoção de modelos produtivos inovadores, como o da economia circular [3].
[3] A economia circular minimiza recursos e uso de energia e maximiza a reciclagem, podendo acrescentar até US$ 1 trilhão na economia mundial em 2025
A EXPLOSÃO DAS START-UPS
Recente estudo da ONU indica que o número de empresas “ecoinovadoras” cresce em média 15% ao ano, no mundo. A tendência ocorre no rastro de políticas de sustentabilidade de grandes companhias globais que demandam soluções – seja para reduzir químicos poluentes, seja para controlar a origem de seus produtos. “A inovação é irmã gêmea da sustentabilidade”, destaca Jorge Soto, diretor de desenvolvimento sustentável da Braskem, indústria química brasileira. “As possibilidades não se limitam a trazer produtos inéditos: novos processos e novas formas de fazer negócio são fundamentais.”
Aspirar, escolher, descobrir, desenvolver, acelerar, escalar, ampliar e mobilizar são os verbos mais importantes do vocabulário da inovação, segundo pesquisa da consultoria McKinsey com lideranças globais do setor. A estratégia atual é disseminar conhecimento e não guardá-lo em caixas-pretas – tendência que tem levado empresas de grande porte a se tornarem clientes de start-ups [4]. Levantamento da Fundacity indica que 200 start-ups brasileiras receberam investimento total de R$ 170 milhões no primeiro semestre deste ano, com destaque para as áreas de educação, saúde e internet das coisas [5].
[4] Negócios nascentes criados por pequenos empreendedores que têm boas ideias e necessitam de capital de risco para desenvolvê-las e colocá-las no mercado
[5] Tecnologia por meio da qual os objetos do dia a dia são conectados à rede, enviando dados sobre seu uso para os algoritmos que regem sua gestão e interligando-os de modo sensorial e inteligente
“É preciso entender o contexto dos riscos ambientais e sociais e reorientar os negócios através da inovação”, recomendou Alejandro Litovsky, diretor da empresa de consultoria Earth Security Group, durante a conferência Sustainable Brands, no Rio de Janeiro. Na ocasião, Fred Gelli, diretor de criação da Tátil Design de Ideias, foi taxativo: “Marcas que não entendem essa nova dimensão e não geram valor para sociedade deixarão de ser relevantes”. Para ele, “quem estava na zona de conforto agora é desafiado a se reinventar”.
A questão não se restringe a inovar para reduzir custos e falhas na produção. Tampouco a melhorar o velho. Para muitos especialistas, os apelos ambientais e sociais não raro exigem ruptura, a chamada inovação disruptiva. Mas Andrew Hargadon, professor da Universidade da Califórnia, pensa diferente. No livro Sustainable Innovation: Build Your Company’s Capacity to Change the World, lançado este ano, o especialista em empreendedorismo e gestão de tecnologia diz que a chave está na “inovação recombinante”, definida pela habilidade de estabelecer conexões com a sociedade e lidar com diferentes pressões, com visão de contexto e de longo prazo.
Para Hargadon, a tarefa é complexa. Se o homem conseguiu fazer proezas com um telefone celular, por que não seria capaz de acabar com o problema da mudança climática, da fome e da miséria? Talvez a saída esteja em buscar mais soluções do que respostas. Como disse recentemente a editora-chefe da conceituada revista Science, Marcia McNutt, “a ciência brasileira precisa ser mais corajosa e ousada”. E fazer diferente para a preocupação ambiental sair dos discursos e gerar bons negócios.
Estrela dos ODS
A inovação está presente em 10 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
Globalmente, a agenda da inovação deverá ser pautada pela adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), lançados pela ONU em setembro para o planeta avançar no crescimento econômico integrado a melhores índices ambientais e sociais até 2030. Do fim da pobreza à segurança alimentar, redução da desigualdade e “acesso à energia barata, confiável, sustentável e moderna para todos”, os 17 objetivos foram construídos a partir de um processo global de debate. O nono objetivo menciona “construir infraestrutura resiliente, promover a industrialização inclusiva e sustentável, e fomentar a inovação”.
No rumo da economia verde, a nova agenda chega após a experiência global com os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), estabelecidos na virada do século com ênfase no combate a problemas sociais no horizonte de 2015. Como resultado da iniciativa, segundo o mais recente relatório de acompanhamento da ONU, de 1999 até agora o número de habitantes em pobreza extrema caiu de 1,7 bilhão para 836 milhões. No entanto, persiste o abismo de qualidade de vida entre pobres e ricos e entre zonas rurais e urbanas e a igualdade de gênero, apesar de alguns avanços, ainda é um objetivo distante.
A diferença em relação à agenda anterior é que agora as metas até 2030 envolvem todos os países, inclusive os ricos, com maior equilíbrio entre os temas ambientais, econômicos e sociais. “Para o nível de ambição se tornar factível, o processo precisar se vincular ao mundo dos negócios”, enfatiza Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). A inovação, em sua opinião, é “essencial para os objetivos saírem do plano genérico para o específico, chegando aonde o problema está”.
Na disputa por espaço no mercado que tende a se afastar da produção suja e nociva às condições sociais, empresas se veem obrigadas “não apenas a melhorar processos, mas a repensar padrões” – o que ocorre, conforme diz Grossi, a partir da base formada pelo conhecimento científico e políticas públicas. “O esforço vai além da tecnologia; está no modo diferente de ver as coisas e de construir nexos entre desafios como energia, água e alimentos.”
A necessidade de inovações está presente em 10 dos 17 ODS. “Se o acesso à tecnologia não for universal, o potencial de bem-estar pode se transformar em uma fonte de desigualdade”, adverte Piedad Martín, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, coordenadora de desenvolvimento regional para a América Latina e o Caribe.