A taxa de natalidade global está caindo a um nível sem precedentes. Dentro de dez anos, ela deverá estar abaixo de 2,1 – o mínimo para a reposição da população hoje existente. Nos anos 70, apenas 24 países, todos eles ricos, tinham taxas inferiores a 2,1. Hoje, eles são mais de 70 espalhados por todos os continentes, inclusive a África.
Segundo a revista The Economist , que trouxe uma matéria de capa a respeito na semana passada, a natalidade está despencando nos países em desenvolvimento à semelhança do que ocorreu durante a Revolução Industrial na Europa, durante o século XIX e o início do século XX.
“Entretanto, o mesmo fenômeno que levou 130 anos para evoluir na Grã-Bretanha, aconteceu em apenas duas décadas na Coréia do Sul”, diz a revista. A queda na fecundidade também é dramática em Bangladesh, na Rússia, na Indonésia, na China, no sul da Índia e, claro, no Brasil.
Mas o exemplo mais expressivo desse fenômeno é o Irã. As iranianas, que tinham, em média, 6,5 filhos nos anos 70, passaram a ter apenas 1,2 em 2001. Desde então, o índice de natalidade ficou mais ou menos nesse patamar. Para efeito de comparação, nós brasileiros estamos na faixa de 2.
Para entender melhor essa história, ouvi o iraniano Homayoun Kheyri, zoólogo, jornalista e bloggueiro premiado. Conheci Kheyri em Johanesburgo, durante a conferência da ONU que marcou os dez anos da Eco-92.
Ele revela como natalidade iraniana teve altos e baixos, ao sabor das flutuações da religiosidade do país.
“Depois da Revolução Islâmica de 1979, os programas de planejamento familiar passaram a ser vistos como influência ocidental indesejada e foram desativados. Os agentes de saúde receberam ordens de não promover a contracepção. Durante a Guerra Irã-Iraque (1980-1988), ter uma grande população era visto como uma vantagem pelos religiosos, de modo que os seus líderes, sobretudo o aiatolá Khomeini, promovia a reprodução como instrumento para a formação de um exército de 20 milhões de “soldados do Islã”. Tão logo a guerra terminou e os conflitos políticos com o Ocidente se ampliaram, de modo a esconder a derrota militar, as cidades superpovoadas sofreram com uma elevadíssima taxa de desemprego. Isso levou o país a mudar o seu objetivo, adotando o lema “um muçulmano mais rico é um muçulmano melhor”. Naturalmente, no entender do governo, riqueza significava menos gente.”
Em 1989 os programas de controle da natalidade voltaram à ativa e em 1993 foi aprovada legislação federal que incentivava o planejamento familiar. Um dos seus instrumentos era a eliminação da licença maternidade para mulheres que tivessem mais de três filhos. Recursos de diversos ministérios, inclusive os da Educação, Cultura e Saúde, foram mobilizados na campanha de estímulo à redução do tamanho das famílias. Os meios de comunicação foram incumbidos de conscientizar a população a respeito. Também houve uma multiplicação de clínicas especializadas, inclusive 15 mil unidades de apoio na área rural. Os recursos públicos economizados com a queda no pagamento de licenças maternidade foram utilizados para financiar esses programas educacionais.
O Irã também adotou uma grande variedade de métodos contraceptivos, da pílula ao ligamento de trompas, todos eles oferecidos gratuitamente à população. Ele foi, inclusive, o primeiro país muçulmano a adotar a vasectomia, que tem ganhado popularidade. Também foi pioneiro ao exigir que os casais participassem de uma aula sobre contracepção antes de receberem uma licença de casamento. Um dos pontos fortes do programa de planejamento familiar iraniano é, justamente, o envolvimento dos homens.
Os líderes religiosos participaram ativamente desse movimento, promovendo uma cruzada pelo redução do tamanho das famílias e falando a respeito em seus sermões semanais. Eles também estabeleceram fatwas, decretos religiosos de caráter jurídico, que permitiam e incentivavam o uso de todos os tipos de controle da natalidade. Vale lembrar que o Corão não faz nenhuma menção expressa à contracepção, de modo que a questão é tratada com alguma flexibilidade no mundo islâmico.
Além disso, o governo investiu na alfabetização feminina, de modo que a sua taxa passou de 25% em 1970 para mais de 70% em 2000. A porcentagem de mulheres que têm acesso à escolaridade subiu de 60% para 90%.
A queda global da natalidade – esmiuçada no exemplo iraniano – é prova de que nem só de desgraça vive a cobertura jornalística. Mas é importante lembrar que a inércia fará com que a população continue a crescer até 2050, quando deverá se estabilizar na faixa de 9,2 bilhões de pessoas. Ainda teremos de por muita água no feijão para alimentar tanta gente.