Pequenos negócios no Brasil ganham mais importância e os desafios deste século dão o tom das novas oportunidades
Ervas daninhas são uma ameaça à colheita. Os fazendeiros as arrancam e sentem-se aliviados em restabelecer a ordem e o controle sobre a plantação. Mas, nesse monó- tono e pouco diverso ambiente, não haverá adubo para a inovação. Victor W. Hwang, consultor do tema no Vale do Silício, compara empresas sem capacidade de inovar a monoculturas, enquanto ambientes propícios à criatividade lembram mais o cenário de uma floresta tropical. A diversidade e a imprevisibilidade das espécies que ali surgem abrem caminho para a inovação. Inovar é saber identificar de antemão qual erva daninha pode ser a boa ideia que mudará as regras do jogo.
E é melhor mudar logo. Em um mundo com o desafio de erradicar a pobreza e garantir prosperi- dade a 7,46 bilhões de habitantes com recursos naturais limitados, isso não será fácil [1]. A mudança exigirá mais eficiência para transformar esses recursos e atender às necessidades humanas.
[1] A Oxfam aborda os desafios de garantir um espaço seguro e justo para a humanidade, considerando os limites ambientais do planeta. Acesse aqui.
A agilidade para essa transformação pode ser encontrada nos pequenos negócios. Grandes empresas têm recorrido a start-ups para conseguir sobreviver. Alguns estudos mostram que mudanças na cadeia de valor estão fortemente relacionadas à inovação no modelo de negócios, um objetivo corporativo que tem sido perseguido à risca por empresas que encontram um mercado em constante transformação . Por exemplo, o mercado da música ao enfrentar a concorrência dos dispositivos e serviços de música digital nas últimas décadas, ou o setor de telecomunicações, que passou a ver a telefonia móvel e a indústria de computadores disputando o mesmo cliente assim que o iPhone chegou ao mercado.
Mas o Brasil precisa se apressar. Isso porque a inovação no País não anda lá muito bem ava- liada. Um relatório do Global Entrepreneurship Monitor (GEM) e do Fórum Econômico Mundial indica que a ambição de inovação empresarial do País é a mais baixa entre as nações estudadas. Essa pesquisa avalia especificamente o campo do empreendedorismo, partindo do princípio de que, quanto mais inovadores forem os novos empresários, mais competitiva será a economia.
POTENCIAL EMPREENDEDOR
Mas, embora os empreendedores não figurem neste estudo como protagonistas da inovação, não se pode ignorar seu imenso peso na economia brasileira. Pequenos negócios já somam 99% da quantidade de empresas do Brasil e são responsáveis por 52% dos empregos . A pesquisa internacional realizada anualmente pelo GEM compara o Brasil com cinco outros países semelhantes em aspectos socioeconômicos.
Um pouco mais da metade da população brasileira (55,5%) percebe boas oportunidades para start-ups na área onde vivem. Apenas os Estados Unidos (50,9%) e o México (48,9%) têm taxas comparáveis. Além disso, 50% da população afirma ter habilidades e experiência necessárias para se tornar um empreendedor. Novamente, o estudo destaca a visão positiva dos brasileiros sobre suas capacidades e habilidades, colocando-o atrás apenas dos EUA (53,3%) e México (53,5%), mais uma vez. Esses resultados situam o Brasil entre os países com os melhores níveis de percepções sobre as oportunidades empreendedoras.
O potencial empreendedor do brasileiro vai além. Sem medo de fracassar, a pesqui- sa do GEM indica também que para 60,9% da população a chance de insucesso não é uma razão para não empreender. Apenas a Alema- nha (36,4%) apresenta uma taxa mais baixa.
A jornada empreendedora guarda alguns obstáculos, como a burocracia, a ineficiência e a corrupção que, em certa medida, incentivam a informalidade de trabalhos e limitam o cres-
cimento das empresas. Mas a qualificação de mão de obra, antigo problema do País, tem melhorado. Nos últimos anos, o acesso ao ensino superior e técnico foi facilitado por meio de fi- nanciamento estudantil como o Fies e o Prouni, e programas como o Pronatec. Mesmo assim, as pesquisas indicam que são necessários mais investimentos emeducação de qualidade.
Embora haja ainda tantos desafios, algumas políticas de governo são ressaltadas pela pesquisa do GEM como grandes incentivos ao empreendedorismo no País. É o caso da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, o Microempreendedor Individual e, mais recentemente, o programa Start-Up Brasil e a expansão do Simples Nacional. Essas iniciativas representam um progresso na redução da burocracia, da complexidade e da carga tributária envolvidas na formalização das empresas de menor porte.
ECOSSISTEMAS
Com tanto potencial, por que não existe um Vale do Silício no Brasil? Em seu vídeo TED [2], Hwang questiona: “Como você cria ambientes para coletar ideias de uma floresta tropical e, ao mesmo tempo, lida com o fato de que o mercado e as empresas ainda são como as plantações, as monoculturas?”
[2] TED é a sigla para Technology, Entertainment and Design, iniciativa sem fins lucrativos que organiza conferências com o propósito de disseminar ideias
Para isso, é preciso fazer uso do ambiente da própria floresta, ou seja, do ecossistema da inovação. Esse termo corresponde a um exemplo bem-sucedido de aglomeração, seja ele geográfico, como o Vale do Silício, seja ele o polo tecnológico indiano de Bangalore, ou ainda plataformas virtuais, como aplicativos de negócios sem a necessidade de presença física em um determinado local e hora.
Nesses ambientes, diferentes atores – start-ups, grandes empresas, investidores, entidades de pesquisa, incubadoras, governo etc. – do ecossistema interagem e fazem a “mágica” acontecer. Mas a diferença está em quebrar zonas de conforto. Em visita ao Brasil, Hwang comentou que a natureza humana nos faz criar hábitos e rotinas que resultam em estruturas muito rígidas, afastando a intera- ção que alimenta esse sistema. “O que devemos pensar é como redesenhar a comunidade, onde as ervas daninhas positivas comecem a crescer novamente, criando os nutrientes para se tornarem as instituições do futuro.”
OPORTUNIDADE
Identificar as start-ups – ou ervas daninhas – que se tornarão as instituições do fu- turo é a missão deste Guia. Para isso, basta entender de que nutrientes elas se alimentam. Sergio Risola, diretor-executivo do Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec) e membro do grupo de especialistas que compõem o Comitê Seletor, acredita que a inovação para a sustentabilidade na grande maioria dos pequenos negócios já é parte do seu propósito inicial.
“Noventa por cento de todos os negócios inovadores e em todas as áreas do conheci- mento como Química, Energia, Saúde e Ele- trônica que chegam ao Cietec para avaliação apresentam um claro e forte viés para a sus- tentabilidade; mesmo aqueles relacionados a Tecnologias da Informação e Comunicação”, comenta Risola.
Uma pesquisa do Sebrae indicou que 48% das micros e pequenas empresas percebem a sustentabilidade como uma oportunidade aos seus negócios. As 22 empresas reunidas em duas edições do Guia são mais uma evidência dessa tendência.
“Exemplos como a Faex [destinada a tratar o desafio de pequenos geradores de resíduos perigosos, que fornece serviços para negócios cumprirem aspectos legais, normas e condições de responsabilidade ambiental, são fundamentais para permitir que seus clientes garantam sobrevivência e atendam mercados que compram de empresas com responsabilidade”, comenta Suênia Sousa, gerente do Centro Sebrae de Sustentabilidade.
Ela também faz parte do Comitê Seletor e destaca o caso da Quinta da Estância [projeto pedagógico que permite experiências vivenciais para aprendizados da sala de aula]. “A Quinta nasceu com uma estratégia de sustentabilidade em seu modelo de negócio, ocupando e crescendo dentro de critérios integrados de responsabilidade social, sendo detentora de prêmios internacionais que reconhecem sua forma de empreender”, comenta a gestora.
Rebeca Rocha, gerente da Aspen Network of Development Entrepreneurs (Ande) no Brasil, uma rede internacional de empreendedorismo, acredita que os pequenos negócios são importantes para trazer inovação e novas ideias para o mercado. Também integrante do Comitê Seletor, ela destaca os casos da BrasilOzônio [empresa que desenvolveu tecnologia capaz de gerar ozônio a baixos custos com diversas aplicabilidades] e da TerpenOil [fabricante de produtos de limpeza 100% naturais]. “Eles mostram a habilidade que os empreendedores têm de inovar, reduzindo custos, trazendo mais eficiência para o mercado”, observa.
LACUNAS E FUTURO
No filtro do Cietec, negócios voltados para a eficiência energética, uso racional da água, tratamento de resíduos e inovações no campo da saúde são cada vez mais frequentes. Mas Risola acredita que o empreendedor brasileiro deve também procurar oportunidades em áreas ainda muito carentes do País, como a infraestrutura urbana, especialmente em saneamento e habitação. “Aí reside um campo de grandes oportunidades, não totalmente presente na agenda de inovação, relegada ainda ao tradicional discurso político”, alerta.
Suênia Sousa vê também forte necessidade de encontrar no meio empreendedor brasileiro negócios que pensem em tornar as cidades mais resilientes, ou seja, soluções para a mobilidade urbana, bem-estar, atendimento aos idosos, pessoas com deficiência. “Em países que conseguiram estudar e implantar estratégias desse tipo, vemos uma densidade de pequenos negócios fornecendo serviços especialmente na indústria criativa, negócios digitais, ecoturismo, fornecimento e indústria de transformação para alimentos saudáveis, entre outros segmentos empresa- riais que surgem desta agenda de cidades inteligentes e sustentáveis”, diz.
Além dessa vertente, a inovação aberta pelos pares será cada vez mais um indutor de transformações na sociedade para que o avanço tecnológico aconteça na velocidade que precisamos .
Antigamente, a inovação era vista como um processo interno da empresa, limitado a seus funcionários e laboratórios. Hoje, ideias como a metáfora da floresta tropical, apresentada por Hwang, que valorizam o ecossistema da inovação, ressaltam a importância de a empresa conectar-se com o mundo lá fora, com instituições de pesquisa, fornecedores de diferentes portes e até mesmo com concorrentes, em uma tentativa de complementar esforços para a inovação. O exemplo da Tesla de abrir suas patentes de armazenagem de energia pode refletir em avanços tecnológicos decisivos em outros campos, como o uso de energia solar e eólica em todo o mundo.
O campo do empreendedorismo deverá também ser impactado por transformações que o setor de educação precisará fazer em seus cursos. O ensino em sala de aula aliado à experiência prática e vivência em campo serão capazes de formar de maneira mais adequada os alunos para a vida empreendedora, seja para uma carreira solo, seja para a carreira dentro das organizações sociais ou empresariais que precisam deste olhar em seu capital humano. “A tendência é que o empreendedorismo ocupe um posto principal na preferência das novas gerações”, acredita Risola, que vê essa transformação acompanhada de uma profissionalização da carreira de empreendedor, e uma abordagem mais estruturada por parte não apenas do ensino superior, como também do ensino técnico e na formação básica .
O Guia de Inovação para Sustentabilidade em MPE surgiu na academia como um projeto de pesquisa aplicada e com a ambição de contribuir na prática para o avanço do empreendedorismo na agenda do desenvolvimento sustentável. Segundo Risola, a marca Fundação Getulio Vargas (FGV) valoriza e dá credibilidade ao empreendedor. Rebeca Rocha destaca que o Guia posiciona os empreendedores que já estão inovando em sustentabilidade e contribui para aumentar o impacto de suas ideias.
Para Sousa, do Sebrae, a publicação reconhece os esforços das empresas diante dos de- safios da sustentabilidade e as ajuda a conhecer os gaps para uma atuação mais inovadora. Além disso, serve de inspiração a empresários, empreendedores, gestores de empresas públicas e privadas, pois dá luz a trajetórias empresariais que conseguiram ser protagonistas da agenda do desenvolvimento sustentável do País.
Muitas “ervas daninhas” estão brotando, inspiradas pelos desafios da sustentabilidade, e transformando a paisagem do País em uma “floresta tropical” composta de uma enorme diversidade de pequenos negócios.