Mais do que zerar o desmatamento ilegal na Amazônia, o “pulo do gato” para o Brasil contribuir de maneira decisiva na contenção do aumento da temperatura global está no controle da destruição legalizada da floresta, mostra estudo
De Bonn, Alemanha – Para o governo brasileiro, um dos esforços mais importantes do País para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) é o combate ao desmatamento na Amazônia. Isso porque a maior parcela do carbono emitido pelo Brasil está relacionada diretamente a atividades de mudança de uso da terra: segundo os dados mais recentes do Sistema de Estimativas de Emissões de GEE (Seeg) do Observatório do Clima, a destruição da floresta para transformação em pasto ou cultivo representa 51% das emissões nacionais (saiba mais).
Esse número deixa clara a importância da questão do desmatamento nos esforços de mitigação da mudança do clima no Brasil. Uma das metas definidas pelo País junto ao Acordo de Paris em 2015 é zerar o desmatamento ilegal (ou seja, o corte ilegal de mata nativa) na Amazônia até 2030. Segundo o governo brasileiro, essa medida será fundamental para que possamos cumprir nosso objetivo de redução de emissões dentro do tratado: 37% até 2025 com relação a 2005, com possibilidade de reduzir em 43% até 2030.
Porém, um estudo divulgado nesta semana durante a Conferência do Clima de Bonn (COP 23) apontou que, para que os esforços tenham o efeito pretendido, a destruição da floresta amazônica precisa ser zerada muito antes do prazo definido pelo governo. Mais importante, o desmatamento legalizado – aquele que acontece de acordo com o previsto pela legislação – também precisa ser neutralizado.
Preparado pelo Grupo de Trabalho pelo Desmatamento Zero, composto por especialistas do Greenpeace Brasil, Instituto Centro de Vida (ICV), Imazon, IPAM, Instituto Socioambiental, WWF Brasil e TNC Brasil, este relatório indica possíveis caminhos para zerar o desmatamento na Amazônia brasileira, com benefícios ambientais, econômicos e sociais para a região, o País e o mundo.
Amazônia como ícone do controle e do descontrole do desmatamento
Quem acompanhou a trajetória do combate à destruição florestal na Amazônia na última década entende que os desafios para a conservação do principal bioma do Brasil são imensos, mas que podem ser superados com persistência, inteligência e fiscalização. Exatamente por isso, a floresta carrega um simbolismo grande dentro e fora do País.
“É lá [na Amazônia] que estão as experiências que demonstram que a destruição ambiental pode ser vencida, mas é também lá que essa destruição segue em velocidade assustadora e explode a qualquer distração, vitimando a sociedade amazônica, o país e o mundo”, apontam os autores no sumário executivo do estudo.
“A Amazônia é um verdadeiro símbolo do meio ambiente, um exemplo do que está acontecendo com as florestas ao redor do mundo e da importância de protegermos as florestas na luta contra a mudança do clima”, afirmou Paulo Adario, do Greenpeace International, e um dos fundadores da organização no Brasil, em coletiva de imprensa sobre o estudo realizada em Bonn na última terça (14/11).
De acordo com o estudo, a economia brasileira não se beneficia da destruição da floresta amazônica. Apenas neste bioma, a área de mata destruída já equivale a duas vezes o território da Alemanha. Desse total, 65% é utilizado para pastagens de baixa eficiência (menos de um boi por hectare).
O ganho econômico que novas áreas desmatadas agregam ao PIB brasileiro é igualmente ínfimo: a parcela de floresta destruída entre 2016 e 2017 (cerca de 7,5 mil quilômetros quadrados) adicionou apenas 0,013% ao total da economia do país no mesmo período.
Além disso, a agropecuária não necessita de mais área florestal desmatada para aumentar sua produtividade. Segundo o relatório, somente na Amazônia, há 10 milhões de hectares de pastagens abandonadas ou mal aproveitadas, que poderiam ser utilizadas para pecuária e para agricultura.
Ainda assim, o ritmo de destruição da Amazônia persiste, mesmo que em ritmo menor nos últimos meses, e os impactos disso vão muito além da questão climática. “O desmatamento reflete uma situação política, econômica e social bastante agravada na região amazônica”, alertou Maurício Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil. “Somente no último ano, tivemos 61 ambientalistas e líderes comunitários e indígenas assassinados por conta de conflitos fundiários no interior do País. Infelizmente, o Brasil é hoje o líder mundial em morte de ambientalistas”, disse.
Eixos de ação para zerar o desmatamento na Amazônia
De acordo com o estudo, as medidas para viabilizar o fim da destruição florestal na Amazônia brasileira precisam se organizar em torno de quatro eixos: a implementação de políticas públicas ambientais efetivas e perenes; o apoio a usos sustentáveis da floresta e melhores práticas agropecuárias; a restrição drástica do mercado para produtos associados a novos desmatamentos; e o engajamento de eleitores, consumidores e investidores nos esforços de zerar o desmatamento.
No plano da ação pública, medidas de fiscalização e comando e controle continuam sendo essenciais, mas precisam ser complementadas com a retomada das demarcações de novas unidades de conservação e de territórios indígenas, além de reforçar o nível de proteção nas unidades já existentes.
Porém, mais do que continuar com a presença impositiva do Estado, o poder público precisa criar incentivos para o desenvolvimento de uma economia florestal que sustente a “floresta em pé” e para apoiar práticas inovadoras de agricultura e pecuária na região, além de orientar esforços em prol da recuperação de áreas desmatadas e degradadas – outra meta prevista dentro das contribuições do País para o Acordo de Paris.
“A economia da restauração florestal pode ser uma agenda importante para promover o desenvolvimento da região”, argumentou Juliana Speranza, pesquisadora do WRI Brasil. “Temos espaço para crescer em termos de tecnologia dentro dessa agenda, que pode ser uma oportunidade para viabilizar uma economia de baixo carbono no Brasil”.
Já no contexto da iniciativa privada, a ampliação de medidas que vêm sendo implementadas aos poucos no Brasil é um caminho para engajar o setor em prol do desmatamento zero. Ações de monitoramento da cadeia de suprimentos relacionadas à agricultura e pecuária, visando restringir a compra de produtos gerados em áreas desmatadas ilegalmente, podem ser eficientes nessa tarefa. Um exemplo de sucesso nesse campo é a Moratória da Soja, uma iniciativa que reúne poder público, sociedade civil e empresas com o compromisso de boicotar a compra e o consumo de soja produzida em área desmatada sem autorização.
Por fim, a sociedade também tem um papel importante enquanto fator de pressão sobre governos e empresas. Além de demandar políticas públicas alinhadas com o desmatamento zero, os cidadãos também podem utilizar seu poder de consumo para incentivar o setor privado a orientar seus esforços produtivos para o mesmo objetivo.
Os obstáculos para o desmatamento zero
Os autores do estudo destacam que as medidas propostas para viabilizar o desmatamento zero na Amazônia não são inéditas no Brasil. Na última década, ações como a Moratória da Soja e o reforço nos sistemas de monitoramento e ação de campo contra o desmatamento permitiram que o País conseguisse reduzir o ritmo de destruição da floresta em mais de 70% desde 2004.
No entanto, o cenário político atual no Brasil representa um dos principais problemas para viabilizar esforços mais integrados e ambiciosos rumo ao desmatamento zero na floresta amazônica.
“O governo brasileiro carece de uma visão sobre desenvolvimento para a Amazônia enquanto floresta”, afirmou Maurício Voivodic. “Seu único interesse parece ser em apenas transformá-la em terreno para o pasto e a lavoura. Precisamos gerar as bases para uma economia florestal, para um projeto de desenvolvimento que esteja associado à preservação da floresta”.
“Temos um problema de disciplina na discussão sobre desmatamento no Brasil”, ponderou Paulo Barreto, do Ipam. “Como temos uma bancada ruralista forte no Congresso hoje, existe a sensação de que qualquer obstáculo para os desmatadores pode ser revertido com uma mudança na legislação, de que não tem problema continuar desmatando, pois os parlamentares podem mexer na lei”.
O estudo Desmatamento zero na Amazônia: como e por que chegar lá está disponível no site do Ipam em versão integral e sumário executivo.