O cinquentenário de 1968 tem outros importantes motivos para ser lembrado: avanço da consciência ambiental, assinatura do tratado para não proliferação das armas e o alerta sobre os efeitos da demografia na corrosão das bases do Sistema Terra
1968 foi realmente um ano muito especial. Tão extraordinário que merece mesmo ser chamado de “o ano que não terminou”, ou de “o ano que balançou o mundo”, dois títulos da pilha de livros consagrados ao tema. Nada mais normal, então, que nos dois primeiros meses deste ano de comemoração de seu cinquentenário as mídias já tenham consagrado a tal efeméride uma imensa profusão de excelentes reportagens, entrevistas e análises.
O problema é que em qualquer ano sempre ocorrem inúmeras coisas, e muitas mais ocorreram naqueles 366 dias tão excepcionais. Daí porque a questão talvez só possa ser razoavelmente abordada em longa enciclopédia. Porém, isso não deve servir de desculpa para que, infelizmente, três dos mais impactantes fatos estejam sendo esquecidos.
Foi em 1968 que o mundo realmente acordou para o risco da hecatombe ambiental que seria provocada pelo uso das armas nucleares acumuladas na primeira fase da Guerra Fria. É verdade que só quinze anos depois pôde-se assistir ao chocante filme de ficção científica intitulado O Dia Seguinte. Também é sabido que a mais alta probabilidade de um segundo recurso à bomba atômica já havia ocorrido seis anos antes, durante os treze dramáticos dias de confronto entre os Estados Unidos e a União Soviética por causa da instalação de mísseis balísticos em Cuba. Todavia, foi sim em 1968 que os arsenais das duas potências atingiram níveis até ali inimagináveis, e é do 1º de julho desse ano o tratado de não proliferação das armas nucleares (TNP).
Os intensos debates públicos sobre a necessidade de que tão insana escalada fosse interrompida por amplo acordo plurilateral lançaram as primeiras sementes do que hoje em dia é trivialmente chamado de “consciência ambiental”. Mas não de forma isolada, pois essa seríssima preocupação com o risco nuclear foi simultânea e imbricada em um outro alerta de “bomba”, a populacional. É preciso lembrar que também foi em 1968 que o biólogo Paul Ralph Ehrlich chamou a atenção para a corrosão da habitabilidade do planeta com sua controversa obra The Population Bomb.
Claro, não demorou muito a comprovação de que o acesso das mulheres à educação desarma a bomba de Ehrlich ao engendrar rápidas quedas das taxas de natalidade. O que evidentemente joga água do moinho dos que o catalogaram de ecólogo neomalthusiano. No entanto, mesmo que a expansão demográfica da segunda metade do século passado não tenha atingido os níveis das cataclísmicas previsões do grande professor de Stanford, também é inegável que a demografia foi um dos principais vetores da “Grande Aceleração” que consolidou o advento do Antropoceno como época pós-Holoceno. Principalmente quando se considera que houve simultâneo aumento – e não a imprescindível diminuição – do consumo per capita de energias fósseis.
Em terceiro lugar, 1968 também fez avançar a consciência ambiental com a pioneira fotografia deste planeta feita a partir da órbita lunar pela missão da Nasa Apollo 8. Conhecida como “Nascer da Terra”, por estar parcialmente na sombra, tendo a superfície da Lua em primeiro plano, pode mesmo ter sido essa a mais influente imagem ambiental, e uma das dez que mais mudaram o mundo, como garantiu a revista Life em 2003.
Isso certamente está na origem do pioneirismo da Nasa em estimular estudos transdisciplinares sobre o que passou a ser chamado pelos cientistas de “Sistema Terra”. Formado pelo conjunto dos processos físicos, químicos e biológicos que interagem na escala planetária, com destaque para a relação vida/planeta e a sempre crescente influência sobre ela exercida pelas civilizações humanas.
Por isso, uma das melhores maneiras de comemorar o cinquentenário de 1968 pode ser uma boa espiada nos avanços do conhecimento científico a respeito dessa complexa noção “Sistema Terra”. O que ocorrerá no próximo dia 10 de abril no Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA/USP) em conversa com um dos principais pesquisadores brasileiros sobre o tema, o grande climatologista Carlos Nobre.
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José Eli da Veiga tornou-se professor sênior do IEE/USP (Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo) após 30 anos de docência no Departamento de Economia da FEA/USP (1983-2012). Mantém dois sites: www.zeeli.pro.br e www.sustentaculos.pro.br