Preço mais baixo, pouca confiabilidade nas renováveis e manutenção de renda e emprego: saiba como derrubar todos esses argumentos usados por quem ainda defende a matriz suja
A intermitência das fontes eólica e solar, seu nível de desenvolvimento tecnológico e condições naturais do País ainda não permitem uma matriz elétrica exclusivamente dependente destas no Brasil – embora deva-se continuar investindo nelas para superar tais barreiras. Até mesmo as fontes renováveis convencionais, representadas pelas grandes hidrelétricas, com maior confiabilidade mas alta exposição a controvérsias ambientais e sociais, vêm sofrendo com a variação no regime hídrico, como indicou a crise de 2016. É essa conjunção de fatores que leva as térmicas, altamente poluentes, a ter, hoje, uma participação ainda importante na estabilidade de nosso sistema de energia elétrica.
Nossa dependência atual desta fonte suja e envolta de problemas sociais na cadeia de abastecimento – como riscos à saúde e segurança de trabalhadores – ajuda a reforçar paradigmas do passado. Com isso, defende-se uma presença perene das térmicas ou mesmo um aumento de sua fatia na matriz elétrica nacional no futuro – com condições inalteradas de financiamento –, mesmo quando se discute a necessária transição para uma economia de baixo carbono internacionalmente, com o Acordo de Paris e instituições multilaterais restringindo o crédito ao carvão, ao menos em suas políticas[3].
Um exemplo é o argumento que indica que as “térmicas são mais baratas e as fontes eólicas/solares/pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) ainda não são tão viáveis”. O preço médio da energia negociada nos últimos leilões (abril/2018) têm provado o contrário: R$117/MWh para solar e R$67,60/MWh para eólicas, com deságios de 60% e 70%, respectivamente, em relação aos tetos[4]. Para base de comparação, o leilão de dezembro/2017, que contou com a contratação de duas térmicas a gás, teve valor de R$213,46/MWh, com deságio de 22%. Não foram contratadas térmicas à carvão, também disponíveis, naquela ocasião[5].
Adicionalmente, há aqueles que defendem: “só continuaremos expandindo as termelétricas enquanto a tecnologia para as fontes renováveis não-convencionais não se desenvolve a ponto de confiarmos apenas nelas”. Este discurso representa uma visão focada no planejamento de curto prazo e pode levar a um cenário no qual não haverá incentivos econômicos, diante da disponibilidade de energia por fonte termelétrica, mesmo em um futuro no qual as tecnologias de energias alternativas estejam economicamente mais atrativas.
Isso porque, se investimos muito nas térmicas e depois desinvestimos, com o aumento da atratividade das renováveis, perdemos dinheiro. Se não desinvestimos agora, para não enfrentar tais perdas, teremos que lidar com os severos impactos climáticos, que trazem gastos significativos, e podem levar a um ciclo vicioso: as mudanças do clima podem reduzir a eficiência e confiabilidade das usinas renováveis convencionais e não-convencionais, aumentando, assim, a demanda por térmicas.
Por fim, também destacam-se os que visam ser “socialmente responsáveis” em defesa das térmicas: seu fim pode gerar uma redução de empregos diretos e indiretos associados. Assim, o que fazer com os que dependem da extração de combustíveis fósseis, especialmente do carvão, já que do país têm uma economia baseada neste tipo de mineração que abastece o setor termelétrico?
Há um elevado nível de hipocrisia nesse argumento, em dois sentidos. Primeiramente, há um amplo histórico de controvérsias no setor minerador, com inúmeras evidências apontando para riscos relevantes para a saúde e segurança dos trabalhadores e comunidades do entorno. É possível dizer que a história do carvão começa a repetir a do amianto: materiais baratos, com ampla aplicação, mas cujos impactos socioambientais começam a ser entendidos como intoleráveis. Assim, a preocupação com o bem-estar do trabalhador parece só ocorrer quando há perdas financeiras envolvidas aos acionistas.
Em segundo lugar, também releva-se toda a contribuição que o setor de energia renovável pode gerar a nível de empregos: de acordo com dados do German Aerospace Center, indicados em estudo publicado pelo Greenpeace, uma matriz elétrica completamente renovável, até 2030, teria 1.247 empregos/GW instalado, frente a 1.093 empregos/GW instalado do cenário base (12% a mais)[6].
Ainda que, atualmente, tenhamos alguma dependência das térmicas, o esforço não deve ser em prol do aumento de sua importância e, sim, no crescimento de sua eficiência e substituição de seus insumos por aqueles com menor potencial de emissões, como o gás natural – reforça-se aqui o termo “substituição”: não deve-se aumentar o número absoluto de termelétricas – a gás ou qualquer outro combustível –, mas o gás natural pode ocupar o espaço do carvão e do diesel. Essa movimentação necessita ser acompanhada de investimentos em P&D para fontes renováveis não-convencionais e criação de novas unidades de geração do tipo.
O papel das instituições financeiras é fundamental nesse sentido, restringindo o fomento a novas termelétricas, como já faz o BNDES para aquelas de carvão e óleo combustível, e exigindo maior eficiência das que aí estão.
Considerando as grandes oportunidades de negócios existentes na energia renovável – e a possibilidade de se evitar riscos enormes no financiamento business as usual –, tais instituições podem apoiar na transição para uma matriz elétrica cada vez menos intensiva em carbono, assim como foram fundamentais na criação do setor elétrico como conhecemos hoje.
[1] Disponível em: <http://www.epe.gov.br/sites-p
[2] Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br
[3] Disponível em: <http://www.wri.org/blog/2017/
[4] Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br
[5] Disponível em: <http://www.valor.com.br/empre
[6] Disponível em: <http://www.greenpeace.org/bra
*Gerente de projetos da SITAWI Finanças do Bem