Nova metodologia, desenvolvida na Unesp, traz mais precisão ao estudo sobre ilhas de calor nas cidades, o que permite subsidiar políticas mais efetivas para lidar com o problema. Diferença entre as áreas arborizadas e as densamente construídas pode chegar a 10 graus
Por Genira Chagas, da Agência Unesp de Notícias
lhas de calor urbanas são fenômenos climáticos associados à redução de áreas verdes, ocupação do espaço por obras de concreto e asfalto, adensamento populacional e poluição gerada pela atividade humana. Geralmente elas ocorrem na ausência de vento e chuva e são caracterizadas pelo aumento da temperatura do ar em relação ao meio rural, principalmente à noite. “O diagnóstico de tais fenômenos e o conhecimento dos impactos gerados no cotidiano da população são importantes para subsidiar ações para a gestão e planejamento do espaço urbano”, assinala a geógrafa Margarete Cristiane de Costa Trindade Amorim, da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Unesp, Câmpus de Presidente Prudente. Segundo a docente, no processo de estudo e enfrentamento desse problema, mapas de ilhas de calor urbano se tornam instrumentos auxiliares de políticas públicas.
A professora do Departamento de Geografia, em parceria com o professor Vincent Dubreuil, da Universidade de Rennes 2 (França), desenvolveu uma metodologia inovadora, que permite diagnosticar e espacializar (gerando mapas) as ilhas de calor urbanas. O processo leva em consideração as características dos diferentes bairros, associadas ao relevo – importantes fatores do clima que interferem na distribuição da temperatura do ar. “Essa metodologia nos permite elaborar mapas de ilhas de calor urbano em um nível mais detalhado, a partir de pesquisa de campo associado com imagens de satélite”, diz. Junto com seus orientandos de pós-graduação, a pesquisadora vem aplicando essa nova metodologia nos estudos de climatologia em várias cidades.
Trabalhando há mais de 20 anos com o tema, Margarete aponta a ausência de detalhamento na forma tradicional de representação cartográfica como o motor para o desenvolvimento dessa metodologia. No passado, os pesquisadores faziam a medição de temperatura em bairros distintos. A partir daí, com a ajuda de aplicativos para a geração de mapas de temperaturas do ar, tais representações eram elaboradas sem que se considerasse a distinção do uso da terra do intraurbano (isto é, o interior da cidade), das características do relevo e da vegetação. O problema, segundo Margarete, é que tais aplicativos consideram a superfície um todo homogêneo, “como se não houvesse diferença do relevo, sem a distinção da densidade construtiva e da cobertura vegetal”.
Metodologia
O estudo foi desenvolvido com base em cidades de pequeno e médio portes – segundo o IBGE entre 100 mil e 500 mil habitantes. Com financiamento de um Projeto Regular da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), os experimentos foram realizados durante nove meses, em Presidente Prudente, cidade localizada a oeste do Estado de São Paulo com uma população estimada em 226 mil habitantes. A pesquisa associa a temperatura coletada por sensores digitais instalados em pontos fixos e o sensoriamento remoto, cujas imagens são capturadas pelo satélite Landsat 8, e ficam disponíveis no site da United States Geological Survey (USGS).
Foram instalados 26 sensores de temperatura entre a periferia rural, a região central e vários bairros, com o objetivo, segundo Margarete, de alcançar uma grande diversidade paisagística. Os sensores registravam a temperatura local de hora em hora e a equipe passava recolhendo os dados a cada mês. “Obtivemos um volume imenso de dados, a partir dos quais elaboramos vários tratamentos estatísticos”, esclarece.
As imagens geradas pelo Landsat 8 foram tratadas e resultaram em mapas de uso da terra, de temperatura da superfície e de NDVI (Normalized Difference Vegetation Index), um indicador gráfico usado para analisar medições de sensoriamento remoto. O mapa de hipsometria – técnica de representação da elevação de um terreno através das cores – foi gerado a partir de imagens topodata (modelo digital de elevação), disponíveis no site do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Com esses mapas e os dados de temperatura registrados nos 26 pontos, foi feita a modelagem da ilha de calor urbana através de métodos apoiados na geoestatística.
Resultados
Com base nas modelagens de ilhas de calor elaboradas com a nova metodologia, a equipe liderada pela pesquisadora Margarete foi a campo realizar uma espécie de checagem dos resultados obtidos.
Em um dos episódios de registros, sob a atuação de uma massa de ar polar, sem vento e sem chuva, foram verificadas ilhas de calor urbanas com temperaturas estimadas entre 17ºC e 18ºC no centro comercial, área densamente construída e pouco arborizada. Nos bairros residenciais a temperatura ficou entre 15ºC e 17ºC. Na periferia mais arborizada e com menor quantidade de área construída a temperatura registrada foi entre 13ºC e 14ºC. Nas áreas no entorno rural próximo, com predomínio de pastagens, as temperaturas variaram entre 10ºC e 13ºC. Já nas áreas de fundos de vales, com densa cobertura vegetal, as temperaturas ficaram entre 8ºC e 10ºC.
Os condomínios fechados de alto padrão construtivo, com terrenos grandes, arborizados e gramados, apresentaram temperaturas equivalentes às do ambiente rural, entre 10ºC e 13ºC. Os bairros populares, com ausência de cobertura arbórea, onde os terrenos são pequenos e densamente construídos, as temperaturas medidas variaram entre 14ºC e 16ºC.
Segundo o estudo, o sensoriamento remoto e a inserção do relevo nas análises, não considerados no método tradicional de elaborar mapas de ilhas de calor, tiveram papel importante no detalhamento da distribuição das temperaturas. O resultado mostrou a formação de ilhas de calor mediante três aspectos: as características do relevo, a densidade de construções e de cobertura vegetal, responsáveis por explicar a intensidade da temperatura e sua variação espacial no mesmo instante.
Margarete destaca que a modelagem das ilhas de calor com tais características oferece subsídios que podem de fato auxiliar nas políticas que visem contribuir para a mitigação das ilhas de calor urbano, seja do ponto de vista da saúde ou do conforto térmico. “Essa nova metodologia nos permite extrapolar o valor medido em um determinado lugar para outros que apresentam as mesmas características de superfície”, conclui.
Bombas térmicas
Em Presidente Prudente, nos conjuntos habitacionais de baixo padrão, no período diurno, as temperaturas podem ultrapassar os 36oC, devido às características do clima regional e à alta densidade construtiva (terrenos pequenos com solo impermeabilizado). Isso dificulta, por exemplo, a infiltração de água e o plantio de vegetação. Os materiais construtivos também contribuem para o aquecimento do ar.
Nas construções populares das décadas de 1980 e 1990 os telhados eram de fibrocimento. Esse tipo de cobertura é desfavorável no tocante ao conforto térmico. Ela não protege a habitação. “Fazemos observações no interior dessas moradias, elas são verdadeiras bombas térmicas. O calor entra e fica armazenado e as temperaturas são bastante elevadas. Tudo isso vai se desdobrar para a área de entorno”, comenta a pesquisadora. Segundo ela, ainda há em Prudente uma parcela significativa de casas com coberturas inadequadas. “Nos conjuntos habitacionais do programa Minha Casa Minha Vida foi proibida a utilização desse tipo de cobertura, sendo utilizados telhados de cerâmica”, ressalta.
Essas áreas mais quentes geram diferenças na pressão atmosférica e recebem todo o material particulado, ou seja, os poluentes produzidos nos arredores. “Especialmente na estação seca isso é extremamente prejudicial, tanto do ponto de vista do conforto térmico quanto da saúde. Assim, ocorrem os problemas respiratórios e as alergias. “No Brasil, 84% da população vive nas cidades. A degradação delas impacta diretamente na vida das pessoas”, finaliza.
(Reportagem publicada originalmente em unespciencia.com.br)