Vital para as atividades econômicas, a segurança hídrica requer R$ 70 bilhões por ano para diminuir os riscos. Mas o investimento tem alto retorno: a cada R$ 1 investido em infraestrutura, mais de R$ 15 são obtidos em benefícios associados à manutenção dos diversos setores produtivos, informam pesquisadores
O Brasil depende de água para garantir praticamente todas as suas atividades econômicas mas, apesar da importância vital, as águas brasileiras estão sob ameaça. Caso não haja nenhum investimento adicional em infraestrutura, faltará água para cerca de 74 milhões de brasileiros até 2035 e ocorrerão perdas significativas para diversos setores produtivos. Será necessário um investimento de mais de R$ 70 bilhões por ano para diminuir o risco econômico. Mas o investimento tem alto retorno: a cada R$ 1 investido em infraestrutura para a segurança hídrica, mais de R$ 15 são obtidos em benefícios associados à manutenção das diversas atividades produtivas no País.
Os dados são do Relatório Temático Água – Biodiversidade, Serviços Ecossistêmicos e Bem-Estar Humano no Brasil, produzido por 17 autores e resultado da parceria entre a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES, da sigla em inglês), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Associação Brasileira de Limnologia (ABLimno), com o apoio do projeto da Cooperação Brasil-Alemanha Teeb Regional-Local.
A matriz energética elétrica brasileira depende de cerca de 65% da produção hidrelétrica. A indústria utiliza mais de 180 mil litros de água por segundo e a manutenção de áreas úmidas é fundamental na prevenção de enchentes e de outros desastres naturais. A agricultura irrigada e a pecuária são os principais usuários dos recursos hídricos do país, consumindo, respectivamente, por volta de 750 mil e 125 mil litros de água por segundo.
Anos de seca prolongada nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do Brasil resultaram em uma perda estimada de R$ 20 bilhões na receita agrícola em 2015, um recuo de quase 7% em relação ao ano anterior.
Cerca de 85% da produção agropecuária nacional – localizada nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul – depende da água proveniente das chuvas, que tem aproximadamente 40% da sua origem na evapotranspiração da Amazônia. Em 2018, o Brasil exportou quase 84 milhões de toneladas de soja, o que corresponde a cerca de 8,4 trilhões de litros de água. A piscicultura também contribui significativamente com a produção de alimentos, apresentando volume superior a 500 mil toneladas por ano. A população brasileira consome por volta de 260 mil litros de água por segundo, considerando um consumo médio individual de aproximadamente 108 litros de água por dia.
O risco da falta d’água não é homogêneo e a região Nordeste configura-se como a mais ameaçada. Além disso, muito antes de as reservas atingirem níveis críticos, a água se tornará imprópria para o consumo, com séria redução em sua qualidade. Nesse cenário de escassez, a indústria é a atividade produtiva com maior risco econômico iminente, correspondendo a 84% das perdas econômicas previstas, seguida da pecuária e da agricultura de irrigação. Até 2050, é esperado um aumento de 54% na captação das águas subterrâneas no Brasil. O país apresenta grandes perdas na distribuição da água e uma redução média desse prejuízo para valores próximos a 15% promoveria um ganho líquido em torno de R$ 37 bilhões até 2033.
Os pesquisadores mapearam as principais ameaças às águas brasileiras: a mudança climática, as mudanças no uso do solo, a fragmentação de ecossistemas e a poluição. Já são notáveis os efeitos de eventos extremos de precipitação e seca, que vão aumentar ao longo do século, alterando a dinâmica e a configuração dos habitat aquáticos.
“Mudanças no uso do solo em função da expansão agrícola e do represamento de rios podem comprometer a disponibilidade e a qualidade da água em todo o país, afetando os usos pela biodiversidade aquática e pela população humana. Tais mudanças, bem como a transposição de rios, promovem modificações na dinâmica e na estrutura dos ambientes aquáticos causando perda na conectividade e alteração no regime hidrológico, o que favorece o estabelecimento de espécies exóticas”, diz o texto.
A seguir, oportunidades que os pesquisadores identificam:
• O Plano Nacional de Segurança Hídrica (PNSH) é um importante mecanismo que deve ser fortalecido para assegurar a disponibilidade hídrica no Brasil. Estima-se que a cada R$ 1 investido em infraestrutura para a segurança hídrica, mais de R$ 15 são obtidos em benefícios associados à manutenção das distintas atividades produtivas no País. O Índice de Segurança Hídrica, presente no PNSH, integra as diferentes dimensões para o uso das águas brasileiras (dimensão humana, econômica, ecossistêmica e de resiliência).
No entanto, é essencial garantir que cada um desses componentes esteja representado em sua complexidade e seja revisado à medida que novas ferramentas e bancos de dados se tornem disponíveis; sobretudo no que se refere à dimensão ecossistêmica. Estudos que visem complementar o inventário da biodiversidade aquática nacional, mapear a conectividade nos rios brasileiros, regionalizar as bacias hidrográficas, analisar a ocorrência e a distribuição de habitat críticos serão chave nesse processo. A parceria entre diversos atores e instituições de pesquisa e de gestão das águas do país é, portanto, primordial.
• A incorporação do conceito de serviços ecossistêmicos na implementação de empreendimentos tem enorme potencial de produzir soluções que beneficiem múltiplos setores. Diversos órgãos que orientam o financiamento de projetos já instruem para a adoção do conceito de serviços ecossistêmicos em estudos que antecedem sua implementação. A quantificação dos impactos e dos benefícios socioambientais sob a ótica dos serviços ecossistêmicos é capaz de dimensionar com maior propriedade os riscos e as oportunidades de negócio. No Brasil, o processo de avaliação de impactos ambientais de usinas hidrelétricas e da mineração deve ser considerado alvo para esta mudança (5, 7).
• O fortalecimento de instrumentos legais que integram biodiversidade e uso dos recursos hídricos é a chave para garantir a gestão das águas brasileiras. A Lei das Águas (Lei n° 9.433/1997) já constitui uma importante ferramenta e prevê o fortalecimento da integração de mecanismos de gestão horizontais (cobrança, outorga e fiscalização) e entre diferentes competências e esferas da União (municipal, estadual e federal).
É necessário incentivar a expansão da cobrança da taxa da água como um bem econômico, bem como a aplicação do princípio ‘poluidor-pagador’ no processo de outorga e o uso do ‘enquadramento de bacias’ a partir de critérios ecológicos. Para tanto, será fundamental a aproximação entre o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, o Comitê Nacional de Zonas Úmidas, o Conselho Nacional de Meio Ambiente e outras entidades relacionadas à água.
O relatório foi produzido por 17 autores, entre professores universitários e pesquisadores de várias instituições, que vêm trabalhando regularmente na sua redação desde novembro de 2018.
Destaques:
• Até 2035, caso não haja nenhum investimento em infraestrutura, estima-se que faltará água para cerca de 74 milhões de brasileiros e ocorrerão perdas significativas para diversos setores produtivos.
• Nesse cenário de escassez, a indústria é a atividade produtiva com maior risco econômico iminente, correspondendo a 84% das perdas econômicas previstas, seguida da pecuária e da agricultura de irrigação.
• Mais de R$ 70 bilhões por ano será o investimento necessário para a diminuição do risco econômico associado à escassez hídrica para os setores produtivos.
• Estima-se que em 2035 o risco econômico associado à segurança hídrica será em torno de R$ 520 bilhões, mais que o dobro do valor observado em 2017.
• Estima-se que a cada R$ 1 investido em infraestrutura para a segurança hídrica, mais de R$ 15 são obtidos em benefícios associados à manutenção das diversas atividades produtivas no País.
• A matriz energética elétrica brasileira depende de cerca de 65% da produção hidrelétrica.
Ao menos 80% dos reservatórios hidrelétricos recebem água que vem de Unidades de Conservação (UCs).
• A região Norte tem o maior potencial hidrelétrico, concentrando 68% da disponibilidade hídrica nacional e apenas 7% da população.
• Cerca de 290 bilhões de m³ de água são reservados ao abastecimento urbano e rural no Brasil
• A indústria utiliza mais de 180 mil litros de água por segundo.
• Anos de seca prolongada nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do Brasil resultaram em uma perda estimada de R$ 20 bilhões na receita agrícola em 2015, um recuo de quase 7% em relação ao ano anterior
85% da produção agropecuária nacional depende da água proveniente das chuvas, que tem aproximadamente 40% da sua origem na evapotranspiração da Amazônia.
• A agricultura irrigada e a pecuária são os principais usuários dos recursos hídricos do País, consumindo, respectivamente, por volta de 750 mil e 125 mil litros de água por segundo.
• Em 2018, o Brasil exportou 84 milhões de toneladas de soja, o que corresponde a 8,4 trilhões de litros de água.
• Aproximadamente 64% das áreas úmidas brasileiras foram perdidas e a taxa atual de alteração desses ambientes é três vezes mais rápida que a de perda de florestas.
• O Brasil recebe cerca de 2,6 trilhões de metros cúbicos de água por ano de outros países e escoa aproximadamente 800 bilhões de m3 de água por ano.
• 12% da disponibilidade hídrica superficial do planeta está em território brasileiro, além de vastos reservatórios de água subterrânea e uma circulação atmosférica que distribui umidade entre diversas regiões, sendo capaz de regular o clima de todo o continente sul-americano.
• A vazão média anual dos rios brasileiros é de aproximadamente 180 milhões de litros por segundo; sua distribuição, contudo, se dá de maneira extremamente heterogênea no território.
• A região Sudeste abriga 58% da população e apenas 13% da disponibilidade de água.
• Cerca de 98% dos municípios do Nordeste já reportaram eventos de seca.
• No Sul, 92% dos municípios já reportaram eventos de inundação.
• R$ 27,6 bilhões é o investimento previsto no Plano de Segurança Hídrica até 2035.
Estima-se que a Bacia Amazônica possua mais espécies de peixes que todo o Oceano Atlântico.
• Os recursos pesqueiros do Brasil sustentam aproximadamente 300 mil pescadores artesanais. O Brasil abriga mais de 3 mil espécies de peixes de água doce.
• 10% das espécies de peixes continentais do país estão sob o risco de extinção e 30% do total de espécies da fauna ameaçada no Brasil compreendem peixes e invertebrados de água doce. É estimado que até 2050 algumas áreas do país, como a Bacia Amazônica e o extremo sul, observarão uma redução na riqueza de espécies aquáticas superior a 25%.
• A piscicultura contribui significativamente com a produção de alimentos, apresentando volume superior a 500 mil toneladas por ano.
• A pesca esportiva movimenta até R$ 3 bilhões por ano no País.
• 1/3 dos peixes pescados no Brasil provém de água doce, com destaque para a região Norte, representando mais de 50% da produção pesqueira continental do País.
• O consumo de pescado na região Norte é um dos maiores observados no globo e chega a alcançar mais de 500 gramas por pessoa/dia.
O País ganhou mais de R$ 15 bilhões por ano, entre 2004 e 2016, com os investimentos realizados em saneamento, incluindo a promoção do turismo e a redução com gastos em saúde.
• A universalização do saneamento básico no País trará benefícios da ordem de R$ 1,5 trilhão, valor quatro vezes maior que o gasto estimado para sua implementação.
• Essa universalização do saneamento diminuirá de forma expressiva os gastos com saúde humana, com destaque para as regiões urbanas do Brasil que abrigam aproximadamente 75% de sua população.
• Cerca de 40% do território nacional apresenta níveis de ameaça aos corpos hídricos de moderado a elevado.
• No estado do Rio de Janeiro, 48% dos rios monitorados são impróprios para tratamentos convencionais e 50% da água captada e distribuída no sistema de abastecimento do Guandu é utilizada para tratar esgotos.
• A meta do Plano Nacional de Saneamento Básico para 2030 é a de que 93% do território brasileiro tenha tratamento de esgoto e que a perda na distribuição da água gire em torno de 30%. Em 2017 68,5% do território brasileiro tinha esgoto tratado, e o índice de perda da água era de 38,3%.
• O país apresenta grandes perdas na distribuição da água e uma redução média desse prejuízo para valores próximos a 15% promoveria um ganho líquido em torno de R$ 37 bilhões até 2033.
A vazão equivalente das águas subterrâneas no Brasil é de 15 milhões de litros por segundo. Até 2050, é esperado um aumento de 54% na captação das águas subterrâneas no Brasil.
A população brasileira consome por volta de 260 mil litros de água por segundo, considerando um consumo médio individual de aproximadamente 108 litros de água por dia.