Nas vésperas da aguardada Cúpula da ONU sobre Ação Climática, poucos governos demonstram pretensão de elevar o grau de ambição de seus compromissos na luta contra a crise climática e na implementação do Acordo de Paris
O problema é claro: os compromissos feitos pelos governos nacionais sob o Acordo de Paris em 2015 são insuficientes para viabilizar os objetivos de longo prazo do regime internacional sobre mudança do clima – conter a elevação da temperatura média da Terra entre 1,5 e 2 graus até 2100 com relação aos níveis pré-industriais. Logo, para que esse limite não seja superado, os países precisam apresentar novos compromissos, com cortes mais ambiciosos de emissões de gases de efeito estufa.
Se o raciocínio é direto, a realidade é o exato oposto. Faltando poucos meses para que o Acordo de Paris entre em vigor plenamente, poucos países se dispuseram até agora a revisar suas metas nacionais e incluir novos cortes de emissões. Mesmo governos que colocam a questão climática como bandeira internacional, como França e Alemanha, acabaram tropeçando no meio do caminho e não conseguiram viabilizar novos compromissos de mitigação à mudança do clima. Em outros casos, o problema é “mais embaixo”, com governos recuando em suas propostas feitas durante a Conferência de Paris (COP 21) de 2015, como os Estados Unidos de Donald Trump e o Brasil de Jair Bolsonaro.
Essas dificuldades políticas já eram palpáveis no fim do ano passado, quando o secretário-geral das Nações Unidas António Guterres convocou os líderes internacionais para um encontro especial prévio à Assembleia Geral da ONU de 2019, com o objetivo de incentivar novos compromissos e iniciativas por parte dos governos nacionais. Àquela altura, a esperança de Guterres era replicar o sucesso de seu antecessor Ban Ki-moon em 2015, quando ele realizou um encontro similar meses antes da COP 21 para engajar os chefes de Estado no processo de negociação.
Para a Cúpula da ONU sobre Ação Climática, Guterres definiu uma régua alta para os países: ele pede aos governos que reduzam suas emissões e, ao menos, 45% até 2030, com vistas a chegar a emissões líquidas zero até 2050, além de acabar com os subsídios aos combustíveis fósseis e o banimento de novas usinas energéticas de carvão a partir do ano que vem. No entanto, os governantes que irão a Nova York neste mês não devem entregar aquilo que Guterres gostaria de receber.
Se o encontro de 2015 ajudou a criar um momentum para o sucesso das negociações de Paris, teme-se agora que uma frustração em 2019 coloque as coisas no sentido oposto.
Neutralidade climática em jogo
Em junho, a União Europeia fracassou em tentar aprovar um compromisso de neutralidade climática para o bloco até 2050. Nem mesmo o apoio das duas principais economias do continente – Alemanha e França – foi suficiente para que outros países europeus, como Estônia, Hungria, Polônia e República Tcheca, aceitassem a nova meta.
O máximo que os europeus vão conseguir trazer de novidade para o encontro de Nova York é o compromisso individual por parte de alguns países, como França e Dinamarca, para viabilizar a neutralidade climática até 2050. Outros governos também devem apresentar propostas similares, como o do Chile (que será sede da COP 25 no final deste ano), Noruega, Reino Unido (a sede da COP 26 em 2020), e Suécia.
A falta de consenso da UE nessa matéria, junto com o distanciamento dos EUA de toda a discussão sobre clima, criou um vácuo em termos de liderança internacional de peso. A maior parte dos compromissos que serão anunciados em Nova York neste mês se resume a propostas de países mais pobres e vulneráveis, como Fiji e Ilhas Marshall, que não terão grande efeito sobre o quadro geral das emissões globais de carbono.
O fio de esperança está no que a China fará durante a Cúpula. O enviado especial da ONU sobre mudança do clima, o espanhol Luis Alfonso de Alba, está confiante de que os chineses irão à Nova York com compromissos claros em diversas áreas e um nível muito maior de ambição.
Em fala para o portal Climate Home, De Alba ressaltou o comunicado assinado pelo governo chinês junto com a França e Guterres durante o encontro recente do G20 no qual Pequim faz alguns anúncios importantes. “Um deles é o compromisso da China em melhorar [seu plano nacional climático] e chegar em setembro com uma proposta para isso”, disse o enviado especial.
O comunicado conjunto de China e França reafirma o compromisso desses países em melhorar seus planos climáticos “de uma maneira que represente uma progressão além do atual” e publicar suas “estratégias de desenvolvimento de longo prazo com baixas emissões” até 2020. No entanto, ele não faz referência específica a qualquer anúncio previsto para a Cúpula sobre Ação Climática nem define prazos para divulgação dos planos atualizados.
Por ora, o otimismo do enviado especial da ONU sobre mudança do clima não é generalizado. O governo chinês não ofereceu indícios de que irá fazer anúncios significativos em Nova York. No mês passado, o comunicado conjunto do chamado BASIC – coalizão que reúne Brasil, África do Sul, Índia e China – ressaltou que os países com maiores responsabilidades históricas e mais recursos financeiros deveriam arcar com o maior peso sobre a ação climática. Além disso, Pequim não deve mandar um representante de alto nível para a Cúpula, o que pode frustrar quem espera por algo mais substancial por parte dos chineses.
Brasil e o “mundo alternativo” da negação
Falando em Brasil, o presidente da República Jair Bolsonaro – que ainda se recupera de cirurgia recente – não deve participar da Cúpula sobre Ação Climática no dia 23 de setembro. O representante do governo brasileiro provavelmente será o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que iniciará um tour internacional nesta semana para tentar retomar pontes queimadas pelo governo brasileiro nos últimos meses na questão ambiental.
O roteiro da viagem de Salles ainda não foi divulgado, mas se espera que ele visite Washington e Nova York nos EUA, além de cidades como Paris e Londres na Europa. Na capital americana, aliás, o ministro deverá se encontrar com representantes do Competitive Enterprise Institute (CEI), um think tank conservador e negacionista da crise climática.
O governo brasileiro vem se aproximando desses grupos americanos que rejeitam as evidências científicas em torno da mudança do clima e que apoiam (e são fartamente apoiados pela) a indústria fóssil. Na semana passada, o chanceler Ernesto Araújo participou de evento na Heritage Foundation, onde criticou o que ele chama de “climatismo”, que seria uma campanha liderada pela elite globalista de esquerda para acabar com a soberania dos países.
O avanço do negacionismo climático no Brasil vai além do Executivo federal. Apoiado pelo governo Bolsonaro, o senador Zequinha Marinho (PSC-PA) foi eleito presidente da Comissão Mista Permanente sobre Mudança do Clima do Congresso Nacional com um discurso de rejeição da ciência climática. Contra as evidências científicas, Marinho defende que a “influência humana é muito pequena” e afirma que as alterações no clima são “cíclicas”.
Com as lideranças brasileiras perdidas no negacionismo, não se espera rigorosamente nada do Brasil em termos de novos compromissos sob o Acordo de Paris.