Confira abaixo as reações de organizações da sociedade civil brasileira ao discurso do presidente Jair Bolsonaro nesta 3a feira, dia 24, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York. Leia também artigo de Carlos Bocuhy, do Proam, para a Página22:
É extremamente preocupante quando se negligencia o que está acontecendo na Amazônia, negando veementemente a existência das queimadas e do desmatamento. Este posicionamento é uma carta branca para o progresso da devastação. O presidente ainda não percebeu que o maior diferencial do Brasil, na economia global, sob o ponto de vista estratégico, são justamente as grandes extensões de florestas. Os grandes produtores agrícolas mundiais podem igualar-se em produtividade e logística, mas nenhum outro país pode alcançar nossa biodiversidade. O aspecto mais relevante desse diferencial são os baixos custos de transação para migrarmos para uma economia de baixo carbono. A proteção florestal deve ser considerada um marco estratégico do desenvolvimento econômico do Brasil. Roberta del Giudice, secretária executiva do Observatório do Código Florestal
O governo brasileiro poderia ter utilizado esta oportunidade para demonstrar ao mundo um plano proativo de desenvolvimento sustentável que combata as ilegalidades cometidas contra os biomas brasileiros, entre eles Amazônia, e que distinguisse essas quadrilhas que cometem crimes ambientais e devem ser punidas, dos empresários sérios que já perceberam que podem fazer negócios com a rica biodiversidade brasileira, sem que para isso haja desmatamento. Produzir e preservar são verbos que podem ser conjugados em conjunto e não são antagônicos, como demonstram várias de nossas empresas com atuação na região amazônica e em outros biomas brasileiros. Marina Grossi, presidente do Cebds
Ao negar a ciência e ignorar os indicadores de fracasso de sua gestão ambiental, o presidente do Brasil fortaleceu o argumento de retaliação econômica e comercial como única salvaguarda contra o desmatamento. Natalie Unterstell, diretora da Talanoa
A fala de Bolsonaro na ONU não representa o espírito do povo brasileiro. O povo brasileiro não faz apologia à violência e não prega o ódio a minorias, mas sim preza pelo respeito à constituição e preza pela preservação da Amazônia. A fala não respeita o que o povo pensa em praticamente nenhum dos aspectos abordados pelo presidente. Em relação à Amazônia, Bolsonaro deixou claro que vai continuar com sua política de destruição deste ecossistema que é muito rico e muito importante para todos os brasileiros, o que é obviamente contrário aos interesses do povo brasileiro da população global. A fala do presidente carrega nitidamente a ideologia da extrema direita, que é uma pequena fração da população, enquanto a maioria absoluta da população preza pela democracia, pelo respeito às instituições democráticas e não concorda com a fala desrespeitosa do presidente às instituições democráticas do país. Bolsonaro também foi agressivo em relação aos demais países que respeitam o direito internacional, que respeitam a autonomia brasileira sobre a Amazônia, mas que ao mesmo tempo estão preocupados com a forte degradação do meio ambiente brasileiro e, também, dos ambientes político e econômico. Paulo Artaxo, climatologista da USP e membro do IPCC
O discurso do presidente sobre o meio ambiente foi uma fraude. Bolsonaro tenta convencer o mundo de que está protegendo a Amazônia, quando na realidade está promovendo o desmantelamento dos direitos sociais e ambientais, negociando terras indígenas com mineradoras estrangeiras e enfraquecendo a luta contra os crimes ambientais. Sob seu governo, os incêndios florestais, o desmatamento e a violência aumentaram a um ritmo escandaloso. Para a floresta e seus povos, Bolsonaro é um problema, não uma solução. Marcio Astrini, coordenador de políticas públicas do Greenpeace Brasil
O discurso de Bolsonaro deixou claro para mundo quem é Bolsonaro, deixou claro que a mídia é fundamental e que vem reportando a verdade sobre o que está acontecendo no Brasil. Bolsonaro mostrou que é alguém que não tem ideia quais são os verdadeiros desafios do século XXI. Era como se eu estivesse escutando um discurso no meio da Guerra Fria, como se eu estivesse no século passado. Alguém deveria tê-lo “brifado” de que a Guerra Fria já acabou. Ignorou milhares de jovens nas ruas, ignorou a morte da Ágatha no Rio de Janeiro, ignorou a ciência e o desafio das mudanças climáticas. Acha que vai conseguir dividir e manipular os indígenas, acha que o mundo vai acreditar nele e não nos fatos, na ciência e na mídia. Senti muita vergonha como brasileira, mas pelo menos o mundo agora sabe bem quem é o verdadeiro Bolsonaro. Ele está claramente na defensiva. E após este discurso a imagem do Brasil só vai piorar. O tiro saiu pela culatra. Ana Toni, diretora executiva, Instituto Clima e Sociedade
O presidente assumiu perante o mundo sua política anti-indígena e sua visão arcaica sobre a Amazônia. Reforça o que as organizações não governamentais, lideranças indígenas, quilombolas já vêm denunciando, que temos um governo cujo projeto é a desconstituição dos direitos constitucionais e a destruição das florestas. Adriana Ramos, assessora de políticas públicas do Instituto Socioambiental (ISA)
Bolsonaro distorce argumentos sobre autonomia dos povos originários para negar direitos que a própria Constituição garante. Categoricamente, anuncia que não promoverá novas demarcações de Terras Indígenas. É extremamente grave que o presidente tenha usado a Assembleia Geral da ONU como palanque para atacar uma liderança indígena e ameaçar a segurança jurídica das terras Ianomâmi e Raposa Serra do Sol, que já estão demarcadas. Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas Direitos Humanos
Leia artigo de Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam):
O presidente Jair Bolsonaro fez hoje nas Nações Unidas um discurso alienado. De forma sincera, demonstrou sua limitadíssima percepção da realidade, comprometida em função de componentes ideológicos, o que não lhe permitiram apreender a realidade civilizatória do Antropoceno.
As consequências para a imagem do Brasil são desastrosas. Distante da postura de um chefe de Estado, que deveria postular o fortalecimento institucional da nação, deparamo-nos com um discurso anti-indigenista que atacou, de forma generalista, a cultura dos povos da floresta e sua preservação cultural, confundindo-a como se fosse um mero estado de pobreza.
Tentou ainda destruir a imagem de um cacique preocupado com seu povo e as etnias da floresta, afirmando que Raoni vem sendo usado por países mal-intencionados.
Vergonhoso é, para o Brasil, ter um presidente que discursa nas Nações Unidas manifestando despreparo obsessivo, ao destacar que qualquer interesse de preservação da Amazônia está associado a interesses colonialistas menores, de apropriação de nossos recursos naturais. Essa concepção vem mudando no Brasil desde Humbodlt, em meados do século XIX.
A fixação por uma teoria conspiratória que antagoniza a solidariedade internacional fere o espírito das Nações Unidas, na medida em que ataca, como se fossem inimigos, aqueles que se prontificaram a aportar recursos para a proteção da Amazônia, em solidariedade com a sustentabilidade planetária e intergeracional.
Generalizou ainda o socialismo, ignorando seu viés de humanismo e de solidariedade, como se este fosse, meramente, um sinônimo de corrupção e de pobreza. Ao mesmo tempo propôs a liberdade de credo, como se a liberdade de convicções estivesse dissociada da liberdade de fé.
Vergonhosa ainda é a noção de soberania limitada à posse e exploração de riquezas naturais, sobrepondo as riquezas do setor primário, de caráter minerário, ao valor contextualizado e incomensurável da Floresta Amazônica diante do paradigma do aquecimento global. O negacionismo impresso na percepção do presidente do Brasil leva sua mente a divagar pelas mesmas práticas exploratórias que o colonialismo predatório praticou.
Os ataques à mídia internacional por Bolsonaro tentaram reduzir a questão do desmatamento da Amazônia a uma mera questão de opinião, enquanto a realidade do monitoramento por satélite demonstrou, por meses, enormes áreas devastadas debaixo de baixo índice de fiscalização e depois de estímulos à impunidade gerado por seguidos discursos antiambientais. Mesmo assim, Bolsonaro não titubeou em citar João 8:32: “A verdade vos libertará”. Que verdade é essa, senhor presidente?
Nossa economia estagnada foi pintada de dourado, com a alegação de conquistas pouco palpáveis referentes ao acordo do Mercosul com a União Europeia. A limitação dos que vivem fantasias messiânicas ficou evidente, enquanto a povo brasileiro amarga a mais dura das restrições nos aspectos de empregabilidade. Quimeras são para ingênuos: é preciso respaldar notícias econômicas auspiciosas na realidade dos números.
“Um diplomata não serve a um regime e sim ao país”, dizia Rio Branco. Assistimos a um discurso de Bolsonaro que nos remeteu a um passado sombrio, do atraso e despreparo conceitual. Longe de Humboldt e Rio Branco, a percepção de Bolsonaro nem sequer alcança seu tempo – e muito menos o nosso tempo. O Brasil ficou nu na ONU, pois voltamos aos idos “economicidas” de 1972, tempos que antecederam a Conferência de Estocolmo.
O espírito de nosso tempo é outro, o Zeitgeist, a consciência sobre as mudanças climáticas está acontecendo, protagonizado pela ciência, por Greta Thunberg e tantos outros jovens, postulantes com toda a razão por justiça intergeracional.
Há muito por fazer pelo Brasil, especialmente frente a uma liderança social e ambientalmente alienada. Precisamos de um upgrade presidencial, de sensatez, realismo, equilíbrio e sem agressividade gratuita – e sobretudo da gestão governamental eficiente, lúcida – e não obsessiva.
Confira também notas de organizações:
Nota da coordenação do Observatório do Clima
“Bolsonaro dobra a aposta, envergonha o Brasil e põe o mundo em risco”
Como era esperado, o discurso de Jair Bolsonaro na ONU dobrou a aposta no divisionismo, no nacionalismo e no ecocídio. O presidente mais uma vez envergonhou o Brasil no exterior ao abdicar a tradicional liderança do país na área ambiental em nome de sua ideologia. Não fez nada para tranquilizar investidores, nem para aplacar o clamor crescente por boicote a produtos brasileiros. Põe em risco o próprio agronegócio que diz defender.
Mas não apenas isso: as políticas de Bolsonaro trazem risco imediato para toda a humanidade. A ciência nos diz que temos até 2030 para cortar emissões de carbono em 45% se quisermos a chance de estabilizar o aquecimento da Terra em 1,5 grau e evitar seus piores efeitos. O desmatamento descontrolado do Cerrado e da Amazônia pode, sozinho, pôr a perder a meta global.
Nota do WWF-Brasil
Em oposição ao espírito de colaboração e de defesa dos interesses da humanidade, que é o fundamento principal da Organização das Nações Unidas, o discurso do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU acentuou o divisionismo e a polarização, apontando inimigos imaginários e deixando de reconhecer problemas urgentes do Brasil, bem como sua responsabilidade, como presidente, para solucioná-los.
Os dados do Inpe têm demonstrado uma tendência de aumento real e preocupante no desmatamento da Amazônia, assim como nos focos de queimadas por toda a região. Quem vive na Amazônia observa esse aumento em seu dia a dia, seja nas fumaças que cobrem a região, seja observando o crescimento das invasões ilegais em territórios indígenas e Unidades de Conservação. É uma pena que este governo não compreenda a importância da acabar com o desmatamento no país para proteger o futuro inclusive de nossa agricultura, que hoje alimenta o mundo e depende da chuva enviada pela Floresta Amazônica para existir e seguir.
Em seu discurso, Bolsonaro não demonstrou nenhuma preocupação com a questão ambiental ou climática, não mencionou o Acordo de Paris, reiterou que não acredita na ciência e não se comprometeu em dedicar esforços para reduzir desmatamento ou emissões, na contramão dos compromissos assumidos durante a Climate Summit por diversos e importantes países.
Ao quebrar a histórica liderança do país na área ambiental perante outras nações, esta postura acentua a preocupação internacional e dos mercados sobre a capacidade do Brasil de proteger a Amazônia e contribuir com a redução dos efeitos das mudanças climáticas, podendo afastar o crescente número de investidores responsáveis, alinhados com a visão de um desenvolvimento sustentável que respeite o meio ambiente e contribua com o enfrentamento da crise climática.
Ficou claro que não há vontade política deste governo em enfrentar a crise climática ou a perda massiva de biodiversidade. Como um dos dez maiores emissores do planeta, e sendo o desmatamento o principal vetor de emissões brasileiras, a posição apresentada por Jair Bolsonaro em seu discurso na ONU coloca em sério risco as metas do Acordo de Paris e, em especial a possibilidade de se limitar o aumento da temperatura global em até 1,5 grau.