[Foto: Os sócios da Green Mining, Adriano Ferreira, Leandro Metropolo e Rodrigo Oliveira, e o supervisor Cleber Pereira]
A Climate Ventures, em parceria de conteúdo com a Página22, mensalmente conta ao leitor histórias sobre negócios inovadores relacionados ao desafio climático. A Climate Ventures é uma plataforma de Bons Negócios Pelo Clima que existe para acelerar a economia regenerativa e de baixo carbono e reverter a mudança climática, desenvolvendo startups e conectando-as ao mercado e investidores. A seguir, a história da Green Mining, que atua com Gestão de Resíduos:
Toda cidade possui um recurso potencialmente valioso, mas pouco explorado: as embalagens pós-consumo recicláveis. Problemas de acesso e de logística dificultam e encarecem o aproveitamento desse material. Mas a startup Green Mining desenvolveu uma tecnologia, chamada de Logística Reversa Inteligente, para recuperar embalagens de forma eficiente e trazê-las de volta para o ciclo de produção. É o que se chama de mineração urbana – o processo de localizar e recuperar elementos úteis de itens descartados para serem reaproveitados. Para isso, foi criado um sistema de rastreabilidade para mapear os pontos de geração de resíduos na cidade a fim de garantir que o material coletado seja enviado para reciclagem. Além disso, a startup trabalha com coletores registrados, permitindo que pessoas com poucas oportunidades de emprego tenham acesso à carteira assinada, e busca utilizar veículos não motorizados para realizar as coletas, como triciclos, evitando emissão de carbono.
Em 2018, foi uma das 21 startups selecionadas de todo o mundo pela Aceleradora 100+ da Cervejaria Ambev. Trata-se de uma iniciativa da AB InBev, feita em parceria com o Pacto Global da ONU, que busca pequenos e médios empreendedores com propostas inovadoras para as principais questões socioambientais de hoje. Também foi a vencedora da etapa brasileira da Competição de Ideias de Negócios Verdes da Climate Ventures e da 1ª edição brasileira do Greentech Challenge. Saiba mais a seguir, na entrevista com o CEO Rodrigo Oliveira.
Rodrigo Oliveira possui mestrado em sustentabilidade (Fundação Getulio Vargas – FGV), com formação em finanças (FGV) e MBA em administração de empresas e finanças (Insper). É CEO da Green Mining e da Fral Consultoria, empresa de engenharia de projetos com mais de 20 anos que lida com soluções ambientais e de resíduos sólidos. Trabalhou com marketing na Natura, Unilever e Suzano – empresa na qual também foi gerente nacional de vendas de produtos de consumo.
Como nasceu a Green Mining?
Eu trabalhava com projetos de engenharia de disposição de resíduos sólidos, quando percebi que a quantidade de produtos recicláveis em aterros sanitários era impressionante. Infelizmente, 75% dos brasileiros não separa o material reciclável e a coleta seletiva municipal atinge apenas pequena parte da população, segundo pesquisa realizada pelo Ibope em 2018. Além disso, tinha consciência que a maior parte de recuperação de recicláveis no Brasil era realizada por mão de obra informal, sem direitos trabalhistas garantidos.
Quando cursava o mestrado em sustentabilidade em 2016, eu me deparei com o conceito de mineração urbana – o processo de localizar e recuperar elementos úteis de itens descartados para serem reaproveitados. Decidi fazer isso assinando a carteira de trabalho de ex-catadores.
Surgiu então a parceria com Adriano Leite e Leandro Metropolo, que trabalhavam há 20 anos com tecnologia, para desenvolver um software de rastreamento de embalagens pós-consumo. Assim nasceu a Green Mining.
Como funciona o sistema de logística reversa que vocês desenvolveram?
Por meio de um algoritmo exclusivo, a Green Mining faz o mapeamento de pontos de geração de resíduos pós-consumo. Em áreas onde é identificada uma quantidade grande, é instalada uma central de recebimento denominada HUB – lá fica armazenado todo o material coletado na redondeza antes de seguir para o seu destino final. Nossos coletores, utilizando triciclos, percorrem os estabelecimentos cadastrados daquela área e retornam com o material para o HUB. Quando o HUB atinge sua capacidade, o material é enviado a usinas e empresas de reciclagem.
Todo o material é pesado em cada etapa do processo e tudo é registrado no sistema da Green Mining, que vai garantir que tudo que foi coletado seja corretamente destinado. Desta forma, temos o rastreamento total de origem, trajeto e destino, com segurança de tecnologia blockchain operada com smart contract – assim os diversos atores da cadeia validam a quantidade de material que está sendo transportada e destinada, garantindo que a informação está 100% correta em toda a cadeia.
A formalização de catadores é um dos aspectos que mais chamam atenção no modelo de negócios da Green Mining. Quantos catadores empregam hoje? Como chegam até eles? Como eles chegam até vocês?
Hoje contamos com um time de 30 coletores formalizados – sendo que parte deles antes trabalhava como catador, carroceiro ou cooperado. Além das indicações e currículos que recebemos via site, temos uma parceria para contratar candidatos que concluem o curso “Reciclar para Capacitar”, fornecido pela Prefeitura de São Paulo por meio da Amlurb (Autoridade Municipal de Limpeza Urbana).
Por que escolheram o segmento de bebidas como foco de intervenção da empresa?
Primeiramente iniciamos com a coleta de vidro, pois é o material com menor valor no mercado da reciclagem, pesado, abrasivo e, ao mesmo tempo, um dos maiores problemas para os municípios. Dois grandes pontos importantes do nosso processo são a coleta em grandes quantidades e a separação de material na fonte.
O segmento de bebidas é interessante porque temos grandes quantidades de embalagens de vidro sendo geradas em bares e restaurantes. Ao mesmo tempo, estes estabelecimentos têm o interesse em realizar a separação de recicláveis dos outros resíduos, pois conseguem reduzir os custos de destinação de seus resíduos.
Há outros segmentos em que pretendem atuar mais adiante?
Já coletamos garrafas PET, papel cartão e embalagens plásticas de PEAD (Polietileno de Alta Densidade). Coletamos o que a indústria nos pede, portanto temos o potencial para atender todos os segmentos.
A Green Mining foi acelerada pelo programa da Ambev. Qual a importância desse programa na trajetória do projeto?
Fazer parte do time de aceleradas no programa global da Ambev foi fundamental para que a Green Mining pudesse realizar sua prova de conceito e mostrar que é possível aumentar a reciclagem quando colocamos tecnologia para dar eficiência ao processo. A Ambev não apenas nos deu todo o suporte necessário, como colocou à disposição um time de alta performance para acompanhar o dia a dia da empresa. Hoje prestamos serviço de logística reversa para a Ambev e mais quatro clientes.
Qual a relevância da aproximação entre grandes empresas e startups? Em que medida as big corps (grandes corporações) estão reavaliando suas cadeias produtivas?
O processo de “inovação externa” dá uma agilidade muito grande para trazer novas tecnologias a um baixo custo inicial. Testar diversas possibilidades e ficar com as melhores que lhe atendem faz muito sentido para as big corps e, ao mesmo tempo, ajuda pequenos empreendedores a validarem suas ideias.
Há uma preocupação legítima dessas organizações com os rumos do planeta?
Com toda certeza, sim! A preocupação é real e precisa ser. As organizações estão investindo pesado em sustentabilidade, principalmente em projetos que trazem eficiência e esse é o grande trunfo: sustentabilidade pressupõe usar menos recursos, explorar menos a natureza, melhor eficiência produtiva, ou seja, excelentes diretrizes alinhadas ao resultado das empresas.
O setor privado parece, portanto, estar se movendo na direção de uma economia mais circular que repensa o ciclo de vida de seus produtos. Nesse sentido, e no melhor dos cenários, o que seria esperado do governo em relação à temática de resíduos?
Seria importante encarar a problemática de frente, olhar para fora do País e entender como países como França e Alemanha, por exemplo, conseguiram melhorar seus indicadores. Não precisamos inventar a roda, apenas seguir bons exemplos.
Canudos e copos foram algumas das discussões da moda em relação ao consumo sustentável. Tudo isso é muito bacana para começar a fomentar discussões importantes. Mas o que o indivíduo comum deve saber para que se torne parte expressiva da necessária transformação?
Refletir antes de comprar e consumir seria um primeiro passo para evitar desperdícios ou embalagens desnecessárias. Segregar seu resíduo corretamente para garantir que o que possa ser reciclado, realmente seja.
Como a Green Mining pode ajudar no combate à mudança climática?
Sempre que coletamos algum tipo de material, estamos garantindo que o mesmo não será extraído da natureza. Por exemplo, cada 6 toneladas de vidro que coletamos e enviamos para reciclagem evitam a emissão de 1 tonelada de carbono na atmosfera. Promover o aumento da reciclagem, portanto, é fundamental para o combate à mudança do clima.
Em outubro de 2019, a Green Mining venceu a etapa brasileira da maior Competição de Ideias de Negócios Verdes. Qual a importância desse reconhecimento?
Vencer uma competição importante como essa é muito gratificante pelo trabalho que realizamos, mas tem uma relevância ainda maior, pois coloca a problemática de resíduos sólidos como um pilar importante para combater a mudança climática. Realizar um importante aumento na reciclagem reduz drasticamente as emissões por evitar a extração de matéria prima virgem – essa preservação do nosso planeta é fundamental.
Como vencedoras da etapa brasileira da maior Competição de Ideias de Negócios Verdes – ClimateLaunchPad, vocês participaram junto à Climate Ventures, da final global da Competição em Amsterdam. Quais os principais aprendizados que trouxeram na bagagem?
Estar em um ecossistema de inovação com mais de 130 startups de 53 países diferentes foi incrível. As soluções que estão sendo criadas são importantes para todo mundo, e a interação nestes estágios iniciais é muito importante.
Há espaço para que startups do Brasil alcancem os mercados internacionais e contribuam com eles?
Certamente o Brasil é um celeiro de criatividade e de novas tecnologias. Como os recursos aqui são escassos, criamos soluções com custos mais baixos e grande possibilidade de adaptação. Isso faz com que nossas soluções sejam altamente competitivas em mercados mais maduros.
Poderia citar um case que admira na temática da gestão de resíduos?
Um case muito interessante de gestão de resíduos é o sistema pay as you throw em que é possível atingir uma sustentabilidade econômica fazendo a cobrança justa e equilibrada. Como o nome já diz, cada um é responsável por pagar pela quantidade de material que é colocada no lixo – assim como nas contas de água e luz, existe uma proporção de quanto cada pessoa usa do sistema, consequentemente a separação de recicláveis é incentivada para que esse valor a ser pago seja menor. Este sistema já consta no Plano Nacional de Resíduos Sólidos do Brasil desde 2012, inclusive, como a principal referência que deveria ser seguida. O sistema faz com que os níveis de reciclagem aumentem de forma expressiva nos municípios onde foi implantado.