Há uma semana desembarquei em Cumbica, vinda da Austrália, mas com uma parada de dez dias na África do Sul. Ao tomar o ônibus do aeroporto para o centro de São Paulo e, da janela, apreciar o cenário da Marginal Tietê, veio a sensação de ter chegado de um outro Brasil, esse do outro lado do Atlântico. As semelhanças entre a África do Sul e o Brasil são várias, mas talvez a mais marcante sejam as favelas – chamadas de townships do lado de lá. Viajando de carro pelas regiões do Cabo Ocidental e Oriental, eram as townships, com suas casinhas de ferro corrugado e os elevados postes de luz, que anunciavam a chegada às cidadezinhas que constavam do guia de viagem. A township, claro, não estava no guia.
Como todo bom turista que vai à África do Sul, procuramos uma área de proteção onde se pode ver a “vida selvagem”, que por lá significa elefante, leão, hipopótamo, rinoceronte, antílopes como o belo kudu, entre outros animais – a maioria, reintroduzidos. Nossa visita ao Addo Elephant National Park, próximo a Port Elizabeth, foi uma agradável surpresa – e não só pela proximidade com os animais. É possível pernoitar no parque em diferentes acomodações e entrar nas áreas de proteção para “self-drives” em busca do tão esperado encontro com o selvagem.
O Addo é um dos 21 parques nacionais administrados pelo South African National Parks (SANparks), órgão responsável por 3,750 milhões de hectares de terras protegidas. O mais famoso é o Kruger National Park, uma imensa reserva no nordeste do país que recebe mais de um milhão de visitantes ao ano. Em geral, os parques nacionais são cercados de reservas particulares que também permitem a visitação. Ao contrário das favelas e townships, o profissionalismo e o sucesso da rede de parques sul-africanos são uma das diferenças gritantes com o Brasil.
Os povos tradicionais da África Sul manejavam intensamente para manter os recursos naturais dos quais dependiam, mas com a colonização holandesa e inglesa, intensificaram-se a caça, a criação de pastagens e a degradação das savana e das floresta. A primeira área pública protegida foi estabelecida em 1888 e, em 1910, o governo central assumiu a responsabilidade pelos esforços de conservação. O Kruger foi criado em 1926.
Segundo um estudo sobre a conservação e o uso sustentável da biodiversidade na África do Sul, até recentemente a criação de reservas veio acompanhada da remoção forçada da população e da impossibilidade de uso dos recursos. “A abordagem dominante era que as áreas protegidas deveriam ser `pristinas´, áreas cercadas”, diz o estudo. “Tal abordagem resultou na percepção de que as áreas protegidas são playgrounds para a elite privilegiada, e que a conservação da biodiversidade é exclusiva e irrelevante para a maioria do povo da África do Sul”.
Desde as mudanças políticas dos anos 90, com o fim do apartheid, começou a transformação também das políticas de conservação. Em 2004 foram aprovadas leis para o manejo da biodiversidade e de áreas protegidas com o objetivo de conservar, usar sustentavelmente e compartilhar equitativamente tais recursos. Hoje, os parques, longe de pristinos, manejam intensivamente os recursos para fins de conservação e para extrair valor, especialmente por meio do turismo – o setor que mais cresce na economia sul-africana, movimentando 7% do PIB.
Embora a grande maioria de turistas no Addo nos dois dias em que visitamos fossem estrangeiros – e brancos –, a população local se beneficia com a criação de empregos e geração de renda, e as atrações turísticas levam investimentos em infra-estrutura para lugares remotos. O SANparks tem programas para envolver e permitir que as comunidades do entorno se beneficiem da conservação. O órgão foi identificado pelo Departamento de Assuntos Ambientais e Turismo – o nome denota o quanto a conservação e o turismo estão interligados – como um dos principais motores para a redução da pobreza no pós-apartheid.
A conservação, o uso sustentável dos recursos naturais e o turismo ainda não dizimaram as townships na África do Sul, mas fazem parte de um esforço que, oxalá, transformará o país. Dormitando no ônibus, em meio ao trânsito da Marginal Tietê, sonhei que um elefante cruzava a pista…