Em ambientes instáveis, não é aconselhável que uma organização procure um diagnóstico estático. É preferível usar uma metodologia participativa, para entender o problema e encontrar soluções, fazendo um levantamento histórico dos fatores que levaram até aquela situação
Recentemente participei de um grupo de estudos muito interessante, que me levou a pensar sobre o papel do diagnóstico organizacional, a forma como alguns deles são elaborados e o uso do próprio termo. Concordo sobre a importância de identificar o problema, mas também é fundamental lembrar que esta é apenas uma etapa inicial, uma fase pela qual é importante passar, mas não necessariamente indicará a solução. Trata-se de uma fotografia, que captura uma imagem que aconteceu em determinado momento. Portanto, é um recorte, não uma receita. É importante ter em conta essa limitação, especialmente em se tratando de ambientes VUCA – contexto marcado por volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade –, que são altamente instáveis.
Certa vez, um colega fez uma analogia entre o diagnóstico organizacional e o da medicina. Ele disse que “um pet scan, exame considerado uma das tecnologias mais modernas para diagnosticar doenças, é capaz de detectar cânceres em locais que exames anteriores não conseguiam, como no hipotálamo. Por outro lado, ele não mostra como curá-lo”. Ou seja, um diagnóstico pode revelar uma doença, mas não necessariamente a sua causa ou cura. Assim é também nas organizações e nos momentos de alta complexidade.
Por isso, sem desmerecer a realização do que hoje chamamos de diagnóstico organizacional, me ocorreram algumas perguntas. Quão importante ele é? Para qual situação? E como melhor usá-lo? Comecei a questionar sua utilidade em um ambiente VUCA, onde tudo muda a todo momento. Fiquei pensando o quão extemporâneo ele pode ser em cenários onde a volatilidade e a complexidade são muito altas.
Nesses ambientes, não é aconselhável ter diagnósticos estáticos, pois o que era ontem pode não ser a realidade do hoje. Faz mais sentido pensar em usar uma metodologia participativa, para entender o problema e encontrar soluções, e fazer um levantamento histórico dos fatores que levaram até aquela situação. Ou seja, em vez de ter um retrato instantâneo, você teria um cenário que abrange um período temporal maior.
Em ambientes VUCA, se não nos atentarmos para uma metodologia participativa na investigação de um problema a ser resolvido, é muito provável que as conclusões sejam de pouca praticidade. É mais recomendável que se faça um levantamento ou mapeamento de informações, de características observadas, de hipóteses capazes de capturar incertezas, incoerências e possibilidades, do que dizer: “Este é o seu problema e vamos curá-lo dessa forma”.
Há uma distinção entre chamar a identificação de um problema na organização de diagnóstico ou de mapeamento/levantamento histórico, pois faz diferença em como lidar com esse resultado. Faço essa diferenciação por perceber que às vezes estamos apegados a um modelo próprio de diagnóstico, “forçando” o problema a se adequar a ele (e não o contrário), o que pode enviesar nossa forma de propor soluções, correndo o risco de gerar “palpites” em vez de soluções concretas. Por isso, é importante que o proponente do diagnóstico ou resposta também se observe em relação a esse possível viés para não sugerir algo que, de certa forma, esteja justificando a sua forma de ver o problema.
Se as partes envolvidas têm abertura e liberdade de não se prender aos resultados do “diagnóstico”, que remete a algo mais estático e categórico, e de perceber que ele é apenas um suporte que ajuda a lidar com a situação do presente, isso dá mais margem para pensar diferente e, consequentemente, criar soluções mais inovadoras e menos formatadas.
Essa abordagem também ajuda na forma como as decisões serão tomadas, até porque receber um diagnóstico carregado de “palpites” sobre o que se deve ou não fazer pode gerar incômodo e resistência, principalmente se não levar em consideração o processo histórico que resultou na situação que precisa ser resolvida. Esse levantamento histórico é fundamental por três motivos:
- Para aprender com os erros e acertos do passado;
- Para reconhecer o conhecimento acumulado e não partir do zero;
- Para dar estofo e segurança para uma tomada de decisão mais segura e com base em algumas evidências do passado, isto é, decidir levando em consideração tentativas e erros testados anteriormente.
A importância da escuta e do registro histórico
Em ambientes VUCA, tentativa e erro é quase uma regra, e não há solução simples ou mágica. É preciso assumir alguns riscos e tomar algumas decisões. Nessas horas, um registro histórico do que aconteceu até aquele momento, incluindo os erros e as tentativas, é um aliado para ajudar a respaldar uma decisão que seja baseada num conjunto de fatores: fatos, aspectos subjetivos, hipóteses, possibilidades e, claro, fatores humanos como intuição, percepção ou qualquer outro nome que você queira dar.
Mas, então, faz sentido fazer um diagnóstico de uma situação que pode ser tão dinâmica e que pode mudar a todo momento, como em um ambiente VUCA? Em ambientes de alta complexidade não é fácil obter uma resposta única e categórica sobre um problema. Por isso, o diagnóstico tem um alto risco de ser uma perda de tempo. Mas é essencial um levantamento histórico que indique onde a organização está e trabalhar possíveis caminhos a partir de uma escuta ampla com suas partes interessadas (stakeholders).
É importante que essa escuta considere diferentes stakeholders tanto dentro quanto fora da organização, bem como preste atenção na opinião daqueles que não fazem parte do alto escalão, para conseguir medir o que as pessoas realmente pensam. As pessoas têm perspectivas diferentes e ir montando esse mosaico de pontos de vista pode gerar um bom produto que ajudará a indicar possíveis soluções ou até mesmo espelhar soluções que já foram pensadas, mas não escutadas ou sistematizadas.
Da mesma forma, pode ser que em ambientes VUCA tenha-se bastante rotatividade de atores e isso dificulte que os novos egressos saibam o histórico do que aconteceu e, com isso, haver “bateção de cabeça” para tentar compreender algo que já foi lição aprendida em um passado recente.
Mais uma vez, o registro histórico pode ser uma solução para zelar por esse histórico. Pode parecer óbvio, mas nem sempre é uma prática comum, porque em ambientes VUCA é tudo muito dinâmico e os envolvidos podem achar que não vale a pena gastar tempo registrando, já que o que se quer é resolver. Mas é importante reservar um tempo para isso, ainda que pequeno, pois esse registro pode ser crucial tanto do ponto de vista estratégico quanto para a longevidade da organização.
Por outro lado, também é importante salientar que, mesmo com todas essas possibilidades de registro, existem situações que são completamente incontroláveis e imprevisíveis e que o registro pode não ser prioritário em um primeiro momento. Voltando à analogia do diagnóstico médico, são as situações em que não é necessário um diagnóstico para que se faça uma intervenção.
Um exemplo disso é um incêndio, um acidente ou a Covid-19. Não importa se o motivo do fogo ou acidente eram evitáveis ou se havia um histórico familiar da doença, o foco está em apagar o incêndio, salvar a pessoa e, no caso do vírus, evitar que ele se espalhe ainda mais, em especial, pelas populações de risco ou mais vulneráveis.
Nesses momentos em que as características VUCA estão mais acentuadas e à flor da pele e não há nenhuma receita de bolo a ser seguida, o que impera é a necessidade. Como diz Jorge Melguizo, conferencista mundial e ex-secretário de cultura de Medellín, na Colômbia, o que há de mais inovador é a necessidade. (Medellín passou por um processo de transformação social e urbanístico que se tornou uma referência mundial. Em 20 anos, deixou de ser uma das cidades mais violentas e desiguais do mundo para renascer como uma das cidades mais inovadoras.)
Neste período de pandemia, essa hipótese parece ser bastante aplicável e temos visto diversas empresas tirando do papel ideias que, do contrário, poderiam ter levado anos para serem implementadas.
Sendo assim, as reflexões que gostaria de provocar são:
- Temos que ampliar o nosso olhar sobre os problemas e propostas de solução;
- Para situações complexas onde as respostas não são claras, a melhor decisão pode ser fazer perguntas em vez de ter ansiedade por respostas estáticas ou diagnósticos;
- Sem dúvida os desafios da inovação são enormes e não é sempre que conseguimos olhar o copo meio cheio, mas, como diz Melguizo, é preciso buscar novas respostas aos problemas de sempre, além de fazer novas leituras desses problemas, começando por fazer mais perguntas sobre eles;
- Sempre que possível, pode valer mais a pena, como ponto de partida, sentar-se para ouvir uma história de forma mais despretensiosa e registrá-la para tentar montar as peças do quebra-cabeça;
- Em situações extremas como a da Covid-19, temos que agir acima de tudo, mas também é interessante ter registros parciais das lições aprendidas para que possam ser úteis no futuro.
*Luana Maia é mestre em sustentabilidade, apaixonada por psicossíntese, consultora em governança multistakeholder e ex-coordenadora executiva da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura
[Foto: Denise Jans/ Unsplash]