[Foto: Indústrias instaladas na região de Jurubatuba. Hamilton Furtado/ Wikimedia Commons]
Instituto Ekos Brasil propõe programa para manejo sustentável de aquífero profundo em Jurubatuba, em São Paulo. Se bem sucedido, pode ser aplicado a outras regiões metropolitanas do País
A crise hídrica que atingiu o estado de São Paulo entre os anos de 2014 e 2015 é um fantasma que invariavelmente volta para assombrar a população e as autoridades nos meses de verão. À época, especialistas apontavam que situações de estresse hídrico seriam cada vez mais recorrentes devido à mudança climática. Apesar desse cenário, o uso das águas subterrâneas para o abastecimento público ainda é pouco explorado, tendo desempenhado um papel irrelevante durante a crise hídrica. Estudos apontam um potencial bastante significativo para a exploração dos aquíferos da Região Metropolitana de São Paulo, mas seu uso depende do enfrentamento coletivo de problemas ambientais.
É o caso do aquífero cristalino profundo, que se estende por uma grande área na Região Metropolitana de São Paulo e sofre com problemas de contaminação, principalmente na região de Jurubatuba, na Zona Sul da capital paulista. A região se caracteriza por uma forte atividade industrial a partir da segunda metade do século passado, apresentando densa urbanização com poucas áreas de mata e campo preservadas e um histórico de contaminação de água subterrânea por diversas fontes. Por outro lado, é uma das regiões com uma das maiores extrações de água subterrânea da Bacia do Alto Tietê.
O período mais intenso de contaminação na região de Jurubatuba ocorreu, principalmente, entre as décadas de 1980 e 1990, com a liberação de solventes clorados no solo, que acabaram contaminando as águas subterrâneas mais rasas e o aquífero profundo do local. A partir disso, muitos estudos foram e continuam sendo realizados para detectar o grau de contaminação. É uma tarefa de grande complexidade, pois se trata de um aquífero fraturado, ou seja, um tipo de reservatório subterrâneo em que a água se move pelas fraturas das rochas. Em paralelo, o Ministério Público Estadual já entrou com diversas Ações Civis Públicas exigindo a descontaminação por parte das indústrias instaladas na região à época.
Para enfrentar o problema, o Instituto Ekos Brasil, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), propôs a criação de fundo privado especialmente desenhado para a implementação do Programa Regional de Manejo Sustentável do Aquífero Profundo em Jurubatuba, com mecanismos financeiros que permitam a aplicação de contribuições pelos responsáveis legais por um período limitado. Seu escopo técnico define como objetivo a busca de uma solução pragmática e boa para todos, significando um programa regional eficaz de baixo custo.
O Programa Regional estrutura-se em quatro pilares: 1) criação e manutenção de um banco de dados, reunindo os dados de monitoramento do aquífero profundo de várias fontes, 2) desenvolvimento de ferramentas de apoio à tomada de decisões para os órgãos públicos – entre os quais Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee), Ministério Público – e outras partes interessadas para possibilitar o manejo do aquífero profundo como uma reserva estratégica ou emergencial, 3) participação dos responsáveis legais em um acordo coletivo e 4) aumento da disponibilidade local de água subterrânea para os atuais e futuros usuários de poços outorgados.
Entre as principais metas do Plano Regional estão garantir maior disponibilidade de água subterrânea, reduzir as restrições de bombeamento e conquistar melhoria gradativa da qualidade regional da água subterrânea com menor risco de exposição da população.
O trabalho será organizado em quatro frentes: prevenção e proteção, monitoramento regional do aquífero profundo, controle hidráulico e acompanhamento das intervenções em áreas fontes e plumas rasas e realizado por prestadores de serviços contratados por meio de processos de licitação. O compartilhamento de recursos e informações entre os participantes do programa resultará em uma abordagem mais rápida, eficaz e econômica para melhorar a qualidade do aquífero profundo.
Um dos resultados positivos esperados é que o programa contribua para a resolução dos conflitos jurídicos existentes, substituindo-os por um acordo coletivo, oferecendo assim maior segurança jurídica para as empresas participantes. O acordo coletivo também prevê o comprometimento dos participantes do programa regional de intervir nas áreas fontes (instalação ou material a partir dos quais os contaminantes se originam e são liberados para os meios impactados) e plumas rasas (pluma formada por compostos dissolvidos na água subterrânea de até 30 metros de profundidade) para que haja uma redução no fluxo de massa de contaminantes para o aquífero profundo.
A criação desse programa, discutida há meses, foi formalmente apresentada a representantes do estado e do município de São Paulo, de consultorias especializadas, do Ministério Público, de universidades e de ONGs durante o XII Seminário Ekos Brasil, realizado no fim de outubro. As reuniões contaram com a participação efetiva de representantes da Cetesb, do Daee e do Ministério Público do Estado de São Paulo, entre outros.
Ainda que existam iniciativas similares no estado de São Paulo, coordenadas pela Cetesb, esta é a primeira vez que se propõe a criação de um programa focado especificamente em melhorar a qualidade da água subterrânea do aquífero profundo. Jurubatuba será o projeto-piloto desenhado a muitas mãos, envolvendo todos os atores sociais, políticos e econômicos relevantes para seu sucesso.
A partir de seu êxito, o mesmo conceito poderá ser aplicado em outras regiões metropolitanas. A proteção, o monitoramento, a reutilização e o manejo das águas subterrâneas urbanas como uma reserva estratégica ou emergencial pode ajudar a mitigar uma crise hídrica no futuro, proporcionando melhor perspectiva de segurança de abastecimento hídrico para a sociedade.
*Ana Cristina Moeri é diretora-presidente do Instituto Ekos Brasil. Mestre em Geografia pela Universidade de Zurique, Suíça; Olivier Maurer é PhD em Geologia de Engenharia na École des Ponts et Chaussées, Paris; e Sander Eskes é doutor em Engenharia Ambiental pela Escola de Engenharia de São Carlos (EESC/USP).