Espera-se do setor privado mais transparência no reforço do compromisso com o desmatamento zero. Existem elementos táticos, operacionais e de governança corporativa mínimos necessários ao tema; conheça seis deles
O tema desmatamento tem sido pauta recorrente no cenário mundial. Chama a atenção o expressivo aumento de registros nos últimos meses no cenário Brasil. De acordo com o relatório do MapBiomas de junho de 2021, entre 2019 e 2020 houve aumento de 14% no desmatamento em território brasileiro. Ou seja, somente em 2020 registrou-se o impressionante número de 1,38 milhões de hectares desmatados, área equivalente a mais de nove vezes o tamanho da cidade de São Paulo. Os efeitos disso para o planeta são potencialmente desastrosos.
De acordo com recente pesquisa realizada na Universidade de São Paulo, a cada 25% que se desmata de uma determinada área, aumenta-se em 1 grau Celsius a temperatura média local. Fazendo uma analogia simples, a nossa temperatura corporal ideal não deve passar os 37 graus. Basta um grau a mais para estarmos em estado febril. Assim, portanto, é urgente que sejam tomadas ações eficazes e bem estruturadas no combate ao desmatamento ilegal, a fim de preservar a biodiversidade e a vida na Terra.
O setor privado e as economias mundiais já perceberam os efeitos da perda de biodiversidade em seus negócios, colocando o tema nas mais altas classes de risco. Em relatório divulgado em 2020 pelo Fórum Econômico Mundial, o fato é elencado como o quarto maior risco de impacto negativo à economia mundial. É complexo entender como a perda de biodiversidade pode afetar negócios de empresas como Apple ou Google por não haver relação explícita direta, em pensamento simples, entre o celular que utilizamos e a fauna e flora brasileira. Entretanto, é notória a correlação de eventos climáticos adversos intimamente relacionados às crises econômicas mundiais (vide 2008 e 2015).
Expoente da reação empresarial para o tema, Larry Fink, CEO da BlackRock, maior gestora financeira do mundo, publicou em 2020 sua carta aos CEOs mundiais pedindo mais ações efetivas e transparência às empresas, destacando-as em três grandes eixos temáticos – Ambiental, Social e Governança (ESG, em inglês). Desta iniciativa e outras da sociedade civil organizada, eclodiram mundialmente novos compromissos das organizações privadas em diferentes ambições. Entre elas, a redução das emissões de carbono, do desmatamento e da perda de biodiversidade.
Com isso, o setor privado tem sido crescentemente demandado por mais transparência no reforço do compromisso com o desmatamento zero, haja vista a multiplicidade de desafios nas cadeias diretas e indiretas de fornecimento (no caso, por exemplo, da atividade pecuária) ou mesmo devido à pulverização geográfica das áreas de atuação e propriedade. Existem elementos táticos, operacionais e de governança corporativa mínimos necessários ao tema:
- Uso de plataforma pública de monitoramento do desmatamento, reconhecida internacionalmente e que tenha como mentores técnicos minimamente e obrigatoriamente institutos de pesquisas independentes, organizações não governamentais e universidades.
- Transparência em múltiplos níveis, demonstrando em resolução detalhada (30m é o desejável) o cruzamento das bases públicas com as áreas de domínio da organização. Também é importante que toda a cadeia de fornecimento até o segundo nível seja monitorada.
- Caso tenha ocorrido desmatamento, a organização deve transparecer as ações tomadas com prontidão, mecanismos de revisão de gestão para coibir recorrências e prazos para mitigação dos impactos negativos gerados.
- Obter sistemática de verificação por terceira parte independente, a fim de assegurar que todo o processo adotado confira credibilidade, precisão técnica e imparcialidade de análise e reporte.
- Frequência consistente de verificação à luz da escala e magnitude do impacto do negócio, sua fronteira de expansão e a disponibilidade de informações públicas mais atuais disponíveis.
- Em um futuro muito próximo, tornar públicos resumo executivo e versão expandida com teor técnico de como o processo foi desempenhado será mandatório, a fim de atingir o público geral e técnico específico, respectivamente, provendo transparência adequada à sociedade.
No Brasil, enquanto empresas como JBS e Marfrig comprometem-se com desmatamento zero em sua cadeia de fornecimento no horizonte de 2030, a comunidade empresarial brasileira já detém expoentes protagonistas no tema, com compromisso público de desmatamento zero de anos pregressos. A Suzano, por exemplo, com política de desmatamento zero lançada no ano passado, não se ateve somente à meta. Foi além por meio de uma governança pautada na transparência pública de suas ações.
Lançado também em 2020, o relatório de Desmatamento Zero Suzano apresenta uma metodologia com foco na investigação de áreas desmatadas sob sua gestão. Em sua essência, o procedimento adotado pela empresa utilizou dados de alertas de desmatamento do MapBiomas Alerta e Relatório de desmatamento da SOS Mata Atlântica, confrontando com bases geoespaciais da organização. Como conclusão, foi publicado em seu website que 120 hectares haviam sido desmatados por invasão ilegal ou incêndio criminoso e medidas jurídicas foram adotadas. Além disso, já existe nesses locais a implementação de restauração ecológica (plantio de nativas ou regeneração). Constatou-se ainda que não houve plantios de eucalipto – principal cultura florestal da empresa – em áreas de desmatamento, sendo que toda sistemática foi verificada por auditoria independente do Bureau Veritas.
Sociedade de olho
Esse grau de transparência e gestão da temática com foco em controlar e combater o desmatamento, no entanto, ainda apresenta importantes oportunidades de evolução no setor produtivo brasileiro. O processo de transformação digital exigirá que, em um futuro próximo, sejam adotados novos sistemas e plataformas, já que, com o avanço de tecnologias por sensoriamento remoto, em poucos meses qualquer indivíduo conectado à web poderá obter, em tempo real, informações de desmatamento e de quem o praticou (ou autorizou).
O fato de estarmos em plena era da informação traz a transparência como ponto central de gestão das organizações privadas. Alguns segundos são suficientes para que fatos novos se espalhem via redes sociais, imprensa e aplicativos de celular, entre outros. E os desafios se ampliam a partir do momento em que contamos com gerações cada vez mais conscientes de seus hábitos de consumo, que avaliam procedência de produtos e serviços não só pela qualidade e preço, mas pela forma como a empresa atua e pela idoneidade e posicionamento da marca.
Antagonicamente, ao mesmo tempo em que cresce a preocupação da sociedade com a temática ESG, somos obrigados(as) a conviver com um volume expressivo de fake news – notícias falsas e de fontes duvidosas que insistem em adentrar grupos de aplicativos e redes sociais, exigindo esforços redobrados para que companhias se posicionem de forma ágil e exerçam o olhar ampliado para a percepção e expectativa dos seus diversos públicos.
Trata-se de uma elevação substancial de patamar de transparência empresarial. Iniciamos uma era em que a sustentabilidade integrada ao negócio é fator intrinsecamente determinante para a perpetuidade de qualquer segmento. Olhar sistêmico e adesão a práticas que tracem compromissos claros e objetivos que transpareçam cada vez mais a idoneidade dos negócios e seus processos são fundamentais. É a gestão de negócios para stakeholders, que amplia olhares para temas críticos e exige posicionamento, atitude, protagonismo e ineditismo para atuar com um diferencial competitivo absolutamente estratégico: a transparência. Assim como acontece na natureza, as empresas deverão se adaptar por questão de sobrevivência.
*Yugo Matsuda é engenheiro ambiental com experiência de 11 anos no setor florestal. Atualmente é head Brasil de meio ambiente para o Mercado Livre.
**Mábily Faria é formada em Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos pela Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo, é especialista em geoprocessamento e data analysis, atuando há oito anos no setor florestal em empresas de grande porte.
***Danielle de Paula é jornalista e especialista em Marketing pela Fundação Dom Cabral. Já atuou em mineração, siderurgia, tecnologia e, atualmente, é gestora de Comunicação e Marca BA e MG na Suzano SA.
[Foto: A.Duarte/ Flickr Creative Commons]