Diante da baixa pontuação em países como o Brasil, a ONU lançou ferramenta para ajudar as empresas a acelerarem a governança a partir do ODS 16, que preconiza paz, justiça e instituições eficazes. O pressuposto é que, ao trabalhar por essas conquistas, as empresas adquirem condições mais favoráveis para alcançar os demais objetivos
Cresce gradativamente o consenso a respeito da relevância do fator G dentro dos critérios ESG (sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança) para que as mudanças almejadas pelas empresas ganhem ritmo e resultados mais expressivos. A crença, cada vez mais sólida no mercado como um todo, é que a governança representa o eixo central do tripé ESG, sendo estratégica para promover a sustentabilidade em suas diferentes vertentes (social e ambiental), potencializando o movimento top down, isto é, partindo da liderança e permeando a organização toda.
A boa governança corporativa zela para que as atividades empresariais aconteçam da forma mais responsável e transparente possível, garantindo tanto a longevidade dos negócios quanto a geração de impactos positivos para a sociedade e o meio ambiente. Redução da ocorrência de fraudes, controle de riscos e incentivo à diversidade são alguns dos muitos temas pautados e monitorados por ela. Por traduzir as políticas e os valores que norteiam a atuação de uma corporação, a governança pode ser considerada a força motriz de boas práticas de qualquer espécie.
No Brasil, damos os primeiros (e tímidos) passos nessa seara. No último ano, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), realizou e divulgou a pesquisa Pratique ou Explique: Análise Quantitativa dos Informes de Governança.
Entre as 360 empresas nacionais que apresentaram o Informe de Governança, a taxa de aderência às práticas do Código Brasileiro de Governança Corporativa ficou em apenas 54,3%, número 3,2% acima do registrado em 2019. Levando-se em conta o fato de que o estudo alcança algumas das mais importantes corporações do País, era de se esperar um nível de engajamento maior.
De acordo com a edição de 2021 do índice SAHA, que avalia comparativamente o grau e a qualidade das práticas de governança corporativa adotadas em diferentes países, o Brasil tem um total de 50 pontos, 20 a menos que a média mundial, que é de 70 pontos. No mesmo ranking de pontuação que o Brasil estão países como Israel, Espanha, Nova Zelândia e Holanda. À exceção de boa parte da Europa, o tema avança lentamente em todo o mundo, por vezes mais orientado pelo senso de marketing ou de dever legal do que pelo compromisso de fazer o certo e o melhor.
Com o intuito de reverter esse quadro, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou, em junho, a ferramenta ODS 16 Business Framework: Inspiring Transformational Governance (ou ODS 16 Enquadramento Empresarial: Inspirando a Governança Transformacional), para ajudar as empresas a acelerarem a governança a partir do 16º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que preconiza paz, justiça e instituições eficazes. O pressuposto é que, ao trabalhar por essas conquistas, as empresas adquirem condições mais favoráveis para alcançar os demais objetivos (no total, são 17 objetivos a serem atingidos até 2030).
Os princípios embutidos no ODS 16 são essenciais para ambientes lucrativos e sustentáveis, contribuindo diretamente para a prosperidade dos negócios e para a atração de investimentos. Paz, justiça e instituições eficazes constituem a base sólida e segura que viabiliza a inovação, o desenvolvimento econômico, a geração de empregos e de renda, a diminuição da pobreza e a ampliação da oferta de oportunidades.
Além disso, o 16º objetivo está plenamente alinhado à necessidade premente de as empresas dedicarem atenção a demandas não convencionais, mas profundamente legítimas, vindas de consumidores, de investidores, de órgãos reguladores e de funcionários. O assassinato de George Floyd nos EUA, em 2020, talvez seja o exemplo mais emblemático e recente desse tipo de demanda. A mobilização contra o racismo deflagrada a partir do episódio teve desdobramentos em âmbito global e em várias esferas (política, econômica, social etc.).
A pressão popular forçou desde reformas na legislação dos Estados Unidos até a criação ou revisão de políticas de contratação e promoção dentro das empresas. No Brasil, infelizmente, também testemunhamos casos gravíssimos e sistemáticos de violência racial. Alguns deles produziram forte reação por parte da sociedade civil nos últimos tempos e repercussões, ainda que incipientes, no ambiente corporativo.
A nova ferramenta da ONU pretende inspirar, acima de tudo, a adoção da governança transformacional, uma filosofia que aponta para o futuro do G dentro do ESG. A governança transformacional incentiva as empresas a serem mais responsáveis, éticas e transparentes, disseminando uma cultura de integridade, justiça e inclusão que ultrapasse a mera formalidade legal. O conceito envolve uma noção expandida do elemento G, aprofundando sua influência sobre os valores e as estratégias de negócios, sobre as políticas e as operações da empresa, e sobre os relacionamentos internos e externos que compõem seu campo de atuação.
Pode-se resumir essa nova abordagem como a busca por um alinhamento maior entre governos, sociedade civil e empresas em torno de uma agenda comum, comprometida em não deixar ninguém para trás. Em que pesem os diferentes patamares nos quais as empresas brasileiras se encontram atualmente em relação à governança, é esse o cenário que todas devem mirar desde já.
*Andoni Hernández é sócio de M&A e coordenador da área de ESG no Demarest e **Fernanda Stefanelo é associada-sênior da área Ambiental e de ESG no Demarest
[Foto: Christian Wiediger/ Unsplash]