Uma política climática consistente para o País passa por um sistema regulado, o que torna essencial e urgente a aprovação do projeto de lei que institui o comércio de emissões. Conheça seu funcionamento, a tributação e a interface com o mercado voluntário
Por Beatriz Pereira, Flavia Gardenal Ometto, Gabriel Oura Chiang e Raphael Fonseca Niemeyer*
A possível instituição de um mercado regulado de emissões brasileiro tem sido largamente discutida nos contextos político, econômico e científico. Atualmente, essa proposta está em pauta no âmbito do Projeto de Lei nº 412 (PL), de autoria do senador Chiquinho Feitosa. Esperava-se que o PL tivesse sua aprovação antes da próxima Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – a COP 28, que começa em Dubai em 30 de novembro. Contudo, desde o anúncio de adiamento para o dia 23 da audiência pública que ocorrerá na Câmara dos Deputados sobre o tema, a aprovação do PL nesse prazo ganhou um complicador adicional.
Após sua aprovação pelo Senado em 4 de outubro, o PL foi encaminhado à Câmara para deliberação. Há agora dois cenários possíveis. Caso a Câmara modifique o texto, a proposta retornará para o Senado para avaliação das alterações e, na sequência, seguirá para a Presidência da República. Mas, se a Câmara não realizar qualquer alteração no texto, a proposta será encaminhada diretamente para sanção presidencial.
O texto aprovado pelo Senado propõe a criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), com aplicação sobre atividades localizadas em território nacional, que impliquem em emissões anuais acima de 10 mil toneladas de carbono equivalente (tCO2e), para fins de obrigações de monitoramento e relato de emissões; e acima de 25 mil tCO2e, em relação ao cumprimento dos limites de emissões a serem estabelecidos no Plano Nacional de Alocação (PNA). O PNA corresponde ao documento central de operacionalização do SBCE – no âmbito do qual serão estipulados, entre outros pontos, os limites máximos de emissões a serem observados pelos agentes regulados.
Não há, portanto, uma restrição de alcance e aplicação do SBCE a setores específicos, o que parece coerente com os compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito do Acordo de Paris – dado que a sua Contribuição Nacionalmente Determinada abrange todo o conjunto da economia. Exceção para essa regra refere-se ao setor agropecuário – este conseguiu que o texto aprovado pelo Senado expressamente o retirasse do alcance do SBCE.
Nessa linha, o PL propõe a operacionalização do SBCE a partir da seguinte lógica:
- O PNA será elaborado pelo órgão gestor do sistema (a ser constituído) e aprovado pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima.
- Caberá ao PNA estabelecer os pontos centrais de operacionalização do SBCE, a partir de uma abordagem gradual, já antevendo a trajetória dos próximos dois períodos de compromisso, de forma a assegurar aos agentes regulados maior previsibilidade. Entre outros pontos, o PNA deverá dispor sobre o limite máximo de emissões; a quantidade de Cota Brasileira de Emissões (CBE) – a chamada allowance, ou permissão para emitir – a ser alocada entre os agentes regulados; as formas de alocação das CBEs, gratuita ou onerosa; e a gestão e operacionalização dos mecanismos de estabilização de preços dos ativos integrantes do SBCE.
- Os agentes regulados deverão apresentar anualmente relatos ao órgão gestor do SBCE, comprovando o atendimento das obrigações acima.
- Caberá ao órgão gestor do SBCE apurar as infrações administrativas e aplicar penalidades aos agentes que descumprirem as disposições da Lei, mediante instauração de processo administrativo. As penalidades a serem impostas aos infratores incluem multa, além de embargo e suspensão de atividades. Nas negociações ocorridas no âmbito do mercado financeiro e de capitais, competirá exclusivamente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a aferição de infrações e imposição de penalidades, a fim de evitar dupla punição pela mesma infração.
- A implementação do SBCE ocorrerá em cinco etapas. O 1º PNA, com a distribuição não onerosa de CBEs entrará em vigor apenas na 4ª fase, prevista para quatro a cinco anos da publicação da norma.
O PL ainda estipula que ficará sujeito à incidência do imposto sobre a renda o ganho líquido, quando auferido em operações realizadas em bolsas de valores, de mercadorias e de futuros e em mercados de balcão organizado; ou o ganho de capital, nas demais situações, decorrente da alienação, a qualquer título, de créditos de carbono, CBE e os Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE).
O texto ainda ressalta que o ganho deve ser computado na base de cálculo desses tributos no regime do Lucro Presumido, sem possibilidade de aplicação dos percentuais de presunção, ainda que o ganho seja tratado como receita bruta. Além disso, as receitas auferidas não estão sujeitas à incidência das contribuições PIS e Cofins.
Contudo, esta isenção pode se tornar inócua a depender da evolução da reforma tributária do consumo, por meio da PEC 45/2019, que provavelmente não excepcionará tais operações da incidência do IBS e da CBS (tributos que substituirão os atuais tributos sobre consumo, inclusive as contribuições PIS e Cofins).
Mercado voluntário
Os créditos de carbono gerados no âmbito do mercado voluntário serão admitidos no SBCE, desde que tenham sido desenvolvidos a partir de metodologias credenciadas pelo órgão gestor do SBCE, sendo que neste credenciamento se buscará garantir também a integridade ambiental e o cumprimento de salvaguardas socioambientais e sejam inscritos no Registro Central do SBCE, entre outras condições.
Em termos de metodologias credenciadas, as diretrizes da Comissão Nacional para REDD+ não estão alinhadas com as metodologias de entidades privadas como a Verra, certificadora mundial de projetos voluntários de carbono.
Avançar nesse ponto é essencial para garantir a interoperabilidade entre os mercados regulado e voluntário brasileiro – largamente baseado em metodologias privadas. Assim, uma vez admitidos no SBCE, os créditos de carbono passarão a ser denominados CRVEs e poderão ser utilizados para demonstrar o cumprimento das metas em PNA, observado o patamar máximo que o próprio plano trará.
Uma política climática consistente para o País passa pela implementação de um sistema de emissões – e por isso, é essencial e urgente a aprovação do PL.
*Beatriz Pereira é advogada no escritório Stocche Forbes na área Ambiental, Carbono, Finanças Sustentáveis e Investimentos. Flavia Gardenal Ometto e Raphael Fonseca Niemeyer são área de societário e Gabriel Oura Chiang é da área de tributário.