[Haras]
Propriedade obtém apoio para restaurar a vegetação nativa e cumprir a lei florestal com mudas viabilizadas pela compensação obrigatória de impactos ambientais de empreendimentos no estado de São Paulo
Por Sérgio Adeodato, de Jaguariúna
Fotos: SOS Mata Atlântica
Desde os 12 anos no corte de cana após abandonar a escola para ajudar a mãe, ele derrubou muita árvore centenária com o trator, quando o padrão mandava. Foi assim por vinte anos. Hoje, plantar floresta é o ganha-pão de Mauri Roberto de Toledo, paulista de Porto Feliz integrado a novas práticas no agronegócio do interior de São Paulo. No comando da empresa MR Ambiental, prestadora de serviço para a SOS Mata Atlântica nos locais em restauração, o ex-boia fria lidera o trabalho no Haras Maripá, em Jaguariúna (SP), onde áreas de preservação estão sendo recuperadas para a propriedade se adequar à lei ambiental. “O trabalho compensa o que fiz no passado, e é mais valorizado e reconhecido”, diz o executor dos plantios. Triste ao lembrar dos canaviais que encostavam na beira dos riachos e carreavam barro para a água, o empresário agora conserta estragos – das plantações de cana e outras atividades rurais, no interior paulista. Para restaurar 62 hectares, proteger 11 nascentes e cumprir a lei ambiental, o haras recebeu cerca de 145 mil mudas nativas, com apoio técnico para plantio e monitoramento. Mauri constata:
“Com árvores, e não mais cana, os desafios aumentam, mas os resultados são gratificantes quando vemos a fauna voltando”.
Nas visitas às parcelas do terreno para verificar os resultados, além dos deslocamentos de carro, às vezes é necessário percorrer 19 km a pé, durante dois dias, em três pessoas. “O início foi ainda mais desafiador, na necessidade de isolar área de pastagem com gado e capim alto, e plantar floresta com logística difícil. Havia barranco, pedra, cobra, abelha; foi tudo na enxada e cavadeira”, conta Mauri. Ele se prepara para a quinta fase de plantio, com mais 10 mil mudas.
Há 40 anos especializado na criação de cavalos manga-larga marchador para equitação, cavalgadas e outras práticas, o haras também investe no melhoramento genético de elite da raça bovina nelore e caprinos. Mais recentemente, a propriedade avançou no projeto de regularização ambiental, com plantio de vegetação nativa nas áreas que protegem a água. Após o período de manutenção e cuidados conforme os protocolos, a primeira fase dos plantios de mudas já atingiu os parâmetros de maturidade para a floresta se manter e continuar crescendo sem intervenções.
Juntar fragmentos de mata
A iniciativa em Jaguariúna foi contemplada pela cooperação entre a SOS Mata Atlântica e o órgão ambiental paulista, a Cetesb, visando a restauração de floresta via Termo de Compromisso de Recuperação Ambiental (TCRA). O mecanismo tem como princípio a compensação de impactos de empreendimentos no Estado de São Paulo por meio do plantio de árvores em propriedades rurais que precisam se adequar ao Código Florestal.
No Haras Maripá, o projeto completo na área abrange a compensação ambiental de 67 empresas ou pessoas físicas aderentes ao mecanismo gerido pela Cetesb. “A estratégia do modelo no território estadual é somar várias demandas de obrigações legais em fragmentos de mata maiores, de modo a aumentar a eficiência ecológica e reduzir custos”, explica Filipe Silva, coordenador das ações desta modalidade na SOS Mata Atlântica.
“Conseguimos realizar a compensação ambiental de maneira efetiva, chegando no final a florestas maduras, e não vazias, como acontecia antes”, ressalta.
Além de resolver a compensação, o sistema traz vantagens ao proprietário rural: “Ele ganha a adequação ao Código Florestal, com regularização do Cadastro Ambiental Rural (CAR), o que normalmente custa R$ 60 mil ou R$ 70 mil por hectare”, diz Filipe. Ao manter áreas de APP, o haras em Jaguariúna pode acessar Pagamento por Serviços Ambientais, previsto em lei municipal para recompensar financeiramente quem conserva floresta e protege recursos hídricos, bem cada vez mais valioso na região. O benefício é de R$ 300 por hectare ao ano, além da cobertura dos custos para o cercamento das nascentes.
Metodologia especial
A iniciativa do TCRA, criada há 10 anos, demandou a construção de uma metodologia para a restauração florestal, com parâmetros específicos de monitoramento, conforme a regulação estadual. As áreas recebem manutenção por 36 meses, visando ajustes no que foi implantado, e são monitoradas por oito anos. A expectativa é chegar nesse período aos padrões exigidos. Vistorias em campo, com medições manuais e condições locais muitas vezes hostis, avaliam quesitos como assoreamento de rios e existência de espécies não nativas, como bambu e pínus, por exemplo.
As mudas devem cobrir pelo menos 80% do solo e a densidade das plantas regenerantes – aquelas que se propagam naturalmente na floresta – deve ser de 3 mil por hectare, com 30 diferentes espécies nativas. Esse número se soma às 2,5 mil mudas nativas plantadas por hectare, previstas na técnica tradicional da SOS Mata Atlântica para o bioma. Ou seja, nesses projetos de compensação ambiental é maior o rigor: a densidade das mudas precisa ser praticamente o dobro da utilizada em outras iniciativas.
Os proprietários rurais têm o prazo de 20 anos para atingir os parâmetros de recuperação da área e se regularizar, conforme a norma estadual. Até o momento, no âmbito do TCRA, 35 áreas estão em restauração, principalmente na Bacia Hidrográfica do Piracicaba, Capivari e Jundiá (PCJ), devido à alta relevância em relação ao abastecimento de água. No total, esses projetos abrangem 798 contratos envolvendo a compensação ambiental de empresas ou pessoas físicas, com plantio de 2 milhões de mudas, em 760 hectares. Ampla documentação técnica é gerada pela SOS Mata Atlântica e disponibilizada aos aderentes do sistema gerido pela Cetesb.