[Alimentação vegana]
O empresário que aposta em negócios ligados a vida saudável embarca na saga de recuperar floresta onde havia gado e mobilizar propósitos que fortalecem a marca e dão sentido a novos hábitos
Por Sérgio Adeodato, de Piranguçu
Fotos: Juan Pablo Ribeiro
O empresário paulistano Leandro Farkuh, ligado ao mundo da alimentação saudável e dos esportes de aventura, quis celebrar os 20 anos do negócio de uma maneira diferente, que fizesse sentido na sua história de vida, com impacto positivo para a natureza. A ideia foi mobilizar marcas parceiras, também conectadas a propósitos ecológicos, e adquirir uma propriedade rural que reunisse – além da beleza cênica – uma condição básica indispensável: ter sido degradada pela pecuária. A missão: recuperar a vida.
Assim o dono da Bio2, fabricante de barras de cereais e proteína, snacks e suplementos veganos em São Paulo, chegou a um refúgio de 77 hectares, nas montanhas da Serra da Mantiqueira, em Piranguçu (MG). E lá iniciou a complexa jornada de reconstruir a floresta no lugar do pasto, trazendo de volta água, biodiversidade e convívio com a natureza. “É um exemplo de que é possível a transformação para um modelo de vida mais sustentável que defendemos no veganismo”, afirma Leandro.
A inspiração surgiu após o plano inicial de doar recursos para plantio de 15 mil mudas em parceria com o programa Florestas do Futuro, da SOS Mata Atlântica, implementado com apoio de doadores em propriedades que precisam se adequar à legislação ambiental. “Como desejávamos conhecer o local, participar diretamente do processo e acompanhar o crescimento das árvores, veio a sugestão para que tivéssemos a própria fazenda. A provocação virou aventura para a gente”, conta Leandro, criador da Floresta Bio2, ao lado de empresas como a Mitsubishi Motors, a Can-Am e a Biowash, entre outros patrocinadores.
Neste caso, o objetivo foi muito além da regularização ambiental da Reserva Legal (RL) e Áreas de Preservação Permanente (APPs) para proteção da água. O plano foi cobrir de floresta a propriedade praticamente inteira. Desde 2019, foram plantadas 79 mil mudas, com investimento R$ 1,5 milhão no projeto de restauração da vegetação nativa que chegou em janeiro à quarta e última fase, com apoio técnico e monitoramento da SOS Mata Atlântica.
Primeiro veio a água
No percurso pela BR 459 para Itajubá, Sul de Minas Gerais, e de lá pela BR 383 até Piranguçu, o cenário montanhoso de antigas pastagens e nacos de mata nos vales, na Serra da Mantiqueira, dá sinais sobre o que se vê no ponto final da viagem. Na Floresta Bio2, o escritório de recepção dos visitantes, onde funcionava o curral e o abatedouro da antiga fazenda, atualmente é local de encontro para o nascimento de novas ideias. Na parede, o mapa indica as áreas de reflorestamento e demais atrativos: o spa natural, a caverna da onça, a árvore sagrada, a geodésica e o camping. Ao lado, a placa com o símbolo de uma pá e uma muda, avisa: “Homens trabalhando”.
Na paisagem, morros exibem mudas em crescimento, como uma vitrine do trabalho lá conduzido, baseado em três pilares: meio ambiente, nutrição saudável e atividades físicas. No caminho até a casa, chalés, galpões de equipamentos e outras estruturas construídas no local, a grota onde o gado bebia água é agora uma nascente cristalina e regenerada, sob a sombra das árvores plantadas na primeira etapa da restauração, incluindo um pomar com 40 espécies frutíferas. Entre as pedras e piscinas do riacho, o barulho da água corrente permite um contato energético de bem-estar. “A regeneração da natureza inspira mudanças de atitudes e sentimentos”, ressalta Leandro. “Para cuidar bem do solo, das plantas e das outras pessoas, é preciso primeiro cuidar de si próprio”.
Próximo à área de camping, vestuário e cozinha, grandes rochas que beiram a mata servem para atividades de escalada, além da pista de mountain bike e outros esportes de aventura. Mais adiante, uma estrutura geodésica inspira meditação, ioga e outras práticas com o visual das estrelas, ao lado de um mirante que dá vista para o Laboratório Nacional de Astrofísica, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), localizado no alto de um morro vizinho, em região reconhecida pela qualidade do céu para observações astronômicas.
Luta contra a braquiária
Em terra firme, com os pés no chão, a floresta em restauração é resultado de aprendizados e desafios, como a necessidade de usar herbicidas químicos contra a braquiária, o capim do antigo pasto que predomina na competição com as espécies nativas na paisagem. “De início, não queríamos aplicar o produto, devido aos nossos princípios de só utilizar métodos naturais e não tóxicos, mas constatamos ser possível empregá-los, desde que na medida certa e com ferramentas corretas”, admite Leandro. Há necessidade de atenção redobrada para plantas exóticas invasoras, riscos de fogo e outros percalços, alvos do trabalho de manutenção e monitoramento dos plantios, conforme protocolo da SOS Mata Atlântica. Próxima ao refeitório, uma trilha em descida íngreme leva a uma área de mata já crescida, em diferentes estágios de sucessão florestal, resultado dos primeiros plantios.
“É de arrepiar o sub-bosque que se desenvolve abaixo de árvores maiores e mais antigas, como a paineira”, diz o proprietário, orgulhoso pelo tamanho da primeira muda que plantou, de uma araucária. Para alegria ainda maior, espécies da fauna, como iraras, onças e lobos-guarás, antes desaparecidas, já voltaram por lá.
O poder de uma barra de cereal
Na visão de Leandro, “somos filhos da mata, mas estamos muito longe dela e é necessária uma mudança de percepção do valor das árvores, não somente na crise do abastecimento de energia ou de água nas cidades, em eventos climáticos extremos”. Segundo o empresário, não há nada mais eficiente contra esses riscos do que a restauração florestal – sonho que se tornou realidade após uma edição da Bio2 Expedition, em que “vimos nos percursos offroad a dimensão da degradação das paisagens no País, e voltamos com a firme ideia de ter e cuidar da própria floresta”.
Chama atenção o envolvimento do proprietário no tema, após uma trajetória empresarial que culminou, há 20 anos, na criação da Bio2. “Tudo começou quando meu pai investiu numa fábrica de pé de moleque e, em 1995, criou a segunda barra de cereal do Brasil, mas o negócio não andou porque era muito avançado para o tempo”, conta Leandro. Até que, quatro anos mais tarde, quando já cursava Economia, o jovem universitário arrumou emprego de assistente industrial em uma fábrica de biscoitos: a Renks, onde subiu na carreira, tornou-se sócio e voltou com o projeto da barra de cereal – desta vez com cobertura de chocolate, uma novidade na época.
Em parceria com grandes clientes, como o Pão de Açúcar, o empresário desenvolveu mais de 300 barrinhas. “Era tudo tranqueira, baratinhas, com ingredientes artificiais”, revela. Ganhava um bom dinheiro, mas não estava feliz, porque o seu propósito no mundo da alimentação saudável era bem mais ousado. Leandro arregaçou as mangas e, após juntar o primeiro milhão, investiu na nova marca. “Com altos custos e dificuldades de reconhecimento como produto orgânico e vegano, pioneiro na época, demoramos 10 anos para ter sustentabilidade financeira e decolar”.
O sucesso tardou, mas veio no rastro do aquecido mercado de alimentos naturais e vida saudável. Uma marca que promove um novo estilo de vida, com mudanças de hábito, passou a buscar referências capazes de demonstrar, com experiências sensoriais, que isso é possível. O restaurante que a empresa mantém em São Paulo, show-room da alimentação vegana, é um exemplo. Mas é na Floresta Bio2, com árvores nativas da Mata Atlântica em lugar do gado, que o público melhor percebe a possibilidade – e os ganhos para o planeta – de uma rotina sem a carne.
Câmeras fotográficas registram tudo, o antes e o depois. Com as imagens e o cacife dos bons resultados na área, o plano agora é mobilizar proprietários vizinhos, em parceria com a prefeitura, para ampliar a restauração, formando corredores de biodiversidade. “Para além do marketing, o poder de pessoas juntas, fazendo a mesma coisa, é fundamental à natureza”, destaca Leandro. O diferencial, diz, não é somente consertar impactos na Mata Atlântica, mas ser um exemplo de transformação que ataca causas da degradação. Uma referência de como restaurar floresta mobiliza propósitos que revertem para a sustentabilidade do próprio negócio.