A comunidade climática deve se unir e se organizar para proteger o Acordo de Paris, que entrou em risco com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos – conclamou a CEO da European Climate Foundation (ECF), Laurence Tubiana, ao abrir a Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias. Uma das arquitetas do Acordo, ela ressaltou o papel do Brasil em posicionar a COP 30 como um momento crucial na ação climática global. O País deverá mostrar a importância do multilateralismo e das soluções climáticas cooperativas, atuando como um líder, ao mesmo tempo em que precisará fazer a lição de casa para manter a credibilidade
Por Amália Safatle, de Belém do Pará
Na palestra que abriu a Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias de 2024, em Belém do Pará, a CEO da European Climate Foundation (ECF), Laurence Tubiana, conclamou a comunidade climática e todas as pessoas que trabalham em prol do clima a se organizarem diante dos riscos que o Acordo de Paris atravessa. Ela se referia especialmente à recondução de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, noticiada naquele dia, 6 de novembro.
Mas o fato de ter recebido em Belém a notícia da eleição de Trump animou a professora no Sciences Po, Instituto de Estudos Políticos de Paris, por entender que o Brasil será um país-chave para liderar um movimento de coalizão dos países para proteger as decisões tomadas em 2015 no Acordo de Paris. Especialmente porque o Brasil sediará dez anos depois, em 2025, a COP 30. Independentemente do resultado na eleição americana, ela acredita que tanto a China como a Europa continuarão trabalhando para manter o Acordo e tem certeza que o Brasil também manterá o foco.
“Hoje foi uma manhã triste, mas fiquei mais otimista após conversar com Raul Jungmann [presidente do Ibram], porque estamos agora trabalhando em estreita colaboração com a sociedade brasileira”, afirmou Tubiana. Segundo ela, os tempos pela frente serão difíceis com Trump, mas será ótimo debater, em colaboração com a sociedade brasileira, os impactos de sua eleição para a crise climática global.
Para Tubiana, que atuou como negociadora do Acordo de Paris, sediar a COP 30 representa a entrada do Brasil no mundo das COPs, o que tende a projetar o País internacionalmente. Isso ocorre em um momento geopolítico crítico, em um cenário de polarização política, crise de liquidez de países de baixa renda e uma série de conflitos militares significativos pelo mundo todo.
“Esta é uma grande oportunidade para o Brasil, seu governo e sua sociedade”, disse. “O Brasil pode oferecer soluções. Vocês são agentes de mudança apoiados por outros países, e essa é uma posição privilegiada.”
Para ela, caberá ao Brasil encontrar um campo em comum entre os interesses divergentes dos países, no momento em que o mundo está perdido, sem liderança nesta matéria. “Por isso, precisamos não de um intermediário, e sim de um líder”, afirmou. Como uma democracia do Sul Global, o Brasil deve mostrar a importância do multilateralismo e das soluções climáticas cooperativas.
Mas, para isso, o País precisa ir além dos interesses nacionais de curto prazo e fazer sua lição de casa, dando o exemplo. “É impossível ser líder sem fazer o trabalho em casa também. Porque se você tenta ser líder internacionalmente, mas não faz nacionalmente aquilo que diz, não terá credibilidade”, afirmou. O Brasil deve, portanto, alinhar políticas nacionais e internacionais para obter máxima legitimidade e impacto.
“A COP 30 será a COP das florestas e vai evidenciar o Brasil para o resto do mundo. O Brasil, como nós sabemos, é uma democracia, faz parte dos Brics, faz parte do Sul Global e é importante que o Brasil cumpra todos esses papéis para realmente levar a cabo o seu potencial. O Brasil deve mostrar a importância do multilateralismo”, frisou.
Ela acredita que poucos países serão capazes de prover soluções e liderar essa transição energética – a começar pela capacidade de ofertar os minerais necessários para uma economia de baixo carbono. “Ou seja, esta é uma oportunidade econômica excelente para o Brasil.”
Segundo Tubiana, o País destaca-se também na bioeconomia, no Pagamento por Serviços Ambientais, na restauração florestal e na recuperação de solos. Por isso, Tubiana entende que clima e biodiversidade sejam tratados conjuntamente quando se fala em mercado de carbono, e especialmente defendendo os direitos dos povos que vivem nas florestas. O setor privado deve ser considerado uma peça vital nesse quebra-cabeça, formando coalizões que gerem resultados com transparência e responsabilização.
Para enfrentar a crise climática, Tubiana defendeu Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) mais ambiciosas e consistentes. Os países deverão alinhar seus planos de desenvolvimento climático e econômico até 2035, o que envolve um debate sobre sistemas alimentares de baixo carbono e substituição de combustíveis fósseis.
Tubiana ainda recomendou que a Europa foque no desenvolvimento da economia circular e restrinja os subsídios aos combustíveis fósseis apenas para a parcela da população mais vulnerável, que precisa desse tipo de energia para sobreviver. Observou, ainda, que tanto Europa como Estados Unidos ficaram para trás em relação à China, que avança desde 2010 no desenvolvimento de energias mais limpas.
Mudança de escala no financiamento
Mas ela ponderou que não será possível ter sucesso na busca de uma economia de baixo carbono sem definir um novo patamar de financiamento global, que precisará sair da escala de bilhões e passar a trilhões.
“Precisamos de US$ 3 trilhões por ano e esse recurso deve vir de fontes internacionais. Precisamos de mais capital disponibilizado pelos bancos de desenvolvimento e de uma fonte segura de recursos – e para isso será necessário reformar as instituições financeiras”, disse.
Ela defendeu que os royalties da lucrativa indústria de petróleo e gás sejam revertidos em financiamento da mitigação e adaptação climáticas. Entre outras fontes de recursos, também mencionou a tributação de transações financeiras, das criptomoedas, da aviação particular, das passagens aéreas de primeira classe e das fortunas dos super-ricos.
O volume necessário para lidar com a emergência climática pode soar alto, mas o custo da inação já tem sido grande. Os impactos climáticos estão piorando globalmente, aumentando os custos econômicos. Segundo dados da seguradora Aon, houve US$ 380 bilhões em perdas globais por desastres climáticos em 2023, dos quais apenas um terço estava segurado.
Nova forma de comunicar
Além do financiamento, ela acredita que será preciso aumentar a capacidade de envolver o público para obter um apoio político e comunitário às medidas de combate à crise do clima em um mundo afetado por fake news e pelo poder das chamadas big techs.
Isso, segundo ela, requer uma nova forma de comunicar, vinculando a ação climática a benefícios mais amplos. O público precisará entender que a proteção do clima vai aumentar a paz e a segurança (uma vez que a escassez de recursos ameaça mais conflitos por comida e água), promover a justiça social (hoje o 1% mais rico na França emite tanto quanto os 66% mais pobres) e gerar oportunidades econômicas (por exemplo, alavancar os recursos naturais do Brasil para indústrias verdes, como níquel para baterias de veículos elétricos). Neste campo, o Brasil pode liderar a transição energética, como provedor de minérios críticos e de soluções inovadoras.
Questionada sobre como convencer as pessoas de que a crise climática é tão real quanto urgente, Tubiana respondeu que basta só dar uma olhada pela janela (e ver os desastres provocados pelos eventos extremos) para ser convencido da importância.