No Fórum Mundial de Economia Circular, em maio, líderes da Cúpula do Clima no Brasil destacaram a importância de bons projetos empresariais e de soluções no campo da economia circular para atrair recursos para financiamento
Por: Redação de Página22*
Fotos: Fiesp/ Divulgação
Uma das questões cruciais para o combate à crise climática global é o financiamento aos países em desenvolvimento. Na COP 29, realizada em Baku no ano passado, nações desenvolvidas se comprometeram a fornecer US$ 300 bilhões por ano até 2035. O valor é o triplo do acordado anteriormente, mas distante do US$ 1 trilhão reivindicado pelo Sul Global. O assunto é desafiador para o setor produtivo e, segundo Dan Ioschpe, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e champion da COP 30, deverá ser central na próxima Cúpula do Clima, a ser realizada em Belém (PA).
Ioschpe fez um chamado à ação do setor privado juntamente com o presidente da COP 30 do Clima, André Aranha Corrêa do Lago, durante plenária do Fórum Mundial de Economia Circular 2025 (WCEF2025, na sigla em inglês), no dia 13 de maio, em São Paulo, no Parque do Ibirapuera.
“Achava-se antes que os fundos seriam suficientes para os países em desenvolvimento fazerem o que era necessário, mas hoje sabemos que, sem o setor privado, as coisas não vão acontecer”, afirmou Corrêa do Lago, ressaltando a centralidade da economia circular para mitigar emissões de gases de efeito estufa e promover a adaptação à mudança do clima. “As negociações acontecem sob o escopo da COP e do Acordo de Paris, mas a implementação cabe a todos”, completou.
“Na medida em que formos adotando soluções e projetos excelentes, vamos nos surpreender com financiamento adicional, fundos e estratégias adicionais que podem surgir”, destacou Ioschpe no Fórum.
Dan Ioschpe, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e champion da COP 30. Foto: Ayrton Vignola/Fiesp/ Divulgação
A Fiesp é uma das realizadoras do evento, ao lado da Confederação Nacional da Indústria do Brasil (CNI), do Serviço Nacional de Aprendizagem Industria (Senai), do Senai-SP e do Fundo de Inovação Finlandês Sitra. O WCEF ocorrerá até esta sexta-feira (16/5) e terá um total de 120 sessões, com mil convidados presenciais e estimativa de 10 mil participantes online.
O maior evento do mundo sobre economia circular é realizado pela primeira vez na América Latina, destacando soluções tropicais no desenvolvimento da economia circular. Como exemplo de sucesso já consolidado no Brasil, Ioschpe citou os biocombustíveis. Ele mencionou ainda a expectativa em relação ao Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), instrumento de financiamento para remunerar países tropicais pela conservação de suas florestas, a ser lançado na COP30 (saiba mais sobre TFFF aqui).
Transição desafiadora
“Nós perdemos muito do valor criados nos atuais modelos lineares. A ideia da economia circular é recuperar esse valor”, disse Anis Nassar, líder de Circularidade de Recursos no Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês), durante a plenária. Segundo ele, há uma oportunidade econômica significativa associada à economia circular, estimada em US$ 4,5 trilhões até 2030.
Apesar dos benefícios claros, Nassar reconheceu que a transição para a economia circular “não é fácil”, já que os sistemas lineares são seculares. Prova disso é que o elevado e crescente consumo global de materiais atingiu aproximadamente 100 bilhões de toneladas por ano e deverá aumentar em 16% até 2050, de acordo com relatório do Painel Internacional de Recursos (IRP). Esse aumento pode ser atribuído ao crescimento populacional e à elevação do consumo, na medida em que as pessoas saem da pobreza, tanto nos países desenvolvidos quanto em desenvolvimento.
No entanto, Nassar observa um “grande impulso positivo” das empresas e dos governos para investir em economia circular. Uma pesquisa do WEF com 420 executivos mostrou que 75% consideram a economia circular importante ou muito importante para suas empresas – um aumento significativo comparado a 40% três anos antes – e que 95% preveem que será muito importante no futuro.
A Lenovo, principal fabricante de PCs no mundo há uma década, afirmou durante a plenária que busca aplicar a economia circular por meio de design responsável, visando reparabilidade e longevidade, materiais éticos, como plásticos reutilizados, modelos responsáveis, incluindo a gestão do ciclo de vida dos produtos, e inteligência do ciclo de vida, perseguindo transparência na cadeia de suprimentos por meio de IA.
“Desde 2020, nós deixamos de jogar 90 mil toneladas nos aterros sanitários”, disse William Dominici, diretor da empresa, acrescentando que as melhores práticas são compartilhadas com parceiros da companhia. Segundo ele, a criação de um novo sistema de valor que apoie verdadeiramente uma economia circular não depende apenas de uma empresa, e sim requer a colaboração entre setores e governos.
Foto: Ayrton Vignola/Fiesp/ Divulgação
O papel da política
As vantagens econômicas da economia circular para o setor privado foram enfatizadas por Rodrigo Rollemberg, secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
“A economia circular aparece como a grande oportunidade, a grande alternativa, a mais barata, a mais eficiente, a mais rápida de descarbonizar os setores industriais”, disse.
A ampla reciclagem de latinhas no País, de quase 100%, faz com que o alumínio brasileiro tenha uma pegada de carbono de um terço da média mundial, e seja um dos exemplos de soluções citados pelo secretário. “Na indústria do cimento, já substituímos 32% do clínquer [substância base do cimento] por meio da utilização de biomassa ou de resíduos urbanos. Tem empresa no Brasil que já substituiu 70% do clínquer por outras alternativas”, completou.
Com iniciativas do poder público que visam regulamentar e incentivar a economia circular no País, soluções como essas tendem a ganhar escala, aposta Rollemberg. Entre as iniciativas estão o recém aprovado Plano Nacional de Economia Circular, o programa Nova Indústria Brasil, o Fundo Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNCT), o Fundo Clima e e um selo verde que está sendo desenvolvido para certificar produtos que sejam sustentáveis, tendo como um dos critérios a circularidade.
Estudos indicam um aumento rápido no número de países com publicações nacionais sobre economia circular, incluindo mapas e planos de ação, passando de apenas 4 em 2016 para 75 recentemente, citou Nassar, do WEF. Ele aponta o Plano Nacional de Economia Circular como um exemplo desse avanço governamental.
Um dos primeiros países a ter um plano nacional para a economia circular, em 2016, a Holanda usa licitações públicas para substituir materiais usados pelo setor de construção, cujo impacto na geração de resíduos é de 37%. O país europeu já é 25% circular, muito à frente da média global, segundo estimativas. E o governo holandês possui metas ambiciosas, como ser totalmente circular até 2050 e diminuir o uso de matérias-primas até 2030.
Para atingir as novas metas, Afke van Rijn, diretora-geral holandesa para o Meio Ambiente e Assuntos Internacionais, enfatizou a necessidade de uma “cadeia de carbono sustentável”, que vá além dos combustíveis fósseis, incluindo teor reciclável (quantidade ou proporção do material que pode ser reciclado), biomassa e captura de carbono.
Susana Muhamad, ex-presidente da COP 16 da Biodiversidade, ressaltou que a economia circular pode contribuir de forma importante ao desacoplar o crescimento econômico e o bem-estar do uso de recursos naturais. Como exemplos de oportunidades no continente latino-americano, ela citou o uso da biodiversidade na agricultura regenerativa e o cultivo de “super alimentos”, recuperando paisagens, reduzindo emissões e criando prosperidade e inclusão.
Com a adoção de proteínas alternativas, agricultura regenerativa e evitando o desperdício de comida, será possível reduzir o uso da terra em 1,5 vezes o tamanho da União Europeia, segundo estudo do fundo Sitra sobre a diminuição da perda da biodiversidade por meio da economia circular.
Mas, para que essa transição funcione, é necessário ir além da implementação técnica da economia circular, argumentou Muhamad. Um processo político de debate e luta contínua será essencial para atingir o equilíbrio de poder rumo a uma sociedade mais justa e um planeta realmente sustentável.
“A renda per capita das pessoas no mundo desenvolvido é seis vezes maior que das pessoas em países em desenvolvimento. É um sistema que criou desenvolvimento, mas enormes desigualdades, uma crise ambiental e falta de segurança. E um dos fatores-chave é o uso de combustíveis fósseis”, pontuou Susana Muhamad. “É uma luta política. A gente tem que dar sangue, suor e lágrimas, se não as coisas não vão acontecer”.
Liderança forte
“Toda a natureza se organiza de acordo com princípios circulares, nada se perde, tudo é transformado. Se nós fazemos parte da natureza, por que não nos comportamos de acordo com essas normas naturais? A COP30 precisa realmente de uma liderança forte e é muito bom que esteja em mãos brasileiras”, disse Janez Potčnik, copresidente do Painel Internacional de Recursos (IRP), que ele descreve como a “coluna vertebral científica da economia circular”. A entidade sugere dissociar a atividade econômica e o bem-estar humano da extração de recursos, focando nos setores de nutrição, ambiente, mobilidade e energia.
Para que a economia circular se torne a norma no globo, é necessária uma mudança sistêmica, defendeu Potčnik. Nesse sentido, ele propôs quatro medidas para organizações internacionais: estabelecer metas nacionais baseadas em dados científicos para o uso de materiais; desenvolver indicadores que meçam a capacidade do sistema de atender às necessidades materiais; implementar reformas fiscais e políticas para refletir os custos sociais e ambientais; e garantir acesso a dados sobre impacto e fluxo de materiais através da gestão de uma agência internacional.
“Aparentemente nós, seres humanos, somos a espécie mais inteligente no planeta. Então é a hora de mostrarmos que isso é verdade. O futuro será verde, com mais igualdade, ou não vai haver futuro”, alertou.
*Por meio de parceria com a Fiesp, a Página22 cobriu o WCEF2025