Todo mundo sabe que não se deve usar um evento isolado, como uma mera onda de calor, para argumentar que a mudança climática é real e bate à nossa porta. Mas desde que cheguei de volta à Austrália, há 10 dias, tem sido difícil manter isso em mente. A previsão do tempo para ontem era de sol e calor. Para hoje, sol e muito calor. Ontem foram 35 graus, hoje, 38. Dias atrás, lavei uma batelada de roupa e estendi no varal. Em menos de uma hora, estavam todas secas. Trata-se da estação seca por aqui – há mais ou menos 60 dias não cai uma gota de água do céu – e minha horta não viveu para contar a história. Dentro de casa, sem isolamento térmico ou ar-condicionado, o efeito estufa rola solto – no meu delírio calorífico, apenas um aperitivo para o que trarão as mudanças do clima.
Há uma grande diferença entre tempo – cuja previsão corremos, ou pelo menos eu corro, para checar todos os dias no jornal ou na web – e clima. Segundo a Nasa, a diferença é uma medida de tempo. A meteorologia trabalha com mudanças de curto prazo – de minutos a meses – na atmosfera, por exemplo aquelas que fazem a roupa do varal secar, ou não, em minutos. Já os climatologistas estudam os padrões médios do tempo em uma determinada região durante um longo período, em geral mais de 30 anos.
Pois bem, aqui na Austrália, tempo e clima parecem estar em sincronia. O ano de 2009 foi o segundo mais quente desde 1910, anunciou o Bureau de Meteorologia no início de janeiro. Desde os anos 40 do século passado, cada década tem sido mais quente do que a anterior e a de 2000 a 2009 bateu todos os recordes. Na análise das temperaturas diárias desde 1960, o Bureau detectou tendência crescente no número de eventos “quentes” e decrescente no de eventos “frios”, o que é “consistente com o cenário de mudanças climáticas”.
Apesar dessa sincronia, ainda tem muito australiano que desconfia dos climatologistas. Em uma conferência no ano passado, uma representante do Bureau de Meteorologia contou que, no contato com as comunidades rurais em Western Australia para informá-las sobre as mudanças climáticas, é primeiro preciso responder a um sem-fim de perguntas sobre como vai ser o tempo no dia seguinte ou daqui a uma semana. E um pesquisador da Curtin University apresentou dados que mostram que a maioria dos agricultores do estado não acredita que as mudanças climáticas sejam decorrentes das atividades humanas.
Confesso que minhas boas ações ambientais durante o resto do ano se esvaem no verão: tudo o que quero é um ar-condicionado. Mesmo sabendo que provavelmente o conjunto de todos os ares-condicionados funcionando em pleno vapor no verão australiano só contribui – embora esteja longe de ser o fator mais importante – para que os verões fiquem cada vez mais quentes. E assim vamos vivendo hoje o tempo que será o clima de amanhã – aqui e alhures. Da minha estufa particular, acompanho de longe o drama semelhante que se desenrola em São Paulo com tanta chuva em 2009 e nesse primeiro mês de 2010.