A Via Quatro, empresa que opera a linha amarela do Metrô de São Paulo, se apresenta à sociedade paulistana como sinônimo de modernidade e integração. A tecnologia das composições e estações nos lembra o primeiro mundo, e impressionam em uma cidade com um passivo em transporte público de qualidade tão significativo como São Paulo, pena que a falta de transparência e respeito aos usuários, incluindo os ciclistas, nos lembre que temos muito a evoluir.
A linha amarela, que tem como slogan: “a linha que veio para integrar”, não está interessada na integração com o modal cicloviário. Explico:
Capítulo 1
O primeiro encontro
No início de setembro, mês em que se comemora o Dia Mundial Sem Carro, enquanto aguardo o elevador que me levaria à plataforma de embarque na estação Paulista, a funcionária denominada “Sra. X” nesse relato me aborda explicando que bicicleta no metrô é permitida apenas após às 20h30 horas.
Argumento que se trata de um modelo dobrável, de pequenas proporções, e que devidamente dobrada deveria ser encarada como qualquer outra bagagem de pequeno volume, e não com uma bicicleta comum. Sugiro que ela deva estar enganada, já que venho há mais de um mês fazendo o trajeto Butantã – Paulista – Butantã, sempre levando comigo a bicicleta dobrável, e que nunca havia recebido esse tipo de orientação dos funcionários da Via Quatro.
A inofensiva bicicletinha, antes e depois de ser dobrada, em frete a Estação Butantã (onde nunca tive problemas para embarcar).
Sra. X está irredutível e acrescenta que a bicicleta deveria estar dentro de uma capa. Saco a capa da mochila e embrulho a bicicleta. Não parece o suficiente para a funcionária.
Pergunto pelo gerente da Estação Paulista e digo que gostaria de esclarecer com ele a política da empresa para o transporte de bicicletas dobráveis. Sra. X diz que ele não se encontra e que na sua ausência ela é a autoridade responsável. Fico estupefato com o argumento. Por fim me libera, não sem antes alertar: “da próxima vez que te encontrar nessa estação você não embarca!”
Sigo caminho injuriado e na estação Butantã busco me informar sobre a tal política. Um funcionário diz não haver restrições de horário para as dobráveis, mas insisto que preciso de uma posição formal. Ele me orienta a procurar a ouvidoria.
A ouvidoria está surda!
Busco esclarecimentos no site da empresa, sem sucesso, e no dia 15 de setembro encaminho um e-mail para a ouvidoria, relatando o incidente com a funcionária e pedindo uma posição institucional sobre a política da Via Quatro em relação ao transporte das tais bicicletas dobráveis. Uma, duas, três mensagens enviadas e nada.
Penso: o papel da ouvidoria não é justamente ouvir as pessoas e clientes da empresa? Se a ouvidoria não te escuta, a quem recorrer?
Vencido pelo cansaço, depois de uma rara tentativa de exercer a cidadania, desisto (temporariamente) da briga com a Via Quatro. Continuo usando diariamente a linha 4 e passo a temer um reencontro com a funcionária que não gosta de ciclistas.
O segundo encontro
O fatídico reencontro se dá no dia 29/09 às 18h00. No mesmo local do primeiro encontro, Sra. X me aborda dizendo que é a segunda vez que me encontra no metrô com a bicicleta dobrável, como se estivesse cometendo um crime, e que dessa vez não poderei seguir viagem. Explico que tentei um esclarecimento junto a Ouvidoria e não tive resposta, e peço para que ela me mostre um documento que comprove a proibição de levar as dobráveis. Ela diz: “isso faz parte da rotina operacional.“
Já atrasado para buscar minha filha na escola e bastante impaciente, digo que preciso seguir caminho e que enquanto a empresa não adotar uma posição formal continuarei usando a bicicleta dobrável no metrô. Na tentativa de pegar o elevador (de uso preferencial, mas não exclusivo, para idosos, deficientes, grávidas, etc) sou impedido pela moça. O elevador esta vazio, mas ela parece se deliciar em dificultar ao máximo a minha vida. Cedo e vou pela escada rolante.
Resultado do segundo encontro: depois do dia arruinado em alguns poucos minutos pelo abuso da funcionária da linha amarela, recupero minha indignação e a vontade de comprar a briga com a Via Quatro até que os ciclistas e clientes sejam tratados com respeito. Escrevo esse texto e um depoimento nas redes sociais, na esperança de ser ouvido e de que uma política para o transporte das bicicletas dobráveis seja estabelecida pela empresa.
Aprendizado e esperança
Esse relato pessoal ilustra (i) como a Via Quatro está despreparada para lidar com essa nova e crescente realidade das bicicletas dobráveis, que se apresenta como uma opção eficiente e não poluente de deslocamento, e (ii) como os ciclistas que buscam cordialmente um posicionamento, são ignorados pela empresa. A intermodalidade propiciada pela integração das bicicletas dobráveis e metrô ainda está longe de ser fomentada pela linha da integração, a linha amarela, embora tenha sido inaugurada recentemente uma ciclorota que interliga a Cidade Universitária a Estação Butantã de Metro, estimulando justamente a integração bicicleta – metrô na região (desarticulações entre políticas públicas?).
Ciclovia e ciclorota que interliga a Cidade Universitária (Portão 1) a Estação Butantã.
Enquanto a empresa não se posiciona, fica a esperança de que seja aprovado o projeto de lei n° 655/2009, do vereador Chico Macena, que altera a Lei das Ciclovias (Lei 14.266) e determina que a “a bicicleta do modelo dobrável é considerada bagagem de mão, e pode ser transportada em qualquer meio de transporte público ou privado, como trem, ônibus e metrô, em qualquer dia ou horário, desde que dobrada e com o sistema de pedal, câmbio, corrente, coroa e catraca protegidos de contato direto com outros usuários, e suas dimensões e peso não ultrapassem o limite máximo permitido de bagagem por pessoa nas normas de uso do respectivo meio de transporte” (Art, 1°-A, Parágrafo I, § 2º). E a torcida para que a funcionária passe a simpatizar com os ciclistas.
Capítulo 2
Após escrever o Capítulo 1 dessa história, no último dia 4 de outubro, 20 dias depois do primeiro contato com a ouvidoria e após a intervenção do supervisor da Estação Paulista (que me atendeu muito bem por sinal), recebo a seguinte resposta da ouvidoria:
“Prezado Sr. Juliano, boa tarde
Em consulta à área de operação, fomos informados que o horário para transporte de bicicleta montada e empurrando-a, é após às 20h30 durante os dias da semana. Aos sábados, é permitido somente após às 14h00 e aos domingo é livre o dia todo.
Já para o transporte da bicicleta dobrada e embalada em capa própria, a única restrição é que esse volume não exceda o gabarito que se encontra na entrada de todas as estações da Linha 4-Amarela.
De toda forma, ressalto que a colaboradora em questão e todos os outros agentes das estações já foram reorientados em relação à conduta com nossos usuários e principalmente em relação ao transporte de bicicletas nestas condições.
Peço desculpas pelo transtorno involuntariamente causado e permaneço à disposição para outros esclarecimentos.
Atenciosamente,
Ouvidoria”
Em uma segunda mensagem a Ouvidoria se compromete a divulgar o procedimento para o transporte das dobráveis no site da empresa, que esta em fase final de construção.
Valeu insistir no diálogo com a empresa. Agora posso ir e principalmente VOLTAR sem grandes preocupações (sempre levando na mochila a resposta da ouvidoria, só para garantir).
Juliano Mendonça