O economista mexicano Enrique Leff, coordenador da Rede de Formação Ambiental para a América Latina e Caribe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e professor do Curso de Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná, fala a Página 22 sobre significados e interpretações da ideia de sustentabilidade.
O senhor acredita que, juntamente com a disseminacão da ideia de sustentabilidade, tem havido uma banalização e uso indevido da expressão? Isso enfraquece e esvazia o valor da sustentabilidade, ou faz parte do processo de entendimento da ideia e de aprimoramento das práticas por parte da sociedade? Acredito efetivamente que a disseminação da ideia de sustentabilidade veio acompanhada de uma saturação do seu sentido, e com ela uma banalização e também perversão do seu conceito. Além do fato de estar ocorrendo um esvaziamento do sentido de sustentabilidade, devemos compreender este processo como efeito de um desvio e ocultamento por parte dos que não estão interessados em acreditar no sentido da sustentabilidade e tentam seguir desconhecendo as leis de limite da natureza. Apesar de o conceito de sustentabilidade nascer da crise ambiental como uma crise civilizatória de insustentabilidade ecológica da racionalidade econômica, ele não se traduz em uma nova consciência planetária capaz de desconstruir esta racionalidade insustentável e de recompor o mundo por meio da instauração de um novo conceito. A sustentabilidade nasce no campo teórico-prático emergente da ecologia política e em torno deste novo conceito se estabelece uma verdadeira disputa de sentidos que abrem vias diferenciadas de reconstrução civilizatória.
Em sustentabilidade, cabem inúmeras interpretações e são feitas diversas apropriações e usos. Esse entendimento difuso é prejudicial ou não? Como afeta a implementação de ações práticas? É preciso maior objetividade e detalhamento? Se sim, de que forma isso deve ser buscado? Com efeito, no termo “sustentabilidade” cabem diversas interpretações que não só se desprendem da polissemia deste conceito novo, como das estratégias teóricas, conceituais e discursivas que se constroem para sustentar esses significados. Não se trata simplesmente de que o conceito tenha se tornado difuso – coisa que também acontece ao não configurar-se seu sentido em teorias, programas e ações sociais coerentes – , mas de que ao final se fazem diferentes definições através de estratégias discursivas de apropriação do conceito. A sustentabilidade adquire diferentes conotações dentro de diferentes paradigmas científicos, assim como dentro de diferentes estratégias teórico-políticas de construção da sustentabilidade. Assim, podemos ao menos diferenciar o sentido economicista de desenvolvimento sustentável do sentido conservacionista ou preservacionista de sustentabilidade ecológica. Destas interpretações, não só se deduz um conjunto de implicações éticas, mas que estas orientam diferentes práticas políticas na construção de novas racionalidades dentro das quais a sustentabilidade configura seus sentidos.
Estas diferenças e divergências conceituais não são claramente distinguíveis quando se usa um mesmo termo para designar significados diferenciados. Pois se em espanhol podemos distinguir o desenvolvimento sustentável (sostenible) – como a via economicista de apropriar-se da sustentabilidade – de um conceito de desenvolvimento sustentável (sustentable), associado a uma racionalidade ambiental, em língua inglesa ambos os conceitos se confundem com o termo sustainable development, e em língua portuguesa com o “desenvolvimento sustentável”. De maneira que somente a coerência de uma teoria ou de um discurso poderiam definir o sentido de uso destes termos.
Não se trata, pois, de resolver esse problema de definição mediante uma normativa do conceito, como uma purificação dos sentidos, e menos ainda através de um falso esforço por unificar seu significado. Trata-se de compreender que a construção da sustentabilidade se produz em um jogo de estratégias discursivas da sustentabilidade que são, ao final, estratégias de poder no saber e que levam a uma confrontação de sentidos teóricos, políticos, éticos dos conceitos. Sugerimos que a sustentabilidade (que é um desideratum, no sentido de apostar pela sustentabilidade da vida) será resultante de um diálogo de saberes que aceita e acolhe a alteridade não-resolvida dos sentidos diferenciados de sustentabilidade.
Quando falamos em sustentabilidade, estamos falando em sustentar exatamente o que, considerando que a humanidade já vive numa espécie de “cheque especial” em termos de exploração dos recursos naturais? Falamos, em princípio, da necessidade de dar sustentabilidade a uma racionalidade econômica que externalizou, objetivou, coisificou e finalmente negou a natureza; de incorporar bases, critérios e condições ecológicas na economia, para construir uma economia sustentável. Quer dizer, se trata de construir um conceito que evite dar um cheque em branco à economia para mercantilização e exploração da natureza. Mas os sentidos de sustentabilidade vão além da ecologização da economia. No entanto, a economia resiste a incorporar a alteridade do ambiente e busca estender sua racionalidade a todos os âmbitos da vida e do ser, codificando e valorizando a natureza – os bens e serviços ambientais, a biodiversidade e a vida – em termos de mercado.
Em sentidos mais radicais, que se referem à sustentabilidade da vida, não se trata só de conservar a biodiversidade, mas de abrir caminhos para regenerar e fortalecer os sentidos da vida humana, para gerar condições de sustentabilidade desde os mesmos sentidos da vida. Hoje se pede não somente uma ética da sustentabilidade, como a dos povos indígenas ao reivindicar seus direitos de organizar seus modos de vida – e inclusive de reverter a mudança climática – até os sentidos de bem estar.
Trata-se de uma construção social que haverá de se definir em um conjunto de práticas e ações pensadas, onde o pensamento haverá de conduzir a ação através da forma como as ideias, os conceitos e os imaginários sejam apropriados, no duplo sentido da palavra: apropriados para uma reconstrução dos vínculos entre cultura e natureza, entre economía e ecologia; e apropriados, quero dizer, incorporados nos marcos teóricos, os imaginários sociais e as estratégias políticas dos atores sociais da sustentabilidade.