Saiu em todos os jornais: milhares de toneladas de lixo se acumularam durante meses nas ruas de Nápoles, cidade do sul da Itália famosa por quase três milênios de história, por suas pizzas e pela Camorra, versão local da Máfia. O episódio foi particularmente assustador por ocorrer no seio da União Européia, supostamente a região com os melhores serviços e qualidade de vida do planeta.
Na época, analistas do episódio acusaram os governos local e federal de corrupção e displicência, e a Camorra, por sua participação em empresas de disposição de lixo. Os mafiosos estariam lucrando com a disposição irregular dos resíduos urbanos, que, misturados ao lixo industrial, estariam sendo jogados na beira de estradas ou queimados sem maior controle.
O assunto ganhou as manchetes internacionais no início de 2008, quando os lixeiros napolitanos começaram a se recusar a recolher o lixo descartado por 1 milhão de pessoas dada a total exaustão dos aterros sanitários da região.
O problema foi piorando e, em março, quando o primeiro-ministro Silvio Berlusconi assumiu o governo, havia 200 mil toneladas de lixo nas ruas, ameaçando causar epidemias de proporções medievais. Nos meses seguintes, foram criados novos aterros e um incinerador. Além disso 700 toneladas de lixo foram enviadas diariamente para serem queimadas em Hamburgo, na Alemanha. Mas as ruas de Nápoles só se viram livres das pilhas de lixo em setembro.
E hoje, como vai o assunto? Dois anos após o auge da crise, o lixo já não é visível mas, segundo a imprensa italiana, o problema continua.
Em março, a União Européia condenou o governo italiano pelo episódio, argumentando que ele não havia se preparado o suficiente, que muitas vezes o lixo tinha que viajar longas distâncias e que tanto os depósitos irregulares quanto as fogueiras acendidas pelas multidões enfurecidas durante a crise representaram um risco grave ambiental e de saúde. A União Européia também decidiu que a Itália terá de criar novas leis e investir em sistemas de disposição final o mais rápido possível se não quiser pagar uma multa e sofrer sanções legais.
Um artigo publicado pelo semanário L’Espresso informa que os novos aterros instalados pelo governo não têm um sistema adequado para drenar o chorume e este tem que ser coletado diversas vezes ao dia e levado para estações de tratamento a um custo de dezenas de milhares de euros por dia. Num dos aterros, a situação é emergencial porque o chorume pode transbordar e contaminar os campos e pastagens adjacentes.
Daniele Fortini, que assumiu o serviço de gestão de resíduos de Nápoles pouco depois do auge da crise, fez recentemente uma análise interessante do problema aqui. Ele diz que houve excesso de confiança no desempenho das unidades de triagem (para separação de recicláveis e compostáveis) – uma crença de que elas, por si só, resolveriam o problema do lixo, daí o baixo investimento em soluções de disposição final. Ou seja, teria havido uma espécie de “wishful thinking”, expressão inglesa que indica um excesso de otimismo que toma o sonho como verdade. Deu no que deu.