Os esforços para reestruturação energética e a inclusão dos efeitos do aquecimento global nos preços visam resgatar a civilização, não o planeta.
Por José Eli da Veiga
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Será que as saídas tecnológicas para a descarbonização das matrizes energéticas já estão disponíveis? Reações simétricas a tal pergunta dominam o debate internacional.
São categóricos na resposta afirmativa, seguida da observação de que só falta decisão política, os mais propensos a atitudes engajadas ou militantes. Preferem o otimismo da vontade. E são contestados pelos mais ciosos da prudência analítica, que enfatizam a necessidade urgente de intensa cooperação internacional nas pesquisas que poderão fazer emergir ao longo do século as imprescindíveis inovações. Preferem o pessimismo da razão.
Impossível dizer quem está certo. Mas é bem provável que o processo só ganhe impulso se os engajados militantes forem os mais persuasivos, pois serão sérias tentativas de reduzir significativamente as emissões de carbono que evidenciarão a necessidade de seguir a recomendação dos prudentes analistas.
Ou seja, mais decisivo que discutir prioridades da agenda de pesquisas é saber quais são as saídas disponíveis, seus possíveis impactos, e o que pode ser feito para que sejam adotadas.
Por ordem de facilidade, a primeira é a economia de energia elétrica que resulta do uso das novas lâmpadas compactas fluorescentes no lugar das velhas incandescentes.
A Austrália, o Canadá e 17 estados dos EUA já têm políticas para acabar com elas nos próximos anos. E pipocam em muitos países movimentos para que sejam proibidas. Também não será difícil avançar na regulamentação dos padrões de eficiência dos eletrodomésticos, para que os que ainda desperdiçam muita energia sejam rapidamente aposentados.
Embora mais atrasadas, multiplicam-se as iniciativas que vão em breve revolucionar os métodos da construção civil, tornandoos capazes de engendrar os ganhos de efi-ciência que diminuirão as necessidades de eletricidade e de vários combustíveis usados para regular a temperatura interna dos edifícios. Também nos sistemas de transporte há evoluções semelhantes, dentre as quais se destacam a introdução de veículos que combinam eletricidade com combustíveis líquidos e a de uma nova geração de trens para os quais poderia ser destinada prioritariamente a eletricidade de geração eólica.
Calcula-se que a adoção dessas e de algumas outras inovações na área dos materiais evitaria o acréscimo de 30% da demanda de energia prevista para o período 2006-2020. Simultaneamente, os esforços para reduzir o uso de energias de origem fóssil (principalmente carvão e petróleo) podem estimular significativos aumentos de uso das renováveis (eólicas, solares, geotérmicas e de biomassas, além da hidrelétrica) – da ordem de 500% na capacidade de geração de eletricidade e de 360% na de energia térmica.
Toda essa reestruturação energética possibilitaria que em 2020 as emissões de carbono fossem 80% inferiores às de 2006, graças à combinação de duas ações: corte de 4,430 bilhões de toneladas e “seqüestro biológico” de mais 3,050 bilhões, graças a desmatamento zero, plantação de florestas e manejo racional de solos. O que impediria que a concentração de CO2 na atmosfera chegasse muito acima de 400 partes por milhão, minimizando o risco de trágico aumento da temperatura média global.
É difícil supor, todavia, que coisas tão formidáveis ocorrerão se a emissão de carbono continuar tão barata, gratuita, ou até subsidiada. Foi o que Sir Nicholas Stern quis denunciar quando disse que a ausência dos custos do aquecimento global nos preços é a maior falha de mercado jamais vista na face da Terra.
Tragadas pretéritas
Se tais custos fizessem parte do preço de um litro de gasolina, ele teria de quintuplicar nos EUA e dobrar na Alemanha, França, Itália ou Reino Unido. Tanto quanto o preço de cada maço de cigarros deveria contribuir com US$ 10,47 para os cofres públicos dos EUA se fosse para ressarcir sua população pelos prejuízos que lhe dão os que se valem do direito de fumar.
É claro que um maço de cigarros continua bem mais barato, mas o estudo que chegou a essa cifra vem funcionando como sinalizador. Em Chicago e Nova York os fumantes já pagam pelo menos US$ 3 de impostos por maço, e apenas a taxa estadual em New Jersey chega a US$ 2,58.
Além disso, há um precedente que não deve ser esquecido: em novembro de 1998, a indústria americana do fumo concordou em reembolsar governos estaduais pelos custos dos tratamentos de doenças relacionadas ao vício que lhe dá sentido. Foram US$ 251 bilhões. Quase mil dólares por habitante do país. O que só pode ser entendido como pagamento de imposto retroativo pelos cuscustos indiretos de tragadas pretéritas.
Tudo o que foi dito acima, e mais a proposta de substituir parte das atuais cargas fiscais pela introdução de um imposto de US$ 240 por tonelada de carbono (com aumento anual de US$ 20 até 2020), está no último livro de Lester R. Brown, Plano B 3.0 (Editora Norton, 2008, acesso sem custo em www.earthpolicy.org). Leitura recomendável, pois esta terceira versão do Plano B está bem melhor que as duas primeiras. Virou uma proposta para salvar a civilização, em vez da anterior presunção de querer salvar o planeta.
José Eli da Veiga – Professor titular do departamento de economia da FEA-USP e pesquisador associado do Capability & Sustainability Centre, da Universidade de Cambridge, com apoio da Fapesp.
Os esforços para reestruturação energética e a inclusão dos efeitos do aquecimento global nos preços visam resgatar a civilização, não o planeta.
Por José Eli da Veiga
Será que as saídas tecnológicas para a descarbonização das matrizes energéticas já estão disponíveis? Reações simétricas a tal pergunta dominam o debate internacional.
São categóricos na resposta afirmativa, seguida da observação de que só falta decisão política, os mais propensos a atitudes engajadas ou militantes. Preferem o otimismo da vontade. E são contestados pelos mais ciosos da prudência analítica, que enfatizam a necessidade urgente de intensa cooperação internacional nas pesquisas que poderão fazer emergir ao longo do século as imprescindíveis inovações. Preferem o pessimismo da razão.
Impossível dizer quem está certo. Mas é bem provável que o processo só ganhe impulso se os engajados militantes forem os mais persuasivos, pois serão sérias tentativas de reduzir significativamente as emissões de carbono que evidenciarão a necessidade de seguir a recomendação dos prudentes analistas.
Ou seja, mais decisivo que discutir prioridades da agenda de pesquisas é saber quais são as saídas disponíveis, seus possíveis impactos, e o que pode ser feito para que sejam adotadas.
Por ordem de facilidade, a primeira é a economia de energia elétrica que resulta do uso das novas lâmpadas compactas fluorescentes no lugar das velhas incandescentes.
A Austrália, o Canadá e 17 estados dos EUA já têm políticas para acabar com elas nos próximos anos. E pipocam em muitos países movimentos para que sejam proibidas. Também não será difícil avançar na regulamentação dos padrões de eficiência dos eletrodomésticos, para que os que ainda desperdiçam muita energia sejam rapidamente aposentados.
Embora mais atrasadas, multiplicam-se as iniciativas que vão em breve revolucionar os métodos da construção civil, tornandoos capazes de engendrar os ganhos de efi-ciência que diminuirão as necessidades de eletricidade e de vários combustíveis usados para regular a temperatura interna dos edifícios. Também nos sistemas de transporte há evoluções semelhantes, dentre as quais se destacam a introdução de veículos que combinam eletricidade com combustíveis líquidos e a de uma nova geração de trens para os quais poderia ser destinada prioritariamente a eletricidade de geração eólica.
Calcula-se que a adoção dessas e de algumas outras inovações na área dos materiais evitaria o acréscimo de 30% da demanda de energia prevista para o período 2006-2020. Simultaneamente, os esforços para reduzir o uso de energias de origem fóssil (principalmente carvão e petróleo) podem estimular significativos aumentos de uso das renováveis (eólicas, solares, geotérmicas e de biomassas, além da hidrelétrica) – da ordem de 500% na capacidade de geração de eletricidade e de 360% na de energia térmica.
Toda essa reestruturação energética possibilitaria que em 2020 as emissões de carbono fossem 80% inferiores às de 2006, graças à combinação de duas ações: corte de 4,430 bilhões de toneladas e “seqüestro biológico” de mais 3,050 bilhões, graças a desmatamento zero, plantação de florestas e manejo racional de solos. O que impediria que a concentração de CO2 na atmosfera chegasse muito acima de 400 partes por milhão, minimizando o risco de trágico aumento da temperatura média global.
É difícil supor, todavia, que coisas tão formidáveis ocorrerão se a emissão de carbono continuar tão barata, gratuita, ou até subsidiada. Foi o que Sir Nicholas Stern quis denunciar quando disse que a ausência dos custos do aquecimento global nos preços é a maior falha de mercado jamais vista na face da Terra.
Tragadas pretéritas
Se tais custos fizessem parte do preço de um litro de gasolina, ele teria de quintuplicar nos EUA e dobrar na Alemanha, França, Itália ou Reino Unido. Tanto quanto o preço de cada maço de cigarros deveria contribuir com US$ 10,47 para os cofres públicos dos EUA se fosse para ressarcir sua população pelos prejuízos que lhe dão os que se valem do direito de fumar.
É claro que um maço de cigarros continua bem mais barato, mas o estudo que chegou a essa cifra vem funcionando como sinalizador. Em Chicago e Nova York os fumantes já pagam pelo menos US$ 3 de impostos por maço, e apenas a taxa estadual em New Jersey chega a US$ 2,58.
Além disso, há um precedente que não deve ser esquecido: em novembro de 1998, a indústria americana do fumo concordou em reembolsar governos estaduais pelos custos dos tratamentos de doenças relacionadas ao vício que lhe dá sentido. Foram US$ 251 bilhões. Quase mil dólares por habitante do país. O que só pode ser entendido como pagamento de imposto retroativo pelos cuscustos indiretos de tragadas pretéritas.
Tudo o que foi dito acima, e mais a proposta de substituir parte das atuais cargas fiscais pela introdução de um imposto de US$ 240 por tonelada de carbono (com aumento anual de US$ 20 até 2020), está no último livro de Lester R. Brown, Plano B 3.0 (Editora Norton, 2008, acesso sem custo em www.earthpolicy.org). Leitura recomendável, pois esta terceira versão do Plano B está bem melhor que as duas primeiras. Virou uma proposta para salvar a civilização, em vez da anterior presunção de querer salvar o planeta.
José Eli da Veiga – Professor titular do departamento de economia da FEA-USP e pesquisador associado do Capability & Sustainability Centre, da Universidade de Cambridge, com apoio da Fapesp.
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