Se há algo que identifica a Austrália, trata-se, sem dúvida, do canguru. Das caudas das aeronaves da Qantas, a companhia aérea nacional, a infinitas camisetas e suvenires, passando pelas moedas de um dólar e pelo brasão-de-armas, o bicho é quase onipresente. Até a seleção de futebol é conhecida como Socceroos. Imagine, então, o bafafá quando alguém ousa dizer que, afinal de contas, o canguru não é originalmente australiano.
Os cangurus são marsupiais e, assim como vários outros da mesma infraclasse – como os wallabies e o diabo da Tasmânia –, distinguem-se dos demais mamíferos pela bolsa em que carregam e alimentam seus bebês.
Desde que os europeus desembarcaram na costa da Austrália e encontraram esses curiosos animais, as relações evolutivas entre os marsupiais existentes na Austrália e na América do Sul – hoje são mais de 300 espécies – têm sido investigadas intensamente. A mais recente peça no quebra-cabeças é um artigo publicado por pesquisadores alemães na última terça-feira na revista científica PloS Biology.
Há mais de 130 milhões de anos os marsupiais habitavam o super-continente de Gondwana, formado pelos continentes que hoje compõem o Hemisfério Sul, incluindo América do Sul, Antártica, África e Austrália (além da Índia, hoje no Hemisfério Norte).
Hoje, alguns marsupiais que vivem na América do Sul possuem características próximas daqueles que habitam a Austrália, dando margem à pergunta: afinal, quem deu origem a quem? Uma das teorias é que o marsupial original vivia na América do Sul e teria migrado para a Austrália antes que Gondwana se separasse. A partir daí, os marsupiais de cada lado teriam evoluído separadamente, adaptando-se aos respectivos ambientes. Outros estudos, entretanto, apontam que o padrão migratório pode ter sido mais complicado e que algumas espécies da Austrália teriam retornado à América do Sul.
Graças à recente sequenciação do genoma de dois marsupiais – um sul-americano, o Monodelphis domestica, e outro australiano, o Macropus eugenii –, os pesquisadores alemães puderam estudar marcadores genéticos estáveis que não sofrem mutações ou outros eventos aleatórios. Os resultados indicaram uma “clara separação entre os marsupiais da América do Sul e da Australasia”, segundo os autores, reforçando a hipótese de que houve apenas uma migração da América do Sul para a Austrália.
Dois dias depois de publicado o estudo, a rádio australiana trazia repercussão. Segundo o paleontólogo Mike Archer, da Universidade de New South Wales, o resultado é “simplista” e não leva em conta os estudos fósseis que indicariam migrações da Austrália de volta à América do Sul. Em defesa da Austrália como “centro da evolução” dos marsupiais, Archer reavivou outra característica conhecida dos australianos, o complexo de inferioridade. “Eles partem do princípio de que a Austrália é o fim do mundo e fica com os restos”, disse, referindo-se aos autores do estudo alemão.
Como se diz no Brasil: Calma que o canguru é… vosso!